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sábado, 31 de agosto de 2019

Um dia espero ser mulher pra sempre.

Uma frase pervertida, a olhada maldosa, os porcos no cio. Que eles não possam definir o quão grande você pode ser. Quem precisa de limite são eles. Sua grandeza não. Ir a um lugar. Sozinha. Na rua. É desde criança que se aprende a correr de “velhos sebosos”, dos “moleques de rua salientes”, dos “malucos com a pinta pra fora”, dos “bêbados impertinentes”. Você e sua irmã. Aprende-se cedo a fazer o plano de fuga e prestar atenção pra enxergar as saídas. Só depois é que fica óbvio que está em outros lugares. Nas festas, no trabalho e pro azar de algumas mulheres até dentro da própria família. Muitos porcos se sentem no direito de puxar seu cabelo, seu braço, apelidar, querer sua atenção com uma intenção, amaldiçoa-la caso se recuse a responder. Quando ficamos conscientes de que a liberdade de ir e vir não é TÃO nossa, é meio frustrante... “Sou minha mesmo?”. O mundo podia ser um lugar que jogasse mais limpo conosco, mas ainda não é. E há quem chore ser apenas elogio, proteção, pra não ter que dar cambalhotas na reforma íntima. As vezes me culpo depois de correr, interromper ou dar uma patada. “Devia ter falado isso, minha vontade é de tacar uma pedra na cabeça desse verme! E se eu tivesse virado uma fera? Eu nem devia ter saído de casa!”. Entretanto, quando um porco se aproxima, sinto medo misturado com oração pro pior não acontecer. Pernas pra que te quero, lá vai eu! Dessa vez não me pegaram, dessa vez dispersado. Mas a gente escuta vez ou outra sobre alguma mulher que não conseguiu. Sobre como ficou despedaçada. Será que ela não sabia correr? Será que ela não gritou suficiente? Será que deu azar? Tomamos tanto cuidado que bebemos culpa pra não morrer de sede. Somos mais bonitas reservadas e com medo? Ou correndo parecemos espertas, mas bagunçamos demais o cabelo? E as marcadas pelo meio do caminho?! Até que ponto queremos ser mulheres? Um dia espero ser mulher pra sempre. Ser corajosa todo tempo. Enquanto isso eu apenas corro... Talvez amanhã muitas não precisem correr tão rápido, nem planejar o tempo todo. Quem sabe amanhã os porcos decidam construir chiqueiros pra eles mesmos. Ou nossa fome seja tamanha que devoraremos TODOS eles.


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Emoções

Lá vai eu meter a mão na cara, entrar no ringue, pegar no microfone, aumentar meu tom de voz, tirar os sapatos, afastar as mangas da camisa, amarrar o cabelo, borrar a maquiagem, apontar o dedo, levantar as calças, deixar que as emoções falem mais alto! 
Cansado... lá vai o tempo perdido, a consequência do impulso fazendo uma visita, o pensar voltando apressado depois de agir duas vezes, o calçar dos sapatos com os pés já sujos, o desamarro do cabelo, o vento libertando os fios, o ajustamento das mangas da camisa, a cor do batom de volta aos lábios profanos e amaldiçoados, e as palavras, ah! As palavras... todas as palavras que não voltam mais depois que foram ditas.
Ali era eu, ali eram elas. 
Quem as controla sou eu? 
Ou quem me controla são elas?
Quiçá, foi a falta de uns remédios ou talvez bati a cabeça quando era menor. Vai saber se não foi um ocorrido não superado lá atrás que desencadeou todas elas bem aqui na minha frente. Quem sabe um laudo médico seja mais preciso... ou sou eu?! Eu toda errante e desorientada, esbravejando coragem desgovernada, num mato sem cachorro, num pega pra capar, no pulo do gato!
E agora quem poderá me entender? 
É possível controlar o que se tem demais? 
É possível ter demais e manter certo controle?
A raiva, o descontentamento, a tristeza, a mentira e o desgosto, já passaram... visita rápida, destruidora quando em conjunto e descomunal. Eu nunca sei a hora e o lugar. Até quando meter os pés pelas mãos? Construir caminhos destruindo pontes... Queria eu aprender a ser pluma. Deixar a brisa me levar, voar lentamente, dar voltas e voltas até me encostar. 
Não ter medo do vento, também é ser brava. 
Não ter pressa pra chegar, é valentia pra curtir o caminho, observar a paisagem, experimentar o voo...
Ah, o fino e leve voo da pluma desgarrada e serelepe por não se encaixar. Mas quem foi o maldito que disse que há caixa para todos?! Há caixas para todos ou só não há caixas para mim?  O que importa afinal se fechada na caixa ou voando avoada, quem poderá me conter com elas, se não eu? 
Eu que as sinto mais que as vejo, 
eu que as prevejo quando nada sinto, 
eu que não as crio, mas inesperadamente as alimento por mais horas que o tempo da fome. 
Céus, quem me determinou nesse exagero? Nesse intenso devaneio e parar do tempo egoísta entre mim e todas elas.
Somos juntas, eu e elas, um estrago feio! 
Por que é preciso sentir tanto para estar viva? Quando seremos de verdade? Não quero que vão embora, não quero parar de sentir. Acabei me tornando especial no mundo sombrio que se aproxima. Sonho com o dia em que juntas ainda estejamos nos sentindo vivas, menos perigosas e plenas alcançando a verdadeira beleza da existência.