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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

atirar uma flor

Pra provar que eu não era mais a mesma eu dirigi até a farmácia. Era um domingo ensolarado mas ao mesmo tempo bastante sombrio, pois não tinha ninguém na rua. 
Por um minuto pensei que o sábado talvez tivesse sido bom pra todos, depois que o sinal mudou de cor, mudei de ideia, talvez pudesse ter sido ruim e a cidade inteira estava morta... e vai saber se só eu ainda que não sabia. 
Ai eu desci do carro, foi difícil encontrar uma farmácia aberta. O engraçado é que eu não procurava por remédio. Era apenas crédito para telefonar, na verdade pra mandar mensagem, admito que sou viciada nesses textinhos curtos que me aparecem como cartinhas rápidas na tela.
Voltei para o carro, a chave estava nele, sorte minha que a cidade estava morta. Que desatenta! Eu seria capaz de perder um carro tão fácil assim? E ai uma cartinha chegou quando o sinal ficou verde. Você de novo?
"Do nada me vi pensando nas coisas que você me disse e eu queria que você me falasse o motivo." Santa paciência, essa menina é insistente, da onde veio essa fé fervorosa da qual eu teria tantos motivos pra odiá-la como ela pensa? Achei alguém com mais mania de perseguição que eu, achei talvez a conta pra pagar meus pecados. 
E escrevi: "Boa tarde, acho que sua mensagem chegou atrasada. Nos deixamos os pratos limpos no sábado, esqueceu? Não há nada demais, de verdade."
E respondeu: "Sim, é que eu coloquei créditos agora, e queria ter mandado isso ontem.". 
Coincidência. Alguém estava vivo na cidade, onde será que ela conseguiu colocar crédito? 
"O que está fazendo?", perguntei sem saber porque perguntava. 
"Estudando. E tu?", (ela disse e tu? Também vou assustá-la.) 
"Vou passar na sua casa."
"Pra que?! Tu disse que não se sente bem comigo, você é uma icógnita Nanda."
Isso, eu sou uma icógnita. Esse Nanda realmente me transforma e desajeita.
"Eu só vou se tu quiser, decide ai." (passo a responsabilidade do livre arbítrio)
"Pode vim. Se tu quiser." (Dúbio, ela adora icógnitas, eu lembro. Ela também sabe ser uma.) Vou. 
"Vai ser bom, podemos conversar.", não respondo porque estou indo. 
"Tu vem?", chego.
"To na porta." ela não responde, demora a abrir a porta.
Nos vemos, percebo que tentou ficar séria, mas perdeu a cara feia num segundo, é tempo de abraçar. Sorrimos, na intenção de percebermos que não há nada de errado de verdade. Então me/te ensino, que não cabe mais orgulho em mim, que não há nada de errado com ninguém ali, e como não consigo ficar sem atirar nada, atiro uma flor, em vez da comum pedra. 
É ai, que os escorpiões cospidos na sexta,  passam a virar arroto no sábado, e não passam de um fedor no domingo que vai sumindo a medida que nos permitimos nos conhecer de novo. Aprendo, se for pra guardar alguma coisa, que seja algo que me transforme numa pessoa melhor. 
E lá estava nos duas, cheias de assunto pra retomar, perdidas nas voltas que o mundo deu, curiosas com as mudanças de hábito e jeito de contar, opinar, olhar. 
E o orgulho ali, nos observando, sem acreditar que dessa vez nos decidimos usá-lo de maneira diferente, decidimos nos orgulhar por estarmos sendo verdadeiramente amigas outra vez.


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

cospir um escorpião com você.

Era meio dia, tinha um monte de coisas pra fazer, e a hora estava passando rápido demais. Foi quando recebi uma mensagem de um número estranho: 
Oi Nanda. Como vai? Será que um dia você poderia me dizer todas as coisas que eu te fiz que te deixou tão magoada comigo?
Fiquei pensando quem em plena quinta-feira, ao meio dia, se importaria tanto com minhas mágoas que não eu mesma. Dei um sorriso sem acreditar, e li de novo pra reforçar. Fiquei pensando em quem poderia ser, mas depois me perguntei se eu tinha mágoa, então tive dúvidas se não era engano. Mas ai  eu lembrei! Lembrei que realmente alguém gostava de me chamar de Nanda. E que sempre fazia questão de tirar o Fer. E soava tão íntimo, tão amigável, tão curto, tão...único...que eu acho que só você (tirando os membros da minha família) me chamava de Nanda me fazendo me sentir tão importante. Acho que eu adoro isso, e nem sabia, acho que toda vez que você cita meu nome eu me transformo em uma Nanda que nem eu sei quem é. Acho que fico até menos cruel, menos forte, menos mulher, acho que depois de um minuto minha memória te trouxe, e eu acertei quem podia ser. Mesmo assim, podia não ser você, faz tanto tempo, passou tanto tempo, mas e se fosse?
Quem é?
Ai eu torci. Torci pra você não responder rápido, pra eu ir pensando em inventar alguma mágoa, inventar alguma raiva, inventar algum desleixo, já que agora estava se importando. Mas eu não sinto mais nada  disso por você, eu pensei que você nem existia mais. Acho que a última vez que insiti  na nossa amizade foi  aquela última triste vez que viajou sem se despedir de mim com a desculpa de que odiava despedidas. Eu chorei tanto aquele dia, você sempre foi surpreendente, ne? 
Nunca mais tive tantas crises de riso como as que tive contigo, e eu também...enfim, 
Oi, estou bem. Bom levei um susto agora, não lembro muito bem os detalhes mas acho que fiquei chateada pela falta de atenção repetidas vezes, dai cai na real e parei de insistir. Mas  o que aconteceu? Você ta bem?
E começamos com um jogo cínico de perguntas e respostas discutindo a tal da mágoa, que eu nem sabia qual era ainda, mas você tinha certeza que ela era minha. Tinha me esquecido como você sabe lidar comigo, como não cai no meu jogo de palavras e persuasão, como é difícil te manipular, como você me faz sempre pensar duas vezes antes de responder, como eu prefiro ser rápida pra te responder, como a gente joga e se provoca em mensagens enormes que mais parece uma dissertação. E você, pareceu estar solitária, mas bem mais inteligente, e eu não vou mentir que menti quando disse que não te conhecia mais e estava bom assim.  Porque eu fiquei curiosa, eu não tenho raiva de você, não sinto mais tanta saudade também, porém não vou mentir que eu adoro ver que você tem os mesmos defeitos que eu, que você é quase igualzinha a mim, que você, como eu, também gosta de cospir  um escorpião, depois de comer um sapo, muito bem cospido. 
Então, se essas coisas não te atingem mais...posso pedir desculpa e seguir minha vida e bola pra frente?
Pode. Vou fazer meu relatório, talvez tenha sido desnecessário, enfim...boa noite.
Confesso que fiquei curiosa sobre quem você podia ser agora, quase perguntei relatório de quê, mas ai achei que era bobagem. Pensei que seu dia de parecer calejada nunca chegaria. 
Olha, você parece que está mais interessante, mais inteligente, mais forte, menos vítima, mas pode ser impressão minha...talvez o que me chamou atenção mesmo foi essa capacidade espontânea que tinha quando te conheci, mas que você havia perdido durante todos os outros anos...e que sutilmente voltou ao meio dia desta quinta feira: Me enfrentar.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Armadura quando cai.

Andava feito um cavalheiro medieval. Podia escutar todos os ferros se movimentarem junto com seu corpo. E suportava todo o peso da armadura ao se levantar, porque nunca soube como era estar sem ela. E tinha medo do desconhecido. Tinha medo das feridas.
Estava protegido vestido daquele jeito, estava imune. Um dia alguém lhe ofereceu a ideia de se livrar aos poucos de cada peça,
Não lembro qual proposta lhe fez,
mas lembro que não concordou,
e mesmo assim foi retirando ferro por ferro, sem perceber.
Estava com medo, alegre, com medo, leve, com medo, infestado pela liberdade...
mas talvez, deveria ter deixado o capacete por mais alguns minutos, porque um dia quase perdeu a cabeça.
Quando a armadura caiu toda no chão, foi aquele barulhão!
E não demorou muito pra se arranhar pela primeira vez.
Doeu.
Pinicou.
Ardeu.
Queimou.
Esfriou.
Derramou.
Sangrou...até que cicatrizou.
Armadura quando cai, não pesa mais.
Fez o seu melhor, crescemos e então...
não serve mais.
A não ser como uma recordação enferrujada, de pura lata velha.

(Inspirada numa música do grupo Sol Maior)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

mil corações

Bate feito um relógio sem tempo, 
uma bomba sem tempo, 
uma mão no tambor, 
no pandeiro, 
no ritmo de uma vida que ainda está cheia de corda pra ser feliz.
Dispara por lembranças que pertecem mais ao corpo, do que a alma. 
Bate 
em batidas que não são mais em ritmo de tiros. 
E sim como passos,  de alguém que chega discretamente num velório, lembrando do morto. 
Dispara diferenciando saudade de vício.
Porque uma coisa é lembrar e sentir, outra coisa melhor ainda é sentir primeiro, lembrar só depois e aí sim...in-sis-tir.
Bate tão forte,
tão grande,
tão forte,
tão grande!
Que entrega o próprio corpo, a essência que domina, e descontrola todo o organismo, numa falsa garantia.
Dispara, tipo matando o que me matava.
Bate assim, 
sossegado 
e ansioso
por uma nova flor, 
pelo primeiro beijo, 
por  alguém que valha a pena chamar de meu amor.
Dispara ao final da tarde, quando o sol resolve que já deu, esperando alguma coisa da noite. 
Bate sem jeito,
por um recomeço,
num ritmo harmonioso 
de chegada e esperança. 
Dispara feito uma partida, pra sofrer no que já sabia.
Bate ansioso 
por um novo sorriso, 
pelo primeiro longo abraço apertado, 
por alguém que valha a pena  chamar de meu bem.
Dispara em cada casal que se beija na minha frente, em cada flor que é arrancada pra ser dada por amor, em cada minhoca entregue no bico de um passarinho para um filhote que não sabe voar. 
Bate
três vezes calmo,
...porque passou.

Um estranho na vidraça

Terça-feria  amanhece, a casa está pronta e arrumada como sempre, entretanto, ao dar bom dia ao dia, percebe que a entrada da casa está com o jardim mais florido, a grama mais verde, e abelhas e borboletas passeiam pelas flores da entrada da casa, como se fossem as mais importantes da rua. 
Dessa vez, mesmo  que tudo esteja acontecendo como sempre, há um sentimento bonito e desconhecido na calçada. Arregala os olhos, se não confia espera que ele aperte a capainha. Pergunta quem é, e fica conversando com  a porta fechada de empecilho, até se sentir mais a vontade e abrir a porta um pouquinho. 
Um pouquinho porque não quer que o sentimento estranho veja a casa por dentro, e conversando mais de pertinho, ainda que meio se escondendo junto ao fundo da casa,  vai bem devagarzinho ganhando confiança, e vendo o que aquele sentimento pode contar e oferecer.
Mesmo assim, não confia por inteiro, então pede que volte outro dia, e o engraçado é que não espera por isso. 
Mas se amanhece e ele volta, percebe que tudo na casa já está em desordem. O fato dele ter aparecido já mudou a forma de como o dia amanhece, já mudou o jeito que acorda, já mudou as expectativas do que vai ver na calçada. Deixar acontecer um comparecimento por minutinhos, já faz pensar naquilo nos dias que amanhecerem normais. 
Então, se tudo já está em desordem, não tem jeito... de qualquer forma, alguma coisa já foi mudada, temos que aproveitar pra abrir a porta, e ver o que é que aquele sentimento bonito vai nos permitir sentir. E abrimos, mesmo que com um pouquinho de medo. 
Apresentamos a casa, os cômodos, oferecemos um chá, mostramos o que estamos lendo, perguntamos se prefere conversar lá fora ou lá dentro, se quer se sentar na cadeira ou deitar no tapete, o que acha das fotos, porque está sorrindo, e nos despedimos pensando em tudo aquilo com um sorriso curioso e confuso, deveria ter feito algo a mais? 
Com o tempo, o sentimento bonito vem nos visitar todos os dias. A companhia passa a ser agradável, e já nem tememos e nem pensamos pessimistas pelo amanhã.
O tempo passa, e bem perto da janela, depois que já estamos acostumados com o sentimento bonito, percebemos que alguém observa.
Fica um silêncio, fica a curiosidade. Mas, não sei porque motivo, não contamos ao sentimento bonito, e esperamos a hora dele ir no banheiro, para nos aproximarmos da janela e damos uma olhada mais de perto naquela coisa estranha. 
-Quem é você?
-Eu sou um pouco de você. Por que não me deixa entrar para nos conhecermos melhor?
Não deixamos porque logo de cara vemos como ele é feio, aparentemente perigoso, fedorento, infantil, manipulador e como suas falas soam cheias de artimanhas e  de gênio sabotador.
O estranho era um sentimento feio, e disse:
-Não me olhe desse jeito, como se eu não fizesse parte de você.
-Como? Você não faz parte de mim, eu nem te conheço!
-Por que você tem medo de mim? 
-Medo? 
-Sim, medo. Estamos conversando através dessa vidraça, e você me olha como se eu fosse um estranho.
-O que está fazendo ai? Me observa pra que? Quer entrar pra quê?
-Não precisa ter medo de mim, eu faço parte de você. Minha aparência é assim porque nem todo mundo sabe lidar comigo, estou assim porque você tentou lidar comigo.
-Não posso...
-Podemos nos conhecer se me deixar entrar como deixou esse outro aí. Não é porque sou feio que deve temer. Pensei que fosse uma pessoa que não julgasse pela aparência...
-Não julgo, mas não consigo confiar em você.
-Só porque sou feio?
-Não, é porque tenho medo de não saber lidar com dois sentimentos diferentes ao mesmo tempo.
O que não sabemos, é que uma vez que damos ouvidos a qualquer sentimento, seja ele feio ou bonito, a sintonia da casa já é outra, e olhar para a janela sempre será suspeito, quando o sentimento bonito for ao banheiro vamos sempre nos perguntar se o outro ainda está lá, espiando pela vidraça nua. E mudam as expectativas, muda a harmonia das visitas que eram agradáveis. 
Deixar acontecer um comparecimento por minutinhos, já faz pensar naquilo nos dias que amanhecerem normais. Então, se tudo já está em desordem, não tem jeito... de qualquer forma, alguma coisa já foi mudada, temos que aproveitar pra...comprar cortinas, talvez?. 
Mas não fazemos isso, porque aquilo não podia ser nosso.
E é assim que o ciúmes não invade nossa casa,  mas entra escondido pelo quintal e espia pela vidraça.
Não é convidado a compartilhar a companhia do sentimento bonito, não é encarado, não é esmiuçado, então fica ali... piorando tudo sem saber se está  cru ou vestido de ameaça.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Meu anjo é de chocolate

Eu tenho um anjo de chocolate aqui na terra. Ele, já me resgatou centenas de vezes, com suas palavras de compreensão ou na simples vontade de querer me entender e salvar a qualquer custo. Sabemos que alguém é um anjo em nossas vidas, quando muitas vezes, percebemos que o nosso desespero também passa a ser desespero dele, quando nossa dor passa a feri-lo sem querer, quando o nosso amor e  nossas alegrias  passam a contagiá-lo desgarradamente.
Sabemos que conquistamos uma bela companhia quando a mesma usa de argumentos racionais pra te convencer de algo que esteja cismada. Um anjo sabe que naquela hora você não vai conseguir- e nem querer- escutar outra coisa. E me é até cômico  como de certa forma, eu e o anjo não nos damos conta desse jogo de persuasão e manipulação naquela hora, exatamente. Outras vezes, temos o prazer de dizer  que tivemos sorte em encontrar uma das companhias mais raras desse mundo, que é a companhia sábia.  Sabe? Um anjo diferentemente das outras pessoas, te enfrenta vez ou outra, e as vezes, quando você passa do limite, ele não cede apenas ao que você quer ouvir, e argumenta com um cunho mais emocional mesmo, esperando apenas que um dia você entenda. E mesmo que você negue e diga que ele não entende, quase sempre, o famoso dia chega, e lá vai você dizer "Era isso que ele tentava me dizer e eu não sentia."
Temos um anjo quando passamos por diversas situações, sendo a maioria delas divertidas com um fundinho de tristeza. Temos um anjo quando não conseguimos medir o tamanho da consideração que sentimos em tê-lo, e achar que tudo que se faz por ele é pouco, e sempre vai ficar devendo algo em troca.
Meu anjo tem um abraço que me faz desabar em choro ou em sorrisos, isto porque quase sempre nos esquecemos de dar um abraço simples, dai quando acontece, já estamos por um fio das últimas das alegrias e tristezas. 
Sabe, no começo você até desconfia da companhia do anjo, porque você não acredita que seja tão especial pra ter um ali, de graça e pronto apenas pra ser seu verdadeiro amigo.  Mas como eu disse, ele é um anjo, sabe lidar com você, e as vezes você vai sentir até raiva disso, porque ele vai respeitar seu espaço, e sair de sabichão no final, e vai saber respeitar suas confusões,  sem nenhuma agressão, e admirar suas opniões e  companhia, muitas das vezes sem te julgar ou despedaçar, e é ai que você se sente um pouco ingrata  quando para pra pensar em tudo, e as vezes se sente até meio imatura. Mas depois percebe que tem uma sorte danada, porque por mais tola que seja ou se sinta, o anjo te ama, e o amor sempre vai ser algo que não se pode expressar em quatro linhas, é revolucionário e ponto.

p.s: Para Gisele Meneses, a quem amo e "devo" tanto.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A melhor espiã da cidade

Doze de outubro era uma data que me tirava da cama cedo. Era feriado, um dia antes eu já teria contado em cima da minha bicicleta, pra rua inteira, que no dia seguinte seria o dia mais feliz da vida porque não haveria aula! Porque eu provavelmente iria passear pela cidade percebendo as lojas de brinquedos lotadas de gente, e haveria de fazer alguma coisa boa, comer muita coisa boa, e sorrir de muita coisa boa. 
Eu também, provavelmente já teria recebido um telefonema do Anderson, meu querido primo, combinaríamos algum horário pra salvar o mundo do mal, e provavelmente teríamos alguma ideia nova na cabeça pra nossa empresa de espionagem. É que tinhamos uma, apesar de bem jovens. E particulamente, administrávamos bem...treinávamos memória, passos de karatê, e alguns jogos que ele tinha.
Fico pensando como é que naquela época eu sabia exatamente do que gostava, quem eu era (a melhor espiã da cidade) e ainda trabalhava num lugar que eu gostava com uma pessoa querida. Como é bom ter sido criança!

(Doze de outubro amanhece agora como qualquer dia normal, eu provavelmente vou mandar um sms para os amigos (as) dizendo "feliz dia das criONÇAS", adoro esses trocadilhos mal trapilhos...depois,  ficar na frente do computador, esperando o dia acabar.)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Uma carta de amor para o destinatário certo

Entre todas as linhas secretas, do amor que eu nunca dei por completo,  não quero perder a enorme vontade de escrever cartas de amor.
Declaração... essa vontade enorme será escondida na última porta de meu coração, pra que eu não perca a capacidade de transcrever os mais belos sintomas de harmonia  com meus sentimentos, por qualquer razão. 
Alguém há de merecer meus votos escritos de ardor, e  leremos juntos em pequiniques românticos, debaixo de árvores, renovando promessas e costurando sonhos, sem  nenhum medo do amanhã, porque estaremos juntos. 
Não quero que a idade venha permitindo sentir vergonha e tormento na hora de enviar. Ridiculo seria esconder meus sentimentos, brincar com eles num jogo ou negá-los pensando num doer mais pouco
Independentes e livres, as cartas serão escritas sem busca de respostas,  sem busca de acordos.  
Serão papéis de puro sentimento, para serem entregues, e isso quer dizer muito além do literalmente. 
E num desejo, peço que elas fiquem muito mais bonitas com o tempo, provando que o que está escrito ninguém terá o direito de mexer, e que a mágica continue a mesma, isto é,  transformando para sempre,  todo e qualquer instante do destinatário, único e capaz de parar o tempo, num simples desdobrar de papéis. 
Que o medo de ser ridicula e infantil não invada minha ética, mesmo que eu já esteja calejada, que eu já não tenha cheiro de menina, ou que já tenha recebido cartas de má respostas, cartas que cobram, cartas de mentirinha, e até cartas devolvidas.
Um dia, quem sabe na hora errada, eu ainda hei de escrever uma carta de amor para o destinatário certo.  E quando esse dia chegar, todas as cartas errantes haverão de ainda ter meus sentimentos, mas  agora sutilmente, nos mais sinceros sentimentos do papel de viúva. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

olhou para os pés

era um jardim de flores coloridas; não sabia disso exatamente; não sabia porque olhava pra baixo; para os  pés; estavam aparentemente delicados e irritados; era visível a aparência da grama seca e amarela queimada em que pisava; estava descalça, por dois meros segundos teve dúvidas se também não estava nua; mas concentrada nos pés, mexeu os dedões; parecia fazer parte de uma auto afirmação; aqueles pés eram realmente seus? Então deu um passo; sentiu a cabeça erguendo-se; olhava pra frente; e viu que estava mesmo num jardim de flores coloridas; respirou aliviada; aliviada pelo fato de que olhar para os pés  não havia descartado a hipótese do começo; sabia exatamente onde estava; Sentiu um delicioso odor; imaginou ser alguma fruta doce; mas não reconhecia qual; havia árvores frutíferas? De repente um punhado de borboletas brancas passaram por seus braços; e ao ver os braços também deu pra ver que não estava nua;  naquele instante que olhou de onde elas vinham para onde iam... já era noite; e elas se destacavam no escuro como se as asas fossem compostas de luzes de néon;  algo dizia que aquilo era sagrado; um ritual, uma festa, alguma chegada; Elas rodopiavam; por um instante escutou algumas gargalharem fininho; perdeu-se nas voltas  que davam; uma pousa na ponta do nariz; sentiu um pouco de medo; sentiu quando também percebeu que respirava; e quando as asas bateram uma única vez; pôde se ver de frente para aquela cena, sem  estar fora dela; e de como a borboleta comportava-se feito uma máscara naquele rosto que podia ser dela;  as asas bateram...era dia; a cabeça abaixou para os pés outra vez; viu duas minhocoçus  rapidamente habilidosas;  passaram de uma toca para a outra; afastou os pés; coçou os ouvidos; um zumbido de abelha passou muito perto; coçou e reconheceu as mãos; eram suas de fato; a intromissão dos pequenos bichos incomodou; De repente pensou se não estaria invadindo o jardim;  e como foi parar ali; e onde estaria as portas daquele jardim; acanhou-se; olhou para os pés; deu alguns passos; olhou para frente; olhou para trás;  angustiou-se; era tudo muito lindo e sossegado, mas não é que estava presa naquela paisagem?

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

minutos desvairados

Flor,

se acordares desanimada, vista-se com o que te deixe aparentemente bem atraente, meu guarda roupa fica no quarto ao lado. Te falo isso pra que sua beleza não seja julgada, nem os ânimos prejudicados pela prepotência de sua alma. Se dormires de novo aos prantos,  desligue a luz  em silêncio e pense em acordar descansada...tenha consciência! Se comer demais desses biscoitos do pote de mágoas, sua barriga vai doer pra sempre.  E ao escovar os dentes passe o fio dental com menos força, pra não sentir o gosto de sangue na boca. Eu vi no lixeiro... os fios ensanguentados. As chaves estão do lado de fora da casa, dentro do vaso das flores que só se abrem as onze horas. Tem cigarro na terceira gaveta, lápis e papel na segunda, mas não tem apontador, então pegue a caneta na prateleira da cozinha. E devolva para o mesmo lugar, porque é a única caneta que ainda não me foi roubada e eu preciso dela quase sempre quando estou em casa. Ah! Deixei sua blusa na costureira ao lado, havia um pequeno buraco por cima do botão xadrez, que eu acho que deveria ser remendado...mesmo sendo tão velha, me parece um tanto confortável.  Dê comida aos peixes, e repare se o amarelo não anda comendo a bolinha -comida- do azul, estou desconfiada de que estão prestes a morrer, um de gula o outro de fome, sabia que deveria ter comprado arquários separados. Tranque a casa flor,  e pare de se sentir culpada por estar infeliz algumas vezes sem ter acontecido nada, as vezes a gente não tem culpa  desses minutos desvairados de entrega e  fraquejo, pense pelo lado positivo, muitas vezes são esses momentos que mais servem de inspiração. Ao sair de casa pare de se lamentar por um instante e dê uma olhada na calçada, a vira lata da vizinha costuma carregar lixo para meu portão não sei porquê, como eu ia dizendo, pare de se lamentar e lembre-se ao sair de casa que a maior certeza da vida sempre será a inconstante indagação...e se aproveite de você mesma mulher! Que seu drama é caro e raro e é preciso descontá-lo em algo produtivo, frutífero, amoroso, e com menos colheres de sal, como aquele bife acebolado que fritou pra mim quinta passada, enfim...com menos colheres de sal pra não arder os olhos quando fechar a boca pra sentir o gosto.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

16 anos

Saudade daquele tempo...que as ondas do mar me traziam sonhos ingenuos, que as viagens renovavam os dias de uma vez, que as lembranças eram simplesmente urgentes!