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terça-feira, 22 de março de 2011

Louca por tomate

Desde o dia que se achou uma bobagem em carne e osso, parou de escrever. Achou quem sabe que as minúncias vindas da respiração, provindas da inspiração, só saiam pelas canetas gerando filhinhos e filhinhas abobados. Numa sucessão de escritos tolos, numa sucessão de mentiras picaretas, numa sucessão de verdades vagas, numa sucessão de indecisões tapadas, parou de escrever. E do dinheiro que guardava, nunca mais se tentou em entrar numa papelaria, se segurou para não comprar o primeiro caderno bonito, em branco, livre, e pronto para ser preenchido, com suas bobagens imbecis e esquizôfrenicas. 
Como o tomate deixa de ser inteiro num vinagrete, a cabeça pois-se a crescer, crescer e crescer, de tanta bobagem. As mãos orientadas pela certeza da cabeça, de que era tudo pura bobagem, não conseguiu seduzir nenhuma caneta preta, nenhuma caneta azul, nenhuma caneta vermelha. E sem as mãos com uma caneta, não cortava aquelas bobagens em picadinho, como o vinagrete é e o tomate inteiro não. E a cabeça  a crescer, crescer e crescer. 
Desde o dia então, que teve certeza que fosse bobagem em carne e osso, começou a sonhar. o que não queria. Era mais fácil controlar as bobagens nos papéis, era mais fácil controlar o que pensava, desejava, frustrava e queria, num mero papel. 
Seu fim, ou do tomate que lhe dera cobertura na história, era simplesmente: frito. As bobagens precisavam sair por algum lugar, e como não encontraram um meio, caminharam até chegar nos jardins das ilusões, o qual fazia parte da calçada que levava a porta do incosciente. E se ele abriu as portas para as bobagens, e se elas bateram na porta, e se eles simplesmente conseguiram se encontrar cara a cara...não há mais controle.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Missão corporal

Coração,

Preciso conversar com você, sei que não é cabeça para estar aberto, sei que é sensível e muitas vezes está com o tempo cheio para cuidar das mágoas, mas queria que não fosse injusto e falasse comigo. O estômago disse, que deixa vários recados contigo, e que não os dá importância, mesmo que alguns possam ser besteira, isto não é nada bom, porque não só ele como a pele, veio reclamar por alto sobre as espinhas, as quais nunca foram comuns neste corpo, e que andam brotando feito botões vermelhos de rosas espinhosas, nas bochechas e costas. A causa disso não pode ser alimentação, se não o estômago teria dito algo.  
A fraqueza das unhas também é outra infelicidade, andam fáceis de se quebrar, como se fossem papéis, e reclamam constantemente que quando conseguem se firmar ou endurecer, a boca teima em arrancá-las sem permissão e freneticamente até as deixarem no toco dos dedos.  
Por causa disso fui conversar com a boca, e ela disse que faz sem nem perceber, e que só cumpre ordens maiores, que não a culpassem dessa forma, e injustiçada acabou contando dos dentes que estão com mania de ranger enquanto todo mundo dorme. Aparentemente, os dentes pareciam que nem se davam conta deste comportamento, o que me deixou a suspeita de serem sonâmbulos. Mas a língua  jura de saliva junto que a boca não mente e que nunca contou nada aos dentes porque depende da boca pra falar. que não fala de dia, porque segundo a garganta, que ouviu a conversa e também resolveu participar, disse que a comida  fica brincando  de voltar e entrar no estômago, em vez de entrar logo e trabalhar.
É Coração, a situação não está nada boa, se você não nos contar o que está acontecendo, a cabeça vai pirar, pois é a que mais arca com as consequências, e dá-lhe dores, remédios, costume com os remédios, e dá-lhe aflições diretas em ti! E nada...
Por quanto tempo vai confudir todo mundo?



Atenciosamente,


O sangue.

quarta-feira, 16 de março de 2011

A culpa é da saliva

Entrou na sala do Dr. Aristissabal, aquela mulher magrela com um pequeno espaço entre a arcária dos dentes da frente. A coitada era mais bonita sem sorrir, isto era triste, mas bonito. Chegou, sentou, e não mudou de posição nenhuma vez sequer, desde o encontro das ancas a poltrona roxa fúnebre que não lhe agradava, e deixou claro logo que chegou.
-Quem escolheu essa cor doutor?
-Cor?
-Sim. Desta poltrona que terei que sentar.
-Bom, nem me lembro mais...está aqui tem um tempo, lhe incomoda?
-Desagradável.
Roía as unhas. Como minha comida revira no estômago, ela roia as unhas. E sua imaginação não evitava lembranças que não lhe perteciam, parecia um poço cheio de moedas e desejos alheios. Os pés balançavam no monólogo inteiro. 
-É como se roer as unhas me desse longo prazo para me destruir vagarosamente.
-Precisa de um prazo?
O doutor não se conteve de ver um corvo num dia frio do quadro da parede, sair voando e pousar em sua cabeça. 
-Então, roe para combinar com a suspeita de que queira se acabar? 
-Mais ou menos isso. Não vai me perguntar se as cuspo ou engulo?
-As unhas?
-Sim doutor, todo mundo pergunta isso!
-Você as engole ou as cospe?
-Cuspo. Algo me incomoda por dentro, não quero conviver com isso, entao cuspo. 
O doutor disse ao corvo mentalmente : "Por que não usa os pulsos de uma vez?" e o corvo saiu voando pra dentro do quadro novamente.
-Rou minhas unhas sem querer, juro!
-Porque algo lhe incomoda intimamente... e... não tem coragem de tranformar teu desconforto numa tragédia, certo?
-Tenho. Mas começando pelos dedos das mãos, não pelos pulsos.
-Tem esperança de que algo acontecerá e não precisará chegar tão longe?
-Talvez...prazos são de alguma forma negociação. 
E resolveu que já iria embora. Apertando-lhe a mão desengoçada por ter acabado de tirá-las da boca. Roía. 
-Talvez seja minha saliva doutor, e não a força dos dentes que as quebre.
E fechou a porta deixando o formato das ancas na poltrona.