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sábado, 29 de julho de 2023

gol


Acordei com a descoberta de que quero fazer um golaço, mas não sei jogar futebol. O que deixa de ser problema quando a passo a saber que posso aprender. Tudo se aprende. Sempre pareceu muito óbvio, muito chato, muito comum. Dom! Mas quando estamos envelhecendo vamos percebendo que há mistérios no que é óbvio também. Os mistérios que a gente não para pra pensar. Como posso fazer um gol bonito? O gol da mudança, da subida de números, da classificação, da vitória e transformação? Até certo tempo eu tomava um café da manhã com enjoos matinais, depois dormia já pensando no meu lindo café da manhã e seu preparo. As coisas vão mudando, vão sim. Vão sendo óbvias e preciosas. Vão sendo gourmet. Vão sendo iguais, mas diferente de antes. Tentamos sair do óbvio, na juventude, por algum motivo pretensioso... Depois estamos lá voltando e voltando para o começo. Meu gol será feito, será sim! Eu sei jogar ora bolas! Eu já vi na TV, na internet, no vídeo... Alguns me dizem que preciso amar jogar, outros que qualquer um é capaz de fazer um gol... Há diversas teorias sobre como um gol pode ser feito! E se lesse tanto sobre gols que ficasse expert em um? E se penso muito no gol e não penso no jogo, é óbvio que não dará certo... Mas também tem muita gente que diz que pensar o que deseja faz com que tudo aconteça... Então, eu penso. Um golaço será feito por mim! Quanto ao uniforme, os outros jogadores, será possível mesmo fazer o gol sem pensar nisso tudo? Creio que não... Seria um gol um processo que deve ser amado?Amar o processo, amar o processo, amar o processo até que ele seja o resultado. Quero sonhar com esse golaço, falar sobre ele, pesquisar sobre ele, discutir os preços das chuteiras e ler sobre a jornada das jogadoras. Quero entender quem será o goleiro, de que marca é a bola, quem será o juiz e meus inimigos e parceiros. Eu tenho chance se o time for ruim? Eu tenho chance se o golerio for muito ruim? Quero mais do que um gol, o processo inteiro! A arquibancada, as luzes e o final de semana necessário para isso... imagina um final de semana inteiro programado para isso! Pensar o momento, o inicio e o fim.  O meu gol vai sair, vocês vão ver... vai ser o chute certeiro para a lua! Vai bagunçar suas fases, fazer São jorge cair do cavalo, espatifar as pétalas da rosa do pequeno príncipe! Vai passar na televisão, terá foto premiada num concurso de jornalismo, será pauta no canal específico de esporte e falarão disso na internet em vários vídeos e memes. Mal posso esperar...mal posso esperar... Já posso ver até meus pés com joanetes sendo fotografados e famosos numa matéria de revista feminina! As mulheres todas fazendo suas unhas e comentando meu diferencial. Minha beleza exótica, e os benefícios e malefícios de possuir joanetes. Vai ser engraçado... 

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Onça pintada

Um dia me encontro de novo com aquela onça pintada que conversou comigo. 

Daqui, onde estou, talvez ela não consiga me acessar. 

Foi meu trampolim, 

um lindo mergulho, 

um fabuloso despertar.


Talvez ela consiga me observar mesmo que eu nunca mais a tenha visto, 

mas talvez, também seja emprestada daquele outro lugar. 

O que ela me disse ainda guardo na memória e no coração. 

Medo e admiração. 

Medo e presença. 

Medo e respeito. 

Medo e coragem. 

Força feminina como sina…

Não existe onço, com O, no masculino, 

nunca se esqueça Fernanda, não existe!

Só onçA com A no final. 

Não se curve!

E é preciso aceitar o próprio tamanho, 

e não se retaliar e machucar para caber 

num espaço pequeno demais para amar. 


Se acostume com os desencontros, 

com os desencantos, 

com os decepcionistas, 

Encare e seja selvagem, 

nunca submissa, 

de quatro apenas para atacar

de quatro apenas para aceitar e evoluir

de quatro não terás bando, 

não será o alvo,

não terá lugar definido, 

nem buraco fixo, 

dê quatro estarás sempre em movimento,

não se agarrará nos mesmos galhos, 

das mesmas árvores 

por muito tempo…


Caçar sozinha, mas nunca desencontrada! 

Andar sozinha, mas misteriosamente acompanhada da sua própria lenda, 

do seu próprio pavor…

Rugir e cuidar com o estrago que podes causar com o descontrole, 

com a magia do seu grave, 

da sua raiva, 

do seu cio, 

da sua simples presença…

Deixe que o rabo balance devagar, 

guiando em círculos e mais círculos, 

que te voltam sempre para dentro de si mesma…

Marque território, 

encante antes que termine o dia, 

se espante! 

Pule para fora do território

A mata é sua

A mata é fora e dentro mulher! 


Desapareça, 

se esconda,

cause burburinhos, 

vire um pouco verdade

vire um pouco lenda

vire um pouco história na boca do medo que sonha em ser coragem


Queria senti-la de novo

Quem sabe um dia…

Era linda

Era forte

Era onça pintada...

Juntas entramos em extinção!

Sempre com a certeza de que nunca morreremos covardes próximo ao buquerão. 


(✍🏽Texto: Eu e a onça por Fernanda de Alcantara)  

girassol

Percebi que gosto de ver teus olhos em cima dos meus

Estou de vez em quando procurando por eles

Me encaram com tanta coragem

Me encaram sem segredos

Mas tudo isso que eu vejo não é sobre mim

É sobre sua própria grandeza 


Tua calma é tão alma flor

E minha risada um espírito cheio de ardor 

Nossos ritmos são um tanto diferentes

Mas antes de ti já me rodeava algo 

Já me preparava e era preparada para algum segredo 

Acredite flor, há axé por toda parte fazendo arte com meus devaneios… 


Está tudo tão dourado agora, 

Me desculpa se eu já me vi tão rápido dentro dos teus olhos, 

Sei que tu ainda nem consegue se ver totalmente dentro dos teus…

Me desculpa flor, se te derrubei no rio

Ainda nem te conhecia 

Estou aprendendo a ser menos eu


Não ser apressada é tão bonito 

Faz pouco tempo que eu aprendi a desacelerar

Faz pouco tempo que eu aprendi a ir mais devagar

Faz pouco tempo que me encontrei de novo,

Que rezei de novo,

Que aprendi a girar e não ficar tonta


Te dei um girassol aquele dia

Era pra ser segredo

Será que foi tão cedo?

Girassol é alegria e esperança 

O que há de mal em se desejar alegria e esperança para novos começos? 

Com calma, caminho

Com alma, te conheço 

Com calma, eu jogo

Com alma, tu se reinicia 

e as vezes você diz que eu só te acabo

mas 

Contigo eu me sinto num começo


Comigo reflito

Quero essa orquestra que tu me apresenta sem perceber

Escutar teu gozo 

Dissolver

Absorver

Como é lindo ter prazer

Como é lindo te conhecer

É uma pena que não vamos muito longe...

Você preferiu interromper

E eu respeito

Percebi que me basta ver teus olhos ainda que não seja em cima dos meus

Aprendi a perder

De vez em quando me lembrarei alegre deles.

32

As vezes eu tenho a impressão de que antes de eu nascer eu fiz um contrato espiritual de que se eu conseguisse chegar viva aos 31, tudo começaria a acontecer da melhor maneira possível. Não sinto saudades alguma do passado, nem das pessoas que passaram, nem das experiências que me transformaram. Eu amo, sinto e quero a todo momento viver o presente. O presente é tudo que tenho, tudo que faço, tudo que me movimenta, tudo que me resta e agradeço. Passei anos presa ao passado ou almejando futuros, perdida numa Matrix absurda que não me fazia enxergar o óbvio, o justo, o imprescindível. Passei anos com medo, com emoções desgovernadas, com dores exageradas. Olhando para trás percebo alguma coisa especial ao meu redor, uma proteção, ainda que eu tenha sido um pouco turbulenta, ainda que eu tenha ficado um pouco maluca, ainda que eu fosse uma topeira cega diversas vezes entre meus lapsos de poesia, ceticismo, pessimismo e sabedoria interna. Percebo um destino, uma jornada, uma séria de escolhas certas até nas erradas. Minha missão é a coisa mais linda do mundo ainda que eu ainda não saiba dizer em palavras qual é de fato.
Eu não ando tendo tempo de escrever no mundo virtual, de compartilhar minhas conquistas, minhas superações, mas também não gosto da ideia de aparecer por aqui apenas para contar decepções e frustrações. O fato é que assim como Exu, estou em movimento na vida real, e voltei a escrever em diários de papel. Eu passei no mestrado em literatura também. Nunca me imaginei fazendo mestrado.  Eu lancei um livro de poesias. E voltei a escrever desesperadamente em papéis. Ando fazendo muitas coisas que gostava de fazer quando era criança. Até na capoeira de angola eu comecei a ir e a aprender. Fiz novos amigos. Ando fazendo muitos novos amigos, encontrando pessoas que pensam parecido comigo, pessoas com as mesmas bandeiras. Lembro de quando eu pedia para o universo que colocassem pessoas assim perto de mim. Me dá mais entusiasmo de viver. É horrível se sentir um peixe fora d'água. Eu estou levemente empolgada, e também quero criar um projeto musical, um tributo para quatorze mulheres mortas. Sempre gostei dos mortos, e de luta, e não sei porque raios eu nunca ia de fato atrás disso. Fui uma única vez ao karatê e amei, por razões que desconheço me tiraram da aula e eu não sabia dizer que queria ficar, que gostava demais de lutar. Era uma criança que sentia muito e expressava pouco. Foi parecido com o episódio de quando minha mãe tentou me mudar de escola e me levou para passear em uma que parecia um castelo de bruxaria, eu vibrava por dentro e não consegui dizer que queria muito ficar lá. Por que raios eu não sabia falar o que eu queria e o que eu gostava? Por que raios eu não sabia gritar o que me deixava viva e alegre? Hoje tudo posso na coragem e no berro que agora ocupa minha garganta que nunca mais adoeceu. Tive tosse de cachorro mês passado, mas acho que foi culpa do clima tocantinense que sempre muda bruscamente de maio para junho. Junho para mim é o melhor mês. Será que esse ano eu vou ver o rio Araguaia em Julho? Acho que não. Amo demais esse rio, mas acho que esse ano não. Vou escrever um romance adolescente envolvendo ele. Vai ser um sucesso, já posso ver a capa na minha mente. 
As vezes eu tenho a impressão de que se abriu um portal para mim desde o começo do ano. Um portal do desconhecido, um portal do qual eu sonhei a vida toda encontrar, um estarte que mudaria tudo. Ano passado eu achei que seria meu começo e foi por determinados meses, depois tudo desandou de novo. Mas o importante é que agora me encontrei de novo e dessa vez parece que é para todo sempre. Eu me encontrei dentro de mim de maneiras inexplicáveis. Descobri minha mediunidade, lancei meu segundo livro, me sinto mais bonita, mais sagaz, mais eu de verdade. E minhas feridas não doem como antes. Antes era tudo muito confuso, muito assombroso, muito tempestuoso, muito intenso e uma sentença de absurdos e de depressões me consumiam e me reanimavam, me comiam e chupavam meus ossos como se eu nunca mais fosse levantar das catacumbas... agora parece que tomei as rédeas e nunca desço de um cavalo que galopeia e as vezes dispara, galopeia e as vezes anda devagarinho, que galopeia confiante no cabresto que o guia.