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terça-feira, 29 de maio de 2012



"Não lamente aquilo que passou e nem chore com o que o tempo desfez. Repare que o vento que foi nunca voltou, mas um novo vento sempre sopra outra vez. Não pense que as coisas são impossíveis, nem o amor. E nunca desista pois quando o outono derruba uma flor, a primavera coloca várias outras no lugar!"
(Autor desconhecido)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A suicida

Tinha o diabo no corpo quando menos esperava, despertada numa raiva sobrenatural, o seu lado mais malvado e sedutor foi ficando cada dia mais repugnante e auto-destrutivo. Aquilo gerava um pânico sobrenatural antes de dormir e ao acordar de uma maneira que só ela podia aguentar e experimentar. Foi perdendo o equilíbrio entre  a realidade e a fantasia, percorrendo um caminho de insanidade, no qual não sabia mais por onde ia dar. Não pensava mais antes de agir, não se controlava. Isso fez com que perdesse as artimanhas de uma outra guerra, então perdera também a chance de dividir aquele fardo, não dava mais pra compartilhar, não dava mais pra dividir o temor em pedacinhos e um dos cavalheiros que mais aparentava coragem e quase tomou conta de seu reino, partiu de última hora levando na garupa, com algumas das melhores lutas, a enferrujada armadura que já não lhe cabia pra se proteger. 
Os sentidos vinham dessa vez de queimar o corpo, ao acordar, ao pensar, na hora de se alimentar e enquanto respirasse. Todos de uma só vez, vinham para buscá-la, era hora de enfrentar os piores tormentos, era hora de saber até onde realmente era capaz de chegar. Menos fraca do que podia querer ser, a raiva ouriçada veio num caminho trôpego sem saber porque causava. Não havia mais discernimento no que queria do que se sentia, não havia mais pincéis o bastante pra pintar separadamente o que lhe era colorido e o que seria sempre branco. Era puro desalinho e ninho de rato. Pra variar, tinha que escolher entre ficar ali estacionada ou percorrer um caminho de cacos de vidro sem sapatos.  Era a única saída que existia, um anjo lhe soprara baixinho no final de um pesadelo que se escondia atrás das pedras do inferno, ganhando tempo com os demônios.
Descalça, sangrou até o último caquinho. Na tentativa de transformar lentamente a dor em uma única só, crua e nítida, como não costumava se resumir, se distraiu por trás do vermelho do sangue,  dando-se um  pouco de prazer e tentação, o qual somente o vermelho é capaz de proporcionar. Talvez pela perca de sangue, tenha ficado um pouco insana e sentiu uma sútil alegria de pensar que seu sangue iria se perder daquele corpo que já não tinha controle e dicernimento para estar punjante e reluzante nos cacos, realçando o escarlate e marcando território de vitória e rastros.
Quando terminou de atravessar o diabo quis tomar seu lugar mais uma vez, mas alguma coisa nela já era capaz de não permitir. O fôlego de belzebu era tão quente que a pele dela num momento estava bronzeada.
- Você não tem medo de mim? - perguntava o diabo como se perdesse algo lentamente.
- O que lhe dá mais prazer? - devolvia com outra pergunta, para infernizá-lo.
- Sua infância.
- Eu morria de medo de você...Mas ainda assim foi a melhor época da minha vida.
- Você sabe que não está viva como antes, não é? 
- Sei...eu estou mais madura e menos tensa.
- Você acha mesmo que maturidade te livra do medo das coisas?
- Talvez não sempre, mas ajuda.
- Você sabe que eu não vou desistir de você, não é? O medo é inevitável em qualquer fase e você sabe...eu posso me transformar no que eu quiser.
- Sei, mas também já sei te ouvir sem obedecer.
- Enquanto me ouvir serás minha.
- Na verdade não, enquanto eu te ouvir, saberei para onde não ir e mais! Saberei que você está numa posição ainda mais humilhante que a minha, a de precisar ser ouvido.
O diabo sumiu feito fumaça dos seus olhos, ela coçou um pouco os olhos e continuou andando.Uma coisa que nunca entendia era o porquê de alguns nascerem covardes e outros já não ousarem tamanha covardia contra a própria vida. 
Despertada naquela raiva ela não queria mais gritar, pois o grito já não era salvação, nem o silêncio prece, nem os barulhos pistas. Percebeu que conseguia sem pânico, lidar com toda aquele situação. 
Quando dormiu num jardim escuro que encontrou, o anjo lhe soprou ao fim de outro pesadelo que ao amanhecer os pés estariam cicatrizados e que todas as vezes que olhasse pra eles, se lembrasse de como a dor é passageira. 

Ao amanhecer, percebeu que o fardo estava leve...mas ainda não podia ter encontrado Deus, tudo ainda estava muito imperfeito, e ela sabia que quando fosse a hora, não haveria dúvidas nem decepções. O fardo estava leve porque estava sendo carregada por oito sombras desbotadas de defeitos e má vontade, a qual ela era fonte de alimento com todo seu pessimismo, agora...era hora de mudar os hábitos, até que as oito vomitassem seus pedaços.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Antes mesmo de eu te encontrar.




Quando eu te encontrar, já vou ter aprendido a parar de procurar, já vou ter aprendido a me cuidar, não vou estar precisando de ajuda nem de nada lá fora que aumente o que falta dentro de mim, porque quando eu te encontrar meus sonhos estarão no ar, meu sorriso mais maduro, minha lingua menos afiada, minhas palavras cheias de verdade, minha alma beatificada. 
Quando eu te encontrar meus olhos continuarão sendo os mesmos, porém exergando aquilo além do que se vê, meus olhos serão o espelho do meu coração, e tão espertos e decididos quanto as minhas razões. Tão de repente a sorte será tão grande quanto a chama de tranquilidade que invadirá as calçadas das minhas ruas jamais percorridas direito, porque quando eu te encontrar não vou mais precisar guardar segredo, terei por fim a chance de contar os meus piores e melhores anseios e  juntarei minha paz com a sua paz e te darei o direito de te mostrar minhas limitações pra somar com toda a sua perfeição, para que assim e só assim eu possa me diminuir, me multiplicar e me dividir em tantas partes e jeitos, até meus cálculos mais imperfeitos darem num resultado quase perfeito.
Quando eu te encontrar já terei aprendido a ser feliz sozinha, ser feliz junto, ser feliz separada e estar feliz a maioria das vezes, já vou ter aprendido a voar e voltar, voltar e voar e não me restará nenhuma indecisão. 
Quando eu te encontrar o teu amor será pra mim tudo que tenho, tudo que sobra, tudo que volta, tudo que vai, e minha liberdade jamais lhe incomodará, pois da mesma forma que eu a amo e sou, tu saberás lidar com ela. 
Dessa vez eu vou perder o juízo sem promessas falsas, sem gasturas, sem mentiras, sem manchas, pois a certeza será mais clara que o pôr do sol e a compreensão será a essência de todo meu amor. 
Quando eu te encontrar haverá uma tempestade do que eu realmente preciso pra ser mais feliz, e finalmente terei descoberto que nessa vida eu nada mais preciso procurar pra me suprir da tua falta porque Tu estarás comigo e nunca mais estarei só, Tu estarás comigo e todo vazio terá um pouco do teu tormento, Tu estarás comigo e não precisarei de nenhuma explicação, porque Tu estarás comigo, dentro do meu coração, enchendo de cores minha alma branco no preto... Tu estarás comigo, quando todos quiserem partir e desassossegar e estarás comigo, antes mesmo de eu te encontrar.
Quando eu te encontrar não existirá mais essa história de coração partido, serei mais forte por conta própria, vou ter aprendido a me levantar, saberei meu valor, vou transformar tudo em amor, me esforçarei em atitudes de perdão, terei minhas dores apartadas, meus sorrisos mais acreditados, os sonhos perfumados e meus defeitos domados. 
Tua presença será meu meio, meu ínicio, meu fim, e minha alma finalmente será o meu melhor reino, porque quando eu te encontrar eu nunca mais vou querer estar novamente perdida.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Reza baixo que eu quero dormir.






1998

-Nina você perguntou pro papai quem é deus?
-Perguntei.
-Ele falou o quê?
-Ele falou que é uma luz.
-Uma luz? 
-É... mas não é uma luz que nem uma lâmpada acesa, sabe? É tipo uma luz bem forte... a mamãe falou que era o quê?
-Ela falou que não sabia como era, mas que não era um homem de barba branca sentado num trono, que era tipo uma coisa boa que a gente sente quando olha pro céu e pra natureza, uma força que rege o mundo...
-Hum sei...

2001

- O professor contou uma história horrível pra gente hoje Nina!
- Que história?
- Não quero contar, estou com medo...mas foi sobre o diabo.
- Você tá com medo?
- Tô. E o diabo deve estar nos escutando agora! (abaixa o tom da voz) Não entendo...se deus existe, porque ele não destroi o diabo de uma vez? Estou desconfiada de que deus não pode destruir o diabo...
- O diabo não existe Nanda.
- Existe! Porque quando eu falei que não existia, as meninas na sala falaram que se ele não existir, deus também não existe.
- Isso é uma besteira!
- O que a gente faz pra não ter medo do diabo?
- O diabo não existe Nanda!
- Existe!
- Reza.


2005

-Nina o que é esse símbolo nas suas apostilas da escola?
-Qual simbolo?
-Essa foice e esse martelo...eu já vi isso em algum lugar, mas nunca entendi.
-Ah, é o simbolo do comunismo, eu sou comunista agora. Estou do lado do proletariado e você?
-Não sei de que lado estou...O que é proletariado?
-Proletariado é o trabalhador Nanda. Nós vivemos num mundo capitalista, onde os ricos decidem e fazem o que querem, está vendo esse barbudo aqui? Ele se chama Che Guevara, ele é comunista e está morto, mas libertou muitos povos, as pessoas não prestam Nanda! Elas só pensam nelas mesmas e em dinheiro! E a religião...a religião é o ópio do povo! Uma mentira que inventaram pra enganar todo mundo! Já reparou como as igrejas lucram?
-Meu deus! Porque ninguém nunca nos contou nada?!
-Porque não é vantagem pra eles. E não adianta falar meu deus, porque ele não existe, nem nunca existiu Nanda, eu não queria te falar isso, mas acho que você ta preparada pra saber.

2007
-Eu gostei dessa mocidade do centro espírita, esse tal de allan kardec parece ser bem sabido, e a filosofia deles faz a gente refletir muita coisa...
-É...também me senti bem lá.

2008

-Reza baixo que eu quero dormir.
-Tá bom.
(desliga a luz do quarto)
-Nina?
-Oi...
-Você não acredita mais em Deus desde que virou comunista?
-Acho que não, acho que desde que não tenho mais fé, mas agora eu acho que sou agnóstica.
-Agnóstica?
-É. Pra mim tanto faz se existe ou não, jamais saberemos ou poderemos provar.

2009

Nanda foi pra capital, entrou pra faculdade, Nina estudava para o vestibular.
-Alô?
-Oi Nanda...
-Nina acho que não acredito mais em Deus.
-Por que?
-Porque to lendo muita coisa sinistra aqui, aquelas dúvidas que a gente tinha...não eram só nossas, tem bandeira de todo jeito nesse mundo! E ai me bateu uma tristeza...
-Eu acho que acredito em Deus de novo.
-Sério?
-Sério. To estudando muito para o vestibular, e de repente minha fé voltou...Deus deve existir, e está acima dos problemas que o homem arruma.
-Hum...pois a minha fé acabou, meu coração não se sente bem mais rezando, talvez teria sido melhor eu nunca ter perdido a fé, mas não ter fé não me torna uma pessoa malvada, na verdade não mudou nada! Só me tornou um pouco mais responsável e...aqui tem gente de todo jeito! Evangélico, ateu, comunista, vegetariano, homem que namora com outro homem...
-Hum...

2011

-Nina já dormiu?
-Não...
-Me sinto muito só...acho que quero me agarrar em alguma coisa de novo...eu tava pensando em ir no centro espírita domingo, você quer ir comigo?
-Nossa faz um tempão que a gente não vai lá, né?
-Acho que a gente era mais feliz quando participava daquelas mocidades, e estudava aqueles livros e descutia com o grupo no estudo, praticava caridade...sei la, acho que a fé ajuda muito a viver a vida...
-Eu também...sabe do que eu lembrei? Daquela frase: "Se não vem pelo amor, vem pela dor"...
-Lembro...acho que não ter fé foi quase uma espécie de dor que a gente passou, talvez devessemos voltar lá agora, as coisas devem ser bem diferentes quando as procuramos com vontade.


 
(Fé uma coisa que nasce, morre e renasce dentro da gente.)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A bela e a fê


"Em uma gélida noite de inverno, uma velha mendiga bateu na porta do príncipe, oferecendo uma singela rosa em troca de abrigo para se proteger da neve e do frio. O príncipe enojado pela aparência da velha recusa a oferta e a manda ir embora. Ela o aconselha a não deixar-se enganar pelas aparências externas, pois nem tudo é o que parece. Quando o príncipe voltou a expulsá-la, ela se transformou em uma bela feiticeira. O príncipe tentou pedir perdão, mais era tarde, ela já havia percebido que não havia amor no coração dele, e para castigá-lo transformou-o em uma fera horrenda. A feiticeira lançou uma maldição no castelo e em todos os que lá viviam. Horrorizado por sua monstruosa aparência a Fera se confinou no castelo com um espelho mágico, que era sua única janela para o mundo exterior. A rosa oferecida pela mendiga era encantada e iria florescer até o 21ª aniversário do príncipe. Até lá se ele amasse e fosse correspondido o feitiço se quebraria, senão ele estaria condenado a permanecer Fera para toda a eternidade."

Hoje li um artigo muito interessante (e viajado) sobre o conto A bela e a fera (da simbologia alquimia ao processo de individualização*) e em resumo o artigo abordou o caráter transformador dos personagens (seres humanos), desde a transformação na aparência animalesca (fera) para perfeita (príncipe) como também na transformação interior, como a de Bela que no começo é uma heroína boazinha, indiferente e humilde - tendo inclusive medo da Fera inicialmente - até a heroína que convive com a fera, admite estar amando e decide que sente saudades do seu pai mas que vai voltar para a fera e ser feliz pra sempre ao seu lado. O artigo conta mais ou menos que a história fala sobre personagens que se encontram em  estados inconscientes, e que precisam se encontrar atravez de um processo de individualização.
A rosa é o prenúncio de todas as transformações na história, pois a partir dela que a fera é amaldiçoada e que o pai da bela também é quase morto pela fera -por querer levar a flor para a filha- sendo a rosa também um simbolo de que haverá transformação, pois torna possível o encontro da Fera com a Bela.
Eu não sabia que as flores tinham o significado de totalidade, e segundo Jung o simbolismo da rosa é extremamente rico e associado a formatos de procura do ego, busca pela perfeição e até representação da alma, já que as flores também representam o elixir da vida, uma vez que há floração.

Quando ele colheu a rosa daquele jardim, uma Fera apareceu e disse:- Você não devia mexer no meu jardim, por isso vai ser meu prisioneiro!


O que mais me chamou a atenção também, foi a parte em que o autor diz que a separação corresponde ao primeiro ato de criação. ("Cindi a luz das trevas"). De forma nada otimista (rs) eu também entendi que razões, boas intenções e vontade nunca chegam desacompanhadas, mas que deveriam! E por conta disso, os conflitos veem como missão para que aconteça o nascimento da consciência e do ego.