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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Uma vez era.

Acordava cedo com medo de perder tempo. Acreditava que devia aproveitar ao máximo cada minuto do sol no dia, isso porque considerava a noite um castigo em sua existência. Ao despertar, de pijamas, subia na janela e corria para a cozinha, achava sensacional não ir pela porta, de alguma maneira trocar caminhos, aventurava suas manhãs. Caminhando pelo corredor descalça, prestava atenção no silêncio do quintal vizinho, depois, pregava um susto na funcionária não desconfiada, e assim enchia a boca de sorriso, enchia a xícara de leite e raspava o chocolate.
Dobrado, o pijama ficava intacto na cama, quase livre, só de calçinha, a dona do próprio nariz caçava o que fazer.
Gostava de descascar mexerica, adorava a facilidade da casca se despir da fruta. Chupava o doce dos gomos, cuspia as sementes em uma competição frenética dela e dela mesma, e jogava o bagaço no corredor apesar de todos dizerem: "Não sabe comer mexerica! O bagaço é bom para o intestino!", imaginava então seu intestino segurando um buquê de rosas a espera de um bagaço de mexerica e sorria sozinha.
No quintal da casa procurava um novo formigueiro. Todos os formigueiros eram abandonados quando ela os visitava. "Eu queria diminuir.", dizia observando o buraquinho de mais um formigueiro conquistado e abandonado por ela, e que também jamais era conhecido por dentro.
Ao encontrar o paradeiro das formigas, dizia "Eu posso ajudar!" e trazia folhas, as quais as formigas nem se quer tocavam. "Bando de idiotas!" e destruía covardemente mais um reino. No fundo, ela só queria participar de alguma coisa.

Possuía muitas manias, logo depois do banho almoçava sempre na ponta e fazia questão de só almoçar se fosse na ponta. "Menina enjoada! Pode sentar aqui então! Quando crescer vai viver de pagar contas de restaurante, sabia?" dizia um intruso. Mas ela gostava da ponta. Na ponta se via todo mundo sem mexer a cabeça, na ponta não precisava estar se ajeitando por estar ao lado de alguém, na ponta ela virava rainha pois as outras pessoas deveriam passar certos pratos e temperos do meio, a ela.
Naquela época, só queria comer se fosse arroz e feijão. O arroz sempre primeiro, o feijão sempre por cima e misturava os dois, reconhecia que era um desperdício a organização inicial por causa da mistura do final, mas era mania, não achava sensacional quebrar manias como achava trocar caminhos. Adorava seu arroz e feijão, os dois sempre juntos. Talvez gostasse mesmo fosse de falar "Arroz e feijão.", era como se os dois se transformassem num caso de amor imediatamente. Em todos os seus almoços, era aquela história de amor pensada e comida. Não gostava de carne porque tinha preguiça de engolir, sentia a mesma sensação dos bagaços de mexerica. Não gostava de frango porque ouvira da irmã, que sairia por aí falando "galinhês". Então, de vez em quando colocava apenas o caldo das carnes, e farinha de puba, porque era durinha e fazia barulhos altíssimos, quando descobriu que ninguém além dela escutava, adorou.
"Só arroz e feijão? Você nunca vai crescer desse jeito, sabia?", lhe diziam sem saber que dessa forma ela comia arroz e feijão com mais gosto ainda.
Um dia trouxeram um tal de purê, amarelo, de uma tal de batatas que misturado com o arroz e feijão era uma delícia. Outro dia, uma tal de carne moída com batatas, por causa da carne quase não comeu, mas como viu que essa era fácil de ser engolida, gostou. Aos poucos, e sem que percebesse a menina abandonava o romantismo no prato.
Por último, vou relatar
dela no escritório. Deitava no chão e apreciava todos aqueles quadrados coloridos enfileirados na estante. Depois de muito respirar admirada e deitada naquele chão frio tinha a ideia de escalar a estante. Subia então, sentindo o cheiro dos livros de perto, encontrando algumas teias sem aranha, e lendo os títulos de cabeça virada em equilíbrio para não cair.
"Um dia essa estante vira, você vai cair daí! Ou ela vai cair em você!", alguém praguejava. Nunca virou. Nunca caiu. Talvez porque a menina prometera aos livros que os leria quando figuras lhe interessassem menos. Foi um trato com a dona estante. Um trato secreto. Nessa condição, escalava sem medo. A tardezinha enchia o tanque, colocava shampoo na boca e soprava bolhas que morriam rápido, imaginava ser uma sereia e de longe, via aquela aura, aquele brilho ao redor daquele pé de manga lá fora, então, se enchia de angústia pois sabia que a sessão medo ia começar. Não gostava da noite, achava a lua triste e as estrelas muito longe uma das outras. A noite não podia correr, não podia ficar descalça, não podia falar mais alto, qualquer barulho era um ladrão, e sobrava ficar quieta, imaginando monstros que só sairiam quando o sol voltasse. "Monstros não existem." alguém lhe lembrava, e por mais que ela quisesse acreditar, no fundo não arriscava.
Teve um dia que decidiu que cantaria quando sentisse medo, mas logo desistiu porque ela queria se esquecer do medo, e cantando sempre se lembrava mais, então, começou a escrever o que sentia. E nunca mais parou.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Quando só o complicado me sacia.

Ando. Emblematicamente pitoresca, volátil, inóspita às vezes (por defesa quem sabe...) , exdrúxula, e...nos pilares da existência... júbilo... Giro livremente como a ponta da esferográfica, te rechaço de pirraça. Dissuado-lhe por maldade. Causo meus próprios intempéries o que me deixa perniciosa, auto perniciosa. Dessa forma, acabo me excetuando, acabo me entregando ao unânime. Acabo quase que recôndita. E titubeio ávida atrás de porquês, atrás dos perdidos, atrás do que seja funesto. Tácita, me declaro genuína e coaduno em em-ble-ma-ti-ca-men-te: volátil.
(...)
Que voa, que evapora.







(Fê
tentando se entender, usando outro vocabulário, sacia ás vezes.)

domingo, 11 de outubro de 2009

Recôndito.

A acomodação me abraça, acho que a acomodação, inclusive, é a única que sente alguma coisa por mim que eu corresponda sem me fazer muitas questões. Eu a amo será? Dizem que o amor não se explica...A questão fundamental e interessante é que cada pensamento futurista, a cada aperto e decepção, a cada realidade engolida, quem me consola são pensamentos suicídas. Não que eu esteja querendo me matar. Sim, que eles dão solução temporária.
"Não sou obrigada a viver tudo isso", "Não sou obrigada a me sentir mal hoje."
Se essas são minhas formas de conselho, vejo que é porque há conselhos, e se há é porque vejo saídas. Saídas pelas quais eu não tenho audácia nenhuma em trilhar, mas que para o pensamento vale alguma coisa. É confuso, não desistir e no entanto não se esperançar. O lugar que me caiba perto do perfeitamente talvez é agonizar, é passar cada dia meu, matar cada parte do meu corpo e mente, um dia...tão sádios...
Lembro de quando dias ruins eram compensados com velhos clichês mentais. Sinto falta das queixas, essa minha indiferença é que é desgastante. O que me acaba também é saber que eu não sei o quê é melhor para mim.
Simplesmente não sei o que me faria melhor, não sei. Talvez eu seja uma mocinha sem futuro. Ah! Eu sou sonhadora até...
Me sinto mal por ser tão jovem, tão velha, tão fraca, tão cheia de sorte, realmente? Não estou triste se pareceu, estou só narrando um pensamento de carona, parte da minha própria existência , nada tem haver com faltas, oportunidades ou carência. Parto do meu querer próprio pessimista, quem sabe, de pensar.
Tenho tudo, decepção comigo também. É insensato pensar assim, e ainda se considerar feliz? Só no mundinho das regras que é possível! E eu quebro tudo, até o que já tá quebrado. O negócio é que ninguém pensa no meio do poço, só no fundo, e na tampa.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Eu pensava que chuva era mais que água.

Uma das decepções da minha existência é a preparação temporal, o índice, que a chuva antes de cair, quase todas as vezes, faz.
Quando menina, janelas e portas batiam uma atrás da outra. "BÁ!-BÁ!",
Júlia, uma funcionária que por muito tempo trabalhou na nossa casa (e já citei algumas vezes em outros posts) gritava lá da varanda como um general: "É chuva!"
"É chuva?", perguntava-me sentada no sofá protegendo com as mãos as pernas dobradas, "Me ajuda a catar a roupa do varal meninas! Corre!",
e Nina e eu corríamos serelepes pulando e sentindo uma sensação tão perigosa e gostosa que mau respirávamos.
Para mim, era como se a chuva fosse trazer muito mais que simplesmente, água... Quem sabe um rei, um aviso, uma guerra, monstros ferozes e devoradores montados a cavalo, alguma coisa surreal, mística ou profética. É claro, a chuva nunca trouxe mais que água, e não é claro que até hoje ainda sinto profundos anseios de que ela trará. Fui enganada, é que a preparação das árvores, do vento, a mudanças da cor do céu, o ritual da roupa não poder estar lá e de fechar e tirar e tampar e calçar, com contagem quase que regressiva antes dos primeiros pingos chegarem me passou a ideia de que era um fenômeno mais pitoresco do que natural.
"Fecharam as janelas do quarto?" perguntava Júlia, com as roupas nos ombros e na cabeça, e eu imaginando que fossem os corpos feridos. "Sim!", respondíamos. Quando esquecíamos uma janela aberta, abríamos a porta dos quartos desesperadas e lá estava: A cama, molhada. "Ela está chorando?", pensava fechando a janela rápido. Quando essa falha acontecia, Júlia tirava a roupa da cama e dizia: "Quando o sol voltar, levem o colchão para fora."
Na minha cabeça éramos pessoas importantes, lutando contra alguma coisa.
A chuva era barulhenta, eu ouvia os telhados lutando firmemente contra ela. Via ela sendo derrotada quando ela descia pelas telhas, contava então, as cachoeiras de soldados dela, que se postavam em volta de toda a minha casa, como se tivessem nos cercando.
Quando a chuva vinha mais violenta, com trovão e raios, minha irmã me dizia:
"Não pise no chão sem chinelo. Não fale alto, nem deixe os ouvidos destampados."
"Por que?"
"Shiii! Quer ficar muda? Se você falar e trovoar na hora, fica muda, se não tampar os ouvidos fica surda, se não calçar os chinelos, um raio te pega."
"E o que eu faço?"
"Nada."
E ficávamos no sofá que na época tinha uma estampa divertida e almofadas quase do meu tamanho com figuras de animais selvagens.
Incomodada com a minha obediência e o silêncio e barulho só da chuva, Nina ia para o canto esquerdo do sofá, colocava a almofada na frente dela e dizia descontraída: "Nanda, faz de conta que aqui onde eu tô é minha casa."
(...)
Então eu entendia que "nada", apesar de ser nada, não nos impedia de começar a brincar com a realidade.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Enfim egoístas.

Você me acendeu, porque me notou, só.


Notou só quando ri de você, quando assim se sentiu engraçado.


Nós, somos egoístas, por isso ardeu.


Eu ri porque você contava o que eu já pensei, o que eu já senti, o que eu já bebi.


Notei só quando falou de mim sobre você.


Notastes só quando ri de você pensando que eu ria para você.


E eu era você, mas você não era eu, apenas rimos.


Egoístas, porque nos notamos só assim.


Ardeu.

Teu fedor, minha maldade, essa carniça.

Existem pessoas ilusórias. Aquelas que você pensa que gosta, mas na verdade suporta. Aquelas que você tenta gostar, mas sempre, quase que por inteiro, ela te incomoda. Existem pessoas ilusórias. Que passam resquícios que te fazem auto implorar para um lado positivo, procurar uma boa característica, mas no final estraga, azeda, e por mais triste que seja, por mais maldoso que seja, e por mais mínimo que seja, você não consegue não exagerar, você se aproveita da falha, como se esperasse em preces inconscientes por isso, e você descarta tudo que tentou gostar desde o começo, tudo tão trabalhasomente forçado é evaporado e hedonista por ser algo que sempre lutou contra e a favor, e foi contrariado de vez. Pessoas que iludem, que você tenta, por se sentir mal, suportar.
Existem palavras contextualizadas que machucam, desconfia, ameaça a alma. Maneiras, erros, cheiros! Que você não gosta. Que você não tolera e ainda te dá medo por te provocar tanta implicância. Conversas, comentários, e provas que você não vê necessidade de fazer, que não te faz mais esperto ou sonso por não avisar ao mundo, nem glorioso por ter percebido. Existe diferença entre pessoas diretas e pessoas sem noção.
Pessoas diretas calculam o que vão falar com propósitos, impulsionam em dizer o que percebem com coragem, e convicção. Pessoas sem noção, falam sem medir consequências, impulsionam em dizer o que percebem com coragem também, entretanto, age pela emoção de chamar a atenção, de achar que pensar e falar, falar e pensar são iguais mesmo que os verbos mudem de posição. Se há mudança, desconfie!
Existem, (como no começo)pessoas simplesmente ilusórias. Te fazem de maneira piedosa procurar um lado positivo, uma boa característica, contudo, não é que no final estraga, é que desde o começo não cheirava bem.

Sobre Forma & Trans

Eu passo o tempo inteiro pensando no que eu fiz, ofendi, gostei. O tempo inteiro me procurando, me perdendo e tentando me achar para sempre, mesmo sabendo que é hipocrisia pensar dessa forma. O tempo inteiro me lembrando do que eu tenho que fazer, me amedrontando caso eu esquecer, me lamentando por não querer ser impulsiva, por gostar de pensar demais em tudo que seria nada para os rumores. Eu passo o tempo inteiro pensando nas pessoas também. Pensando nas que de manhã esqueci de pensar, nas que verei, e até nas que nunca vi. O tempo inteiro pensando no que eu não aprendi, no que eu tive sorte, nos meus exageros e até nos dramas.
Eu escrevo, leio, queimo a língua com o café, converso, pago, e enrolo o papel o higiênico pensando no sistema, no que eu não me decidi, no que eu ando me tornando, no que eu nunca vou ser. O tempo inteiro pensando se fiz todas as perguntas que me intrigam, se não me entreguei ao comum, se tudo que acho certo está demorando a ficar errado, e às vezes se outras pessoas gostam de ficar sozinhas, só pensando.
Horas e horas sem música, sem gente, sem chegar em casa e ligar a tv, eu procuro me encarar, sem ou com espelho. Parando de me evitar, a própria existência, não é possível que eu...
Eu gosto de me torturar, de supor, de desgraçar, de impressões e enganos, de propositar, calcular, e quando estou com preguiça brinco de destino . Eu passo o tempo inteiro remoendo o que eu não sei, e mesmo assim insisto em pensar. Ás vezes eu me magoou, ás vezes me parece desnecessário. Discuto o que passa por mim, ficho tudo, seja gestos, teorias ou comportamentos.
Você se perde, prende o xixi de tanto pensar, você se esquece das necessidades, você se interessa demais em descobertas mentais. Crio situações, tenho devaneios geniais, percepções amiúdes que me deprimem até o fim do dia, e outras que me enchem inusitadamente de viver o restinho da noite. Ás vezes, eu acordo no desisto e durmo no alterada. Outras, acordo alterada e durmo no desisto. Quando eu quero, eu não consigo. Porque meu querer depende de muitas coisas...Quando consigo, penso se quis...
Vivo no meio, no meio do começo, no meio do final, no meio da barriga, quase uma quarta feira.
Percebi que tem dias que sinto dor por todo mundo, outros cansaço, e tem uns que me transformam, o que não me tira de mim mesma ainda assim.
Eu falo sozinha e rio e água. Não estou falando com as paredes! É comigo mesma. E não é preciso estar velha para começar a conversar com você.
Por favor, não implica auto-suficiência, muito menos que eu esteja apaixonada por mim, é apenas dedicação.
É menos trágico, me parece, (é imaturo?) Devem ser formas...forma de viver, de se conhecer.