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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

atirar uma flor

Pra provar que eu não era mais a mesma eu dirigi até a farmácia. Era um domingo ensolarado mas ao mesmo tempo bastante sombrio, pois não tinha ninguém na rua. 
Por um minuto pensei que o sábado talvez tivesse sido bom pra todos, depois que o sinal mudou de cor, mudei de ideia, talvez pudesse ter sido ruim e a cidade inteira estava morta... e vai saber se só eu ainda que não sabia. 
Ai eu desci do carro, foi difícil encontrar uma farmácia aberta. O engraçado é que eu não procurava por remédio. Era apenas crédito para telefonar, na verdade pra mandar mensagem, admito que sou viciada nesses textinhos curtos que me aparecem como cartinhas rápidas na tela.
Voltei para o carro, a chave estava nele, sorte minha que a cidade estava morta. Que desatenta! Eu seria capaz de perder um carro tão fácil assim? E ai uma cartinha chegou quando o sinal ficou verde. Você de novo?
"Do nada me vi pensando nas coisas que você me disse e eu queria que você me falasse o motivo." Santa paciência, essa menina é insistente, da onde veio essa fé fervorosa da qual eu teria tantos motivos pra odiá-la como ela pensa? Achei alguém com mais mania de perseguição que eu, achei talvez a conta pra pagar meus pecados. 
E escrevi: "Boa tarde, acho que sua mensagem chegou atrasada. Nos deixamos os pratos limpos no sábado, esqueceu? Não há nada demais, de verdade."
E respondeu: "Sim, é que eu coloquei créditos agora, e queria ter mandado isso ontem.". 
Coincidência. Alguém estava vivo na cidade, onde será que ela conseguiu colocar crédito? 
"O que está fazendo?", perguntei sem saber porque perguntava. 
"Estudando. E tu?", (ela disse e tu? Também vou assustá-la.) 
"Vou passar na sua casa."
"Pra que?! Tu disse que não se sente bem comigo, você é uma icógnita Nanda."
Isso, eu sou uma icógnita. Esse Nanda realmente me transforma e desajeita.
"Eu só vou se tu quiser, decide ai." (passo a responsabilidade do livre arbítrio)
"Pode vim. Se tu quiser." (Dúbio, ela adora icógnitas, eu lembro. Ela também sabe ser uma.) Vou. 
"Vai ser bom, podemos conversar.", não respondo porque estou indo. 
"Tu vem?", chego.
"To na porta." ela não responde, demora a abrir a porta.
Nos vemos, percebo que tentou ficar séria, mas perdeu a cara feia num segundo, é tempo de abraçar. Sorrimos, na intenção de percebermos que não há nada de errado de verdade. Então me/te ensino, que não cabe mais orgulho em mim, que não há nada de errado com ninguém ali, e como não consigo ficar sem atirar nada, atiro uma flor, em vez da comum pedra. 
É ai, que os escorpiões cospidos na sexta,  passam a virar arroto no sábado, e não passam de um fedor no domingo que vai sumindo a medida que nos permitimos nos conhecer de novo. Aprendo, se for pra guardar alguma coisa, que seja algo que me transforme numa pessoa melhor. 
E lá estava nos duas, cheias de assunto pra retomar, perdidas nas voltas que o mundo deu, curiosas com as mudanças de hábito e jeito de contar, opinar, olhar. 
E o orgulho ali, nos observando, sem acreditar que dessa vez nos decidimos usá-lo de maneira diferente, decidimos nos orgulhar por estarmos sendo verdadeiramente amigas outra vez.


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