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quarta-feira, 29 de maio de 2019

O casamento e o pacto





Ter coragem para te cumprimentar no seu casamento foi uma das coisas mais difíceis que eu tive que fazer esse ano até agora. Mamãe disse que não seria de bom tom ter ido a sua festa e não tentar te dar os parabéns olho no olho. Não somos mais próximas, apesar de termos disparado juntas no Ventania, o cavalo mais veloz da fazenda do Pará do nosso avô. Não sabemos mais uma da vida da outra, apesar de termos ido juntas e sozinhas pra Goiânia prestar o vestibular da UFG, sermos fãs do Harry Potter, termos frequentado as mesmas pizzarias e mergulhado na mesma piscina durante toda a infância e adolescência. Não somos mais primas, depois do meme que eu acabei te expondo na internet, numa atitude super constrangedora, no calor das emoções de uma eleição presidencial que separou muitas pessoas.

Achei sua festa belíssima. Também nunca tinha te visto tão feliz. Exceto quando passou no vestibular de medicina. Você parecia aquelas noivas de filme. Não sei se será feliz no amor, nem se o seu agora marido será um cara legal para você, mas tenho certeza pelo brilho dos seus olhos que você quis e lutou por isso, como tudo na sua vida.

Você me olhou três vezes diretamente nos olhos. Me aproximei da pista de dança com minha namorada para ter uma chance de falar com você, mas o medo de todas as suas amigas radiantes ao seu redor me atormentava. “E se eu estragar a felicidade dela?”, “É mesmo necessário cumprimenta-lá? Talvez a última coisa que ela queira é se lembrar da nossa briga...”, “Eu nem deveria ter vindo”, eu pensava tanto que nem vi que de repente suas amigas te puxaram correndo pra tomar uma bebida especial, com seus vestidos rosados e esvoaçantes e acabamos uma de frente pra outra sem querer.

Sua melhor amiga da escola me reconheceu e me disse gentilmente um oi, abrindo pra que eu falasse com você. “Ela sabe de alguma coisa?”, me perguntei. Você estava radiante e disse “Oi!”, com um olhar sincero. Eu meio gaguejando te desejei parabéns e dei um abraço meio forçado e estranho. Você agradeceu e saiu como um tiro branco de luz ao redor de um exército de garotas fortes e bem-sucedidas para o bar da própria festa. Me senti aliviada, constrangida e mais uma vez envergonhada.  
   
Já tem uns sete anos que vez ou outra você aparece nos meus sonhos me deixando um pouco envergonhada. A minha culpa te refaz de ano em ano nos meus sonhos, vez ou outra, para me lembrar que alguns laços são para sempre e não podem ser rompidos mesmo que as palavras e o tempo mostrem que sim.

De alguma maneira masoquista, eu me martirizo, sem querer, com a lição de me lembrar em como ser adulta, traz uma responsabilidade muito maior com as palavras e com o que podemos causar nas pessoas que amamos e crescemos juntas. Talvez eu só tenha entendido o que significa família de verdade, a partir dali.

Quanto mais o tempo passa, mais eu observo as respostas que a vida me dá de várias experiências que tivemos na infância e adolescência. Me sinto injusta com você, e não que você precise sentir pena de mim, mas pensei por muitos anos no porquê eu fiz isso e por qual motivação. Afinal de contas até aquele episódio, nunca pensei que fossemos parecidas em alguma coisa... chego a algumas conclusões algumas vezes, mas nada que justifique o que eu fiz. E concluo sempre que talvez a distância tenha me feito esquecer o bom senso.

Você sempre conseguiu tudo que queria. Tem uma qualidade impar e para poucos. Também sempre teve um time de amigas estudiosas e que também conseguiram tudo que queriam. Sempre foi corajosa na medida certa, lutava para que as coisas ao seu redor melhorassem. Suas notas, seu quarto, seu diário, seus desenhos, seus namorados... Você namorava quando bem entendia e com quem gostava.

Apesar de termos a mesma idade, você parecia ser melhor do que eu pra entender o que era certo e errado, e se minha cabeça naquela época funcionasse como hoje, eu diria que você também tinha sede de justiça, apesar de nunca estarmos do mesmo lado na política.

Eu me lembro que uma vez você me chamou na sua casa, como se fosse uma reunião de primogênitas para falar do comportamento da nossa prima mais adorada. Lembro de você com muita inteligência emocional na sua fala. Você tinha sede de justiça. E falava como algumas vezes, a prima referida passava dos limites, nos manipulava em brincadeiras, nos ameaçava para que fizéssemos coisas ou caso contrário não gostaria mais de nós ou contaria algo sobre nós a quem não podia, nos tratava mal e ficava sempre por aquilo mesmo.

Ela realmente fazia tudo isso e todas nós ficávamos de mãos atadas. Éramos todas tão crianças..., mas eu não sabia que algo podia ser feito. Foi aí que entendi que alguma coisa estava errada e nos machucando de fato. Então você disse que ela precisava de uma punição. Que faríamos um pacto. “Um pacto?! ”, perguntei. E você disse que o pacto era que nenhuma de nós, nem eu nem a minha irmã, nem você e nem suas irmãs iriamos mais dirigir a palavra a ela.

Seríamos surdas quando ela falasse. Mudas quando ela nos perguntasse algo. E nos afastaríamos de maneira natural e proposital quando ela se aproximasse. Fiquei me perguntando se eu conseguiria e você disse que é claro que conseguiria. E que uma ia ajudar a outra. Que eu também deveria ajudar minha irmã e vice-versa.

Me lembro que antes disso, mudar de escola foi bem difícil pra mim. A prima adorada e vítima do pacto e sua irmã, sempre exaltavam o grande colégio como um dos melhores da cidade. Falavam que todas deveríamos estudar por lá, que seríamos unidas, que seríamos uma turma... mas nada disso aconteceu quando eu e minha irmã entramos naquele colégio. Não demorou muito pra que eu percebesse que lá dentro do colégio as regras mudavam e mal podíamos nos cumprimentar direito. Eu não tinha muitas amizades. Me sentia um peixe fora d'água. E de repente um sentimento de inferioridade tomou conta de mim por muitos anos. Eu era triste e medrosa. E aquela escola era grande demais, lotada demais e vazia demais dentro do meu peito.

Você sempre era da sala A, e eu sempre seguia a letra da sala da tal prima adorada e mandona, mesmo sabendo que internamente eu não pertencia aquele mundo. Ela de alguma forma me acolhia. Mesmo que fossemos muito diferentes. Talvez, o pacto servira pra que eu acordasse para o meu próprio caminho. Pelo menos a partir disso, eu percebi que poderia criar minha própria história e ir procurar a minha própria sala, letra e mundo. 

Nós conseguimos cumprir o pacto e o respeito que precisávamos. Foi uma sexta série bem diferente quando eu decidi que seguiria longe da sombra dela. Quando nossa prima continuou sendo amada e entendeu o recado. E quando os adultos da família entenderam que a coisa era séria entre todas nós e até nossos avós ficaram chocados com a nossa determinação, com o nosso pacto perfeito. Em poucos dias o comportamento mandão dela mudou e fomos orientadas pelos adultos a perdoar e seguir em frente. “Vocês são primas, primas se amam”, nos diziam. “Menos na escola”, eu me dizia mentalmente.

Tenho boas lembranças suas. Você também lutava para que seus diários fossem respeitados, mesmo quando a prima mais velha de todas o roubava e lia correndo por toda a casa. Eu morria de medo que o meu fosse lido. Escondia a sete chaves e me perguntava como você tinha coragem de enfrentar a mais velha de todas e não se destruía toda com algum dos seus segredos expostos. Você não era de vidro como eu.

Você também dizia que deveríamos acordar cedo para conseguir os melhores cavalos na fazenda de arapoema e que os cavalos não eram da prima mandona, muito menos da prima mais velha. Também dizia que poderíamos encontrar bons caminhos pra cavalgar independente delas. Que não éramos lesadas e nem obrigadas a ir pelo mesmo caminho de sempre, nem pelo caminho que elas gostavam. Você era determinada, independente da sua sensibilidade e seus trejeitos de menina mais fresquinha. Sempre acreditava em si mesma.

Lembro de você também na feira de ciências da escola me explicando o que era uma célula virando com as mãos um vidro cheio de gel com partículas de objetos dentro. Mal sabíamos que você seria médica no futuro. E você sempre perguntava “Você entendeu mesmo o que eu expliquei?”, e eu balançava a cabeça que sim.

No dia seguinte da sua festa, mamãe e eu fomos almoçar no clube e por coincidência você estava lá com uma parte do pessoal da sua festa também para almoçar. Paramos pra cumprimentar todos, comentamos e sorrimos dos bêbados da festa, tive a chance de comentar contigo algo que comi e achei gostoso, algo que achei bonito e de perguntar quem havia pegado o buquê. Você me respondeu com sorrisos sinceros, sua felicidade continuava radiante. “Como ela amadureceu”, eu pensava procurando alguma pista de mentira e só encontrava sentimentos sinceros. “Parece que ela me perdoou mesmo. Será que eu mesma me perdoei?”, eu me perguntei ao conseguir te dar mais um abraço e desejar parabéns novamente pelo casório, e dessa vez não ser um abraço forçado, nem tão rápido, e sentindo suas mãos abraçarem minhas costas agradecendo. 

Entrei no carro um pouco confusa, talvez essa até seja a última vez que nos encontremos no mesmo lugar com algum assunto em comum. Talvez, ser adulta seja saber a hora exata de fazer um grande pacto consigo mesma.   






sábado, 25 de maio de 2019

Ser (p)ar

O deslize veio quando menos esperei abraçado do medo e beijado pela descoberta. Escancarou-de um choro ininterrupto e quebraram-se os limites. O meu e o seu. O chão se abriu no meio, lá no fundo do buraco eu olhava para o céu, mas não sabia mais contar as estrelas, dormi e acordei sem querer saber que dia era hoje... nem me importei se alguém apareceria pra me tirar dali. Há vida ainda, há vida... ruim é subir com um buraquinho. Ruim é ter que escalar sozinha para a superfície. Eu não gostava mais de mim sozinha. Eu queria ser par, pra sempre. Quando a raiva foi-se embora de mala e cuia, me visitaram sem aviso as boas lembranças. Tua risada engraçada quando eu fazia algo espontâneo, aquele desafio de irmos nadando juntas até os corais em que eu sempre chegava primeiro e ficava “Vem! Você consegue!”, com medo de você desistir, as comidas que fizemos quando não tinha quase nada na geladeira e mesmo assim ficaram boas, nossos beijos mais quentes e as transas ouvindo músicas que nos levaram pro espaço, e todas, todas as vezes que tu me fez companhia enquanto eu chorava por algo da minha vida. Vivemos muitas coisas... E eu tenho agora o que eu nunca tive muito nas minhas gavetas de quase 30 anos... uma humilde e corajosa capacidade de perdoar. 
Quando eu era uma menina, sempre achava feio e incompreensível casais que não eram amigos, cúmplices e perdidamente apaixonados. Nunca tinha pensado que talvez os casais tenham seus motivos ou motivos muito maiores para não flutuarem como adolescentes por aí... a maturidade dos sentimentos me deixa um pouco assustada. Quer dizer que sente pouco? Ou quer dizer que amor nenhum vale alvoroço? Quer dizer que temos que nos contentar com pouco? Ou quer dizer que o amor é algo que ninguém nos conta de verdade? 
As vezes me pergunto se tu realmente volta pra mim por gostar ou por piedade de todo o espetáculo e saldo da conta que eu fiz. Tenho medo que tenha descoberto que não gostava tanto. Medo de que descubra que podes viver sem mim. Queria estar forte agora pra cuidar de mim mesma. Para catar meus pedaços e parar de agir de forma tão confusa e amarga... me perco mais ainda de ti. Não nos sinto mais conectada. Ainda penso que você pode ir embora a qualquer momento. As vezes olho pra trás e tudo parece um sonho bom que não foi real e virou fumaça encantada. 

Todas as noites ando tendo pesadelos... dessa vez não os conto pra ti. Acho tão desnecessário a quantidade de confissões que eu te fazia... eu parecia uma criança do pre escolar que não desgruda a mão da coleguinha.  As vezes tento recuperar minha sanidade e ser mais madura com minha intensidade. E se do encanto quebrado houvesse uma nova lição? E se depois disso tudo fosse menos difícil, menos perfeito, menos cobrado, menos por um fio? E se ainda estiver escrito que podemos ser felizes pra sempre? Ninguém sabe o dia do amanhã, se não as nossas próprias atitudes... ninguém sabe. Talvez, podemos nos conhecer de novo agora, podemos usar salva vidas, remar sem segredos, entender nossas individualidades e abraçar nossos defeitos com mais calma. Quem sabe não tinha isso mesmo... tudo isso pra gente se refazer. Entender o que era realmente importante. Desbravar nossos conceitos. Autoestima, respeito, confiança... o que mais um relacionamento pode tentar nos ensinar? Só espero de verdade que a gente não descubra que não somos mais feitas uma para a outra... mas se for isso que eu entenda. Que eu entenda. 

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Não me quer mais

É tudo tão sórdido que fico me perguntando se eu não mereci. As coisas talvez aconteçam para entendermos quem somos e a nunca subestimar o outro. Carrego algo estranho comigo agora. Um buraco negro onde tudo que é jogado lá dentro desaparece no espaço. Choro há dias todas as lágrimas que achei que eu valia e não foram se quer choradas por você na minha frente. Imagino o por quê de você não ter nem me segurado me pedindo pra ficar. Era isso que eu queria. E por isso andava lá na frente como se estivesse determinada a fazer um escandalo. Eu merecia um espetáculo da sua parte! Uma frase de amor gritada, um por favor me perdoe! Nada foi feito. Você desapareceu. Antes, você tinha atitudes pra tantas coisas... eu adorava aquilo no teu jeito, mas não teve quando eu mais queria que tivesse... eu queria uma prova, pra saber se você ainda me queria apesar de tudo que aconteceu. Porque apesar de machucada, eu nunca tive dúvidas disso. Não sou perfeita, fui insensata, estou desequilibrada, ouvi mentiras, tive medo de te perder... Agora, há um velório no meu peito e chega a ser curioso como nunca sabemos quando será o último final de semana feliz com a pessoa que amamos. Parece que sinto falta de alguém que não existe mais. Quando converso contigo sei que não és mais tu, pois minha mulher sempre ficava e me queria de qualquer jeito. Tu arruma desculpas, corre, sente medo, não sabe mais o que quer, nem o que responder, mas sabe que quer liberdade. Quando eu digo que foi planejado se trata disso. Você finge que não vê... deveria se despedir de mim com coragem. Tu era tão doce, tão carinhosa, tão linda... seria uma fantasia que durou tempo suficiente pra eu acreditar e me acomodar nas minhas imensas inseguranças com relacionamento? Pra mim estava tudo tão sólido... o que foi que eu não vi? Eu estava tão focada nos meus projetos e agora estou confusa, dilacerada com meus pés no chão queimando sem sapatos no deserto de uma enorme solidão. 
Aquele dia em que deu tudo errado, foi um dia péssimo pra você me trair. A menina escolhida nem se fala, parece até calculado. Nunca vou esquecer o rosto dela pra gente na boate... ela queria algo que não tinha. Ela sempre foi uma pessoa notadamente triste. Pensando como você, foi até um bom dia pra que eu nunca imaginasse algo errado. Mas eu senti sabe? Eu sinto todas as vezes que me avisava que ia sair sem mim que aquilo poderia colocar em risco nossa confiança, nossa história ou te colocar em encontro com quem sabe um novo amor. Foi também naquele dia que eu me perguntei em voz alta e ao teu lado o que a vida queria me dizer, até o carro da mamãe eu bati. Eis que todas as respostas eu tenho agora: nem sempre as coisas vão dar certo. Por mais planejadas que sejam. 
Hoje me lembro com arrependimento daquela vez na porta da igreja, eu ter te pedido racionalmente pra terminamos. Eu deveria ter seguido em frente. Dias depois cedi aos teus encantos e carinhos... meu coração era todo seu, não adiantava muito. Eu estaria assim agora se tivesse me obedecido? 
Eu sempre soube que não estávamos na mesma fase, mas isso nunca me impediu de te querer. Não me venha dizer que só acordou pra isso agora, não venha me dizer que sentiu que parecia uma adolescente desgovernada e eu tua mãe, como um dia reclamei e te pedi mais parceria e responsabilidade, porque são coisas que eu via e tentava consertar. E não que você tenha que aceitar agora para ir embora. Seja honesta e corajosa. Seja mulher de verdade. Admita com todas as letras que apenas se desinteressou e não quer mais. Pule do barco em alto mar, mude tua direção sem precisar me marcar covardemente mais de uma vez. Eu queria muito que você admitisse que desistiu, que foi covarde, que facilitou as coisas para que elas acabassem. O que você via em mim que deixou de ver? Como pode ser tão fria? Fui capaz de tantas coisas por você... e tinha esquecido completamente como era ser só. Tenho medo agora... vou ter que redescobrir as coisas todas outra vez. Me sentia tão sortuda ao teu lado. Há queimaduras invisíveis por toda a minha pele que me fazem perceber que dói mais em mim do que em você, que está mais difícil pra mim, e que mesmo você tendo errado, ainda sou eu que suplico e espero uma volta imediata. Ainda sou eu que espero que tu resolva as coisas, mas fico tentando guiar as respostas. Mas não sou eu que estou usando argumentos sádicos pra não ter que explicar que acabou. Qual teu medo de dizer que não sente mais como antes? De me explicar que viajou na maionese e descobriu que eu não sou a mulher da tua vida? Aprenda a ser corajosa, é o que os adultos fazem! Pelo amor deus... Você causou um problema e nem se quer quis resolvê-lo comigo. Usa dele como uma chance de escapar pelas beiradas, como se eu que quisesse tua fuga. Eu não quero, meu bem. Nunca quis tua partida. Sempre achei que resolveríamos qualquer coisa juntas. Não precisa colocar uma foto levantando as mãos para o céu, agradecendo a deus pela tua liberdade... Não sei mais quem é essa pessoa que me deitei. Que apresentei a família e anotei em vários planos no meu caderno de sonhos. O que eu vou fazer com essa ferida na alma e como faz pra apagar um amor e desejo que pareciam ser tão verdadeiros? Por quanto tempo iria guardar teu segredo? Quantas vezes ia fazer de novo, me dando uma coleção de dúvidas e julgamentos? Será que eu não sabia te ouvir? Por que não brigamos logo? Por que não espatifamos as coisas em vez dos sentimentos? Eu preferia a verdade... não sei se faria diferente, mas eu merecia a verdade para decidir o que fazer ou não. Que escolha tenho eu na lama da mentira? No imaginário da boca do povo? Por que tu vai embora assim, sem ao menos me pedir pra ficar e insistindo que não foi planejado? O que me importa todas as tuas justificativas se me quer sozinha agora? Eu não te conheço mais...  será que ajudei demais? Sonhei demais? Faltou amor e prazer? Entristeço-me... Fiz o que pude e o que não pude... O pior é que tu realmente parece melhor sem mim. Eu achava que era imune sabe? A uma despedida trágica outra vez... Quanta desilusão... Amar é para os corajosos mesmo, sempre foi. Não sei mais o que eu posso sentir... tinha me esquecido que quando termina é assim. Você me dá tanto medo fingindo ter um plano por uma culpa que eu já disse ter o meu perdão. Caia na real, fazer promessas malucas para um futuro que nem conhece? Quem ama fica junto, resolve junto, procura um meio... Era no teu colo que eu chorava meus piores segredos e problemas. Acaso és tu meu passado em forma de mulher? O que eu não aprendi que veio novamente?! Céus... como posso ter caído do cavalo desse jeito... Quanto tempo alguém é capaz de enganar o outro? Em quantos segundos uma pessoa desiste do amor? Em quantas horas as almas deixam de serem gêmeas? Me recuso a acreditar que sou eu quem mais dependia desse amor... mas sou eu! Sou eu inteiramente... Não dá pra esquecer que foi preciso uma falsa ameaça de visitar teus pais, para que quisesse me fazer entender algo. Nunca vou esquecer a lágrima que não vi cair. Eu pensei que valia uma saudade, uma despedida adequada e sentida. Meu corpo magro recolhe-se e envergonhado me pergunta, quem estava conosco em todos aqueles momentos de descobertas, prazer e verdade? Te vejo lá longe e isso me dá medo. Por que e para que fez tudo isso comigo? Eu jurava que essa fosse a minha última vez procurando minha pessoa... Santo deus! Que não demore a cicatrizar, preciso de muitas forças... Você se foi de maneira tão sorrateira... Quem me promete o céu, sempre me manda pro inferno no final, eu já deveria ter aprendido isso... Você era meu agradecimento, minha sorte, minha paz que vem de lá e uma alegria de viver... Eu até tinha me esquecido que existe morte. Preciso me recompor e amadurecer.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

mil coisas que eu já escutei e os 64% de dar certo

Lembro de você bêbada e sorrindo no mar com aquela blusa amarela. Como você fedia cerveja por toda sua pele branca quando bebia. Tudo era sol e tão azul, parecíamos ricas, mas seu cheiro me incomodava muito... é que eu me lembrava sempre daqueles garotos alcoólatras que amei em outra juventude. Eu não queria abraço de jeito nenhum e você me beijava a força, sempre muito romântica quando estava bêbada, talvez... talvez eu atraia esse tipo.

Os viciados, os entorpecidos, os que tem problemas com os pais, os que sabem fazer poesias bonitas e desenham nos meus papéis quando menos espero, os que dizem que me amam muito rápido, me deixando assustada. Eu sempre atraio esse tipo que sabe tocar um instrumento. Eles sempre sabem as letras das músicas mais difíceis, me pedem em casamento enquanto cozinhamos, beijam meu pescoço quando não estou vendo, tomam banho comigo contando da infância, e juram mil coisas que eu já escutei.

Eu atraio muito esse tipo que faz amor comigo de um jeito que me sinto uma atriz de cinema sendo assistida por uma plateia grande, numa tela tridimensional onde todas as cores e formas são perfeitas. Um filme com uma trilha sonora de arrepiar os pêlos dos braços e onde meus gemidos são altos e misturados com risadas em que os adultos são obrigados a tamparem os olhos das crianças.

Lembro de você preocupada com seu cabelo crescendo, você nunca teve um pingo de vaidade, mas com o cabelo tinha. Sempre dizia que ele ia crescer mas não aguentava e cortava. Eu te dei um batom uma vez, mas pouquíssimas vezes vi tua boca rosada. Você adorava beijar, adorava tanto que ignorou toda nossa trajetória por um que não era meu. Por um de quem não gostou de ver o nosso amor naquela saída que não tinha nada a ver com a nosso rotina mais... ah, eu achava que éramos uma só. Que nossas diferenças nos ajudavam... nunca imaginei que seria assim...

Mesmo assim, eu nunca vou esquecer quando vi teus pés com as unhas vermelhas... foi tão engraçado, você queria me agradar e ficou tão bonito! Fiz amor contigo beijando eles, e você começou a usar isso para me fazer lembrar o quanto eu te desejava... só depois que eu entendi que no fundo você nunca se importou com as cores. Você é muito fogosa.

Nunca vou me esquecer quando te vi no casamento da minha irmã. Eu estava dopada de remédios, um pouco perturbada com minha demissão, mas quando te vi, gaguejei e me lembrei como minha sorte no mundo era exatamente como aquela sua roupa florida! Que sorte a nossa ter se encontrado nessa vida... Como eu queria ter te beijado ali na frente de todo mundo e dito que te amava e que você estava linda. Mas infelizmente, em um ambiente que não nos pertence, um beijo entre duas mulheres pode acabar sendo um crime ou chamar mais atenção do que os noivos. Aquele dia tive que ter muita coragem pra que meus primos e outros parentes soubessem que você não era só minha amiga. Você era meu desafio diário em qualquer evento.

Lembro de como eu estava com medo na nossa primeira vez. Meu medo era basicamente não ficar molhada e tudo não passar de uma grande ilusão da minha cabeça... Eu achava que não me era permitido poder gostar de mulheres. Eu achava isso porque havia gostado de bonecas na infância, por nunca ter gostado de futebol, por nunca ter tido medo de maquiagem como você. As vezes achamos que existem muitas regras para poder pertencer a um grupo, para poder ser permitido sentir alguma coisa.

Entretanto, lembro bem que tinha aquelas meninas da escola que me chamavam atenção. Os cabelos, os gritinhos, as brincadeiras, os joguinhos emocionais, eu fingindo ser o homem na brincadeira pra poder receber beijos de mentirinha. E também teve aqueles sonhos eróticos na adolescência e uma a raiva estranha pelo sexo oposto em que eu generalizava todos em duas caixas... uma escrito: burros e outra: babacas. Sempre radical com os meninos, como eu não percebia? 

Aquele exagero emocionante de ter descoberto o feminismo, aquela incutimento com bruxaria, sagrado feminino e tudo que tivesse mulheres no poder, na fogueira, no centro e por todos os lados...

Eu me lembro direitinho que olhava pra boca das meninas que me explicavam a matéria no cursinho de forma curiosa, e me perguntava se podiam ser macias. Por último e não menos importante teve aquele grande dia quando entrei na faculdade, em que me deu um entusiasmo misturado com medo e desejo, quando vi a primeira sapatão assumida, com aquele corte de cabelo despreocupado com cumprimento, o jeito de andar despreocupado com o que iam achar, as roupas masculinas misturadas com femininas, sem regras e confortáveis ao mesmo tempo, e todo o charme e certeza de que gostava de mulheres.

Há quem não saiba dizer a verdade. Demorou um tempo até eu me desvendar e descobrir essa parte da minha vida... Quando começamos a fazer amor, inclusive, lembro que me toquei rapidamente lá embaixo e eu estava como jamais havia estado na vida com todos aqueles homens e garotos que se perderam pelo caminho. Eu estava fervendo e transbordando! Era minha prova, meu sinal, minha libertação. Eu podia gostar de mulheres além e muito além do que eu pensava! Eu gostava fisicamente de você. E que orgulho eu senti do meu corpo, por saber que não estava sendo traída pela minha cabeça ou uma ideia que pudesse estar na moda na minha geração.

Foi a primeira vez que me transportei para outra realidade sem se quer ter chegado ao ápice ainda. Meus pais haviam viajado. Lembro que mandei uma mensagem pra minha irmã não dormir em casa aquela noite porque estava com uma garota, e ela pareceu mais feliz do que eu com a notícia. Como se ela já soubesse muito antes de mim. Como se ela abrisse a porta pra que eu fosse feliz.

Quando fizemos amor aquela noite, descobri que dava para sair do quarto estando no quarto, descobri como me conectar com algo me transformando em alma, em véu, em verdade. E foi um alívio tão grande saber que agora eu poderia morrer sabendo disso...Tu foi minha descoberta, minha chance, minha oportunidade, meu grande e corajoso amor.

Tenho um pouco de medo agora... não é muito bom seguir sabendo que existe sentimento bonito como esse. Não é muito bom seguir sabendo que existe sensação gostosa como essa. Não foi legal o que você fez, como eu descobri e o que eu fiz a partir disso.

Agora você sabe como são meus berros de medo, meus berros de apego, de desespero de não poder mais ter. Não foi legal o que aconteceu. Todo final de semana era bom quando eu tinha você, esse não foi. Esse foi longo e horrível. Me pergunto por que você não me disse a verdade, me pergunto por que eu te dei tanto medo, me pergunto o porquê de você não ter escolhido ficar do meu lado antes das coisas piorarem e eu caísse no abismo da desconfiança para todo o sempre...

Você é tão charmosa, tão simples, tão tranquila, tão fácil de lidar... você era a leveza e a bondade do meu dia. Ninguém é perfeito claro... mas eu achava que o papel de imperfeita era muito mais meu do que seu. 

Há uma parte em mim que grita que ainda podemos, há uma parte em mim que me pede socorro, que está te salvando na minha mente e conversando com meu coração. Há uma parte em mim que queria poder te perdoar agora. Mas eu também sou tão sombria... E eu conheço minhas sombras como ninguém. 

Eu estou tão machucada agora, eu imagino tudo que vocês devem ter feito, eu imagino como você não se sentiu culpada, como você conseguiu dormir e beijar na minha boca sem ter vontade de me contar, eu imagino aquela moça contando vantagem por aí e como você nunca teria me contado e teria feito pior se eu não tivesse descoberto tão rápido. Você se sentiu poderosa, você queria adrenalina, você queria se livrar de mim de uma maneira mais fácil e que não ficasse sozinha, como sempre me dizia que não ficava sozinha.

Por causa de tudo isso, minhas sombras me avisam que eu poderia estragar tudo em pouco tempo, como seria um recomeço com mentiras por toda parte? Como seria um recomeço com tanta raiva? Você precisa ficar longe agora, bem longe de mim. Minhas sombras me dizem que da mesma forma que fiz de tudo para te conquistar, eu faria tudo para que você me odiasse. 

Quando me lembro que as mentiras foram maiores do que o teu desejo de me querer confiante e pertinho, sei e sinto que não é mais tempo de insistir. É tempo de ir embora, de despedida, de ver como você vai se sair sem mim e de aprendizado e amadurecimento. Há dias que tu queria ir embora de mim. Eu fui percebendo pelo teu jeito, pelas tuas saídas na hora das brigas, pelos teus descuidos, mas você é meio medrosa com mudanças. Eu já meio que desconfiava que não seria de uma vez.

Talvez você tenha gostado um pouquinho de mim, em algum momento mesmo flertando com todas as suas ex's e pensando em todas as suas garotas traiçoeiras do passado. Talvez tu tenha percebido que eu queria demais, que eu queria mais, que eu queria mudar você pra sua melhor versão, que não dava pra andar de bicicleta feliz num domingo de sol sem se preocupar com a segunda-feira. 

Talvez você sentia saudade de tu mesma e não conseguia se despedir de mim de maneira decente... você ainda tentou me dizer... 64% de chance não foi? 64% de dar certo comigo...enquanto eu estava juntando dinheiro e pesquisando por um buquê de rosas para te entregar na faculdade no dia do seu aniversário ou no dia dos namorados.

Agora é tudo tão esquisito... tempestade, tempestade...a gente sente quando vai chegando ao fim... a gente meio que espera, ou fica com medo e se abraça forte num final de semana, sem saber que no próximo será o fim. O pior é que sentir não evita o fato de que vai ficando tudo por um fio. Não sei o que fazer, nem o que vai acontecer... tudo virou pó e só o tempo pode levar a poeira embora.

Talvez em algum momento você tenha gostado um pouquinho das descobertas que fez comigo. Eu sei que sou intensa, eu sei que marco as pessoas de uma maneira ou de outra. Eu não sou fácil também, mas quando eu gosto eu quero que todo mundo saiba. Não fique se achando tão especial... eu já fui amada por outras pessoas. Eu já estive no apocalipse mais de uma vez. A lua vai mudar de fase, o dia sempre clareia depois da tempestade e eu vou viver os meus dias sem você.  


domingo, 5 de maio de 2019

memórias quentes no meu espelho

eu sou dois olhos
uma boca
um nariz...
quem é você?
quem é você agora?

eu sentia paz,
minha alegria do dia era a campainha
ela chegou?
ela chegou!
ela caminha até o meu quarto?
e você chegava com todos os seus carinhos
só pra mim... só pra mim...

tão delicada, tão moça, tão macia e tão menino ao mesmo tempo...
meu acolhimento, minha admiração, minha conquista, meu abraço, minha saudade sem fim, minha reclamação, minha atenção.

eu sou dois olhos
uma boca
uma raiva
um nariz
um medo
quem é você agora?
o que me disseram ou o que você diz?
quem é você agora?

deveria ter me jogado com o carro pra dentro do rio? deveria ter morrido ali mesmo, antes de ter que recomeçar sem você?

eu sou dois olhos
uma boca
minha insegurança sem fim...
meus problemas agora só meus
meu dia agora só meu
meu exercício, meu choro, minha preocupação...tudo só meu.

foi tão bom dividir com você,
tu era sempre solução,
meu tesão, aquele cheiro,
o cabelo, a cor da pele e todas as pintas charmosas...
ainda escuto nossos sorrisos pregados nas infiltrações da parede do meu quarto. Estão todos lá...uma hora eu vou reformar, eu juro que vou.

Preciso te apagar! Olha lá! Também estamos pelas ruas do bairro e
há memórias quentes no meu espelho, enquanto penteio meu cabelo molhado...
Minha pele fria sente falta do teu toque quente,
e sem querer, enquanto estou indo dormir, aparece o nosso encaixe por todo o travesseiro...

e pra onde vão as repetitivas perguntas das nossas temperaturas corporais... para onde vão agora? Talvez pro mesmo lugar que suas lágrimas de crocodilo... você claramente sente um alívio.
Talvez eu seja péssima... talvez só fosse bom pra mim.

Você quer escalar uma montanha.
Eu apenas pegar um sol...

e se nunca tivéssemos nos conhecido
e se eu nunca tivesse achado que havia descoberto a verdade da vida na nossa primeira vez

talvez teria sido melhor se você não tivesse me beijado no carro e tivesse acabado ali mesmo.
Assim eu não teria saído do teu beijo, respirando de um jeito como se tivesse encontrado a verdade, o caminho e a luz.
De quem você pertence realmente?
eu sou apenas dois olhos
uma boca e um arrependimento de ter insistido sem fim...

um dia te perguntei se você tinha medo de mim...
era madrugada, e como eu gostava de conversar no escuro com você... na minha cabeça, parecia que éramos donas do mundo e dos nossos sonhos, parecia conversa que seria contada um dia na televisão.

era bom chorar no escuro com você
beijar no escuro antes de sonhar,
sentir seus olhos fechados e sua pele macia
me aconchegar nos teus seios e pescoço
dormir ouvindo de mim mesma 'como eu tenho sorte senhor, como eu tenho sorte'
e sempre escutar de você que tudo passa,
que tudo tem jeito
eu ia dormindo mais calma, e você sempre dizia que não havia razão pra ter medo de mim...


mas teve.

eu sou dois olhos
uma boca
um nariz
e um coração partido...quem é você? Quem é você agora?