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sábado, 25 de fevereiro de 2017

Maria dura no arreio






"...entre as coisas bem vindas que já recebi
eu reconheci minhas cores nela, então eu me vi... 
(Nando Reis)"

Por onde meu sangue corre, ainda não existe mulher mais forte que Maria. Sempre tão segura, heroína da própria história, peça rara que supera os obstáculos da vida. Minha eterna e graças a deus viva, vovó Maria. Mulher que faz toda a diferença, que não abaixa a cabeça, mulher que trabalha incansavelmente, mulher do fim do mundo! E juro que dez lanças afiadas são levantadas no ar, todas as vezes que escuto teu nome. Maria Batista. Cuidado interminável, comida quentinha, observadora de detalhes, firmeza, vontade... muita vontade de fazer as coisas! Minha vó, mulher de verdade! Que viaja até onde quem esteja, para erguer, aconselhar, escutar o choro. Menina que venceu a roça, menina que não deu certo na escola, porque alguém tinha que cuidar de todas as coisas, menina que quase perdeu o braço, menina que perdeu a mãe e prometeu a mesma  ser mãezinha dos irmãos pequenos. Menina má, que foi sentando em cima das dores, que foi dando sentido a todas as coisas, sabores e cores. Matadora dos porcos, fez colheita dos milhos e depois, bem depois, menina moça que não teve sorte no casamento. Vai entender... a vida nunca te quis romântica Maria... nem por isso vovó também aceitou o amor errado que a vida lhe impôs. Mulher de verdade! Que gosta das coisas certas, de construir, Maria não submissa, selvagem se preciso for, Maria voraz! Não foge da luta, de falar as coisas, lá vai ela atrás dos seus direitos! Soldado forte num exército que ainda hoje, depois de décadas atravessadas, talvez não seja capaz de vê-la do tamanho que deveria. Mulher que não tem medo de mudanças, que as entende rápido, se adapta à elas, supera-as, senta de novo em cima das dores, muda de cidade, entra no mercado, constrói e reconstrói... 
Casas, parentes, calçadas... Minha vó Maria, com muito orgulho! Dura no arreio, não teve muito tempo para rezas, não teve muito tempo para crochês, mulher que realiza. E há ainda quem se lembre que Dona Maria é semianalfabeta, tão esperta! Lá vai ela deixando tudo limpo, varrendo a tristeza, dirigindo o carro, mexendo no próprio celular, aprendendo novas receitas pela internet, negociando preços nas feiras, abrindo a sombrinha para encarar mais um dia, depois de curtir minha foto no facebook.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

sem saber que eu era semente


As coisas vão se encaixando de uma maneira que eu pareço natureza. 
E natureza eu caminho, natureza eu falo, natureza eu não choro mais na chuva. 
Eu fiquei maluca e agora que seco, brotam flores dos meus dois lados.
Acordo com flores por todo meu colchão. 
No chão do banheiro elas desabrocham, 
no vaso eu despejo pétalas e mais pétalas, 
e quando tomo banho fico verde... eu fiquei maluca, 
qualquer um podia ver. 
Saí, voltei, nada funcionava. 
Havia ervas daninhas, muitas ervas daninhas que pela paixão do verão e o barulho daquela outra chuva que veio com a tempestade que parecia que nunca ia acabar, não pude ver. 
Não vi, meu deus. 
Não vi tudo que estava óbvio, tudo que foi arrancado de mim. Mexeram comigo! 
Quebraram meus galhos na calada, 
roubaram meus frutos, 
subiram em cima de mim, 
me desfolhearam...se é que essa palavra existe. 
Parecia até que o fogo havia me cercado com um cheiro de queimado que estuprava minha respiração. 
Uma chateação ocupou meus dias, 
meu peito virou caminhão carregado de areia 
e um silêncio em cima do muro se apossou dos meus lábios. 
Era uma tristeza que assolava meus dias, 
uma tristeza que acabou com as minhas noites, 
um desespero que me fez procurar 
arte, 
livros, 
o medo das pessoas. 
O fogo me cercou e quase destruiu meu barulho, 
meu imenso e bonito barulho de chuva. 
Eu precisava estar viva! 
Me recompor, 
Me construir, 
havia alguma esperança? 
Que terra piso com meus pés, 
quem é que podia me ajudar? 
Teria eu que me conhecer novamente? 
Me conhecer toda novamente... 
Seria preciso me enterrar, e me enterrando fui... 
o mais fundo e mais fundo...
fui me enterrando profundamente como um botão sem rosas 
e sem saber que era semente, semente fértil. 
Tudo cresce
Cresce, empurra a terra, cresce
Agora tudo floreia, 
e desabrocha, 
há esperança, 
eu tinha raízes,
raízes fortes e profundas
E do lado de fora, 
depois do muro eu também não tenho mais medo do vento, 
saio para passear voando com ele! 
Dou cambalhotas com ele, 
entro e saio pelas janelas e não passamos mais por debaixo e pelas frestas das portas...
Agora eu sou forte
Agora eu sou natureza 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O pé de manga que era o centro da casa.







🍃O jardim daqui de casa esconde histórias, uma delas é a do pé de manga que era o centro da casa. Anos atrás, ele ocupava um grande espaço. Eu menina, já sabia que era ele o dono da casa. Quando eu acordava ia para perto, e conversávamos muito sem abrir a boca. Seu formato por vezes me deixou confusa se ele vigiava ou aterrorizava a casa ao mesmo tempo. A noite eu sabia que fantasmas que não gostavam de crianças, faziam grandes jantares lá dentro dele. Mas nunca perguntei, apenas evitava olhar. Tinha dias que ele estava calmo, balançando suas folhas como se estivesse me dando bom dia, perguntando como foi na escola, se eu não tinha coragem de pegar uma escada e subir para conversarmos mais perto do céu. Mas eu não tinha força para carregar a escada...Outros dias, tão calado e introspectivo, ele se fechava e queria ser apenas a árvore que os outros achavam que ele fosse. Eu perguntava qual era seu nome quase sempre no final das nossas conversas, mas ele só sorria e mudava de assunto balançando as folhas. Certa vez, uma grande chuva lhe arrancou um pedaço. Foi um barulho grande! Pensei até em terremoto. Escutava meus pais discutindo. E se tivesse caído em cima da casa? Depois, ele também começou a ultrapassar o muro do vizinho, senti que ele queria crescer, mas também não queria sair dali. E estava tão confuso, que até deu manga verde, depois de anos sendo estéril. Decidi fazer mais companhia para ele, acho que estava ficando louco. Comecei a desenhar quase todos os dias embaixo da sua sombra, numa mesinha. Ele gostava de ver meus desenhos, mas criticava o fato de eu não desenhar grandes árvores. "Só pessoas, suas casas e mais um bando de pessoas calçadas em bons sapatos", dizia. Um dia cheguei em casa e ele não estava mais lá, eu segurava um desenho de uma grande árvore. O sol tomava de conta de todo o espaço, era luz mas não trazia esperança. Subi em cima do toco de raízes que ainda ficou, rasguei o papel e pensei "Só pessoas, suas casas e mais um bando de pessoas calçadas em bons sapatos, nunca mais árvores". O jardim daqui de casa esconde histórias, uma delas a do pé de manga que era o centro da casa.🍃

(Parte II) Mini conto✒ e foto📷de Fernanda de Alcantara

porta de não abrir

ainda tem batidão no meu coração, ainda tem sonho, ainda tem plano, ainda tem contagem regressiva, isso não pode ser amor, mas eu ainda preciso de você. pensar você, imaginar você, me torturar. a memória guarda olhares misteriosos, a alma guarda os flashes, o inconsciente retoma temas, cenas, vontades que nunca puderam acontecer, esclarecendo o que era fantasia e realidade. o que é que fazia parte da realidade que não era minha e nem a tua? estávamos juntos e não estávamos ao mesmo tempo. quando você entrou por aquela sala pela primeira vez, foi do meu lado que você sentou. mas da ultima vez, ficou esquisito, frio, introspectivo, quis morrer. por que não te ajudei a procurar aquele pen drive? você não me disse nada na festa, me fez invisível... eu enchi a cara, dessa vez eu não estava mais feliz, no seu aniversário na boate, eu estava. eu estava de verdade. e queria você, falar seu nome, olhar nos seus olhos, beijar seu pescoço... dessa vez é o seu tempo, inerte... meu coração não poderia desrespeitar sua históra, vida, traumas e trato. é você. é seu tempo, sua história mal acabada acabando, meu peito sinistro aguardando, escorrendo, tremendo...quem sabe um dia. por um segundo cheguei a pensar que eu fosse louca, que tinha criado tudo, só não confirmei porque enquanto eu via o vídeo na parede, enquanto eu te via ali na parede, eu sabia que tudo que tinha acontecido nesses meses não era de mentira, você realmente me dá alegria. uma alegria tão bela e selvagem que há tanto tempo não reconheço minhas cores, que há tanto tempo eu não encaixava nos meus planos. e então, você veio aparecendo do meu lado, você queria ser visto, não era ? tudo parou, parou de verdade. a música, as pessoas, fui capaz de ver apenas você e o vídeo e uma linha de sofrimento da qual eu não poderia evitar, eu não podia te cumprimentar. me desculpa mas eu não podia, eu era a visita agora e você pelo visto também não queria. mas como me coçei, como me coçei pra dizer algo, pra me controlar, pra não gritar no meio da sua cara, bagunçar suas regras. eu vou te pegar. esse dia vai chegar. eu não sei como, mas estaremos bem melhores e quem sabe no mesmo tempo. eu sei. Onde você está?! Como é teu beijo? Como é teu sexo? Não foi assim que você se comportou comigo naquela época. talvez, talvez eu também tivesse muito medo, agora também sou capaz de perceber. haviam muitas pistas e iscas das quais eu também corri.Você sumiu ali, é por que ela estava ali? E eu sai dali, e nós saímos e fechamos um ciclo que nunca se completou. nunca mais... mas agora, justo agora você resolveu espiar... não vou dizer que eu não ligo, mas não posso e quero ver nossos filhos, não posso e quero ver nossos netos, não posso e queria te ver de verdade.