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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Não tem nenhum monstro.


Deitada. Em cima da tampa do poço, é o melhor lugar da casa. A tampa é de um poço que havia há muito tempo atrás na cozinha lá de casa, hoje serve de mesa de quintal. Olho para o céu. Um poço que eu nem lembro se era usado, que eu nem lembro se tinha água. Pisco. Há uma mudança radical da casa naquele tempo e da casa hoje, havia varais em cima do poço e em cima da tampa havia eu, eu dançante. Abro os olhos. Dançanva num show perigoso de "se essa tampa quebrar, você vai parar no fundo do poço." Nubla-se o céu. "No fundo do poço?", eu perguntava metida, "É. No fundo do poço.", "E o quê que tem no fundo do poço? É só vocês mandarem uma corda e esperarem eu subir!", dizia em tom que a irritava, "É tão fundo que você cansaria de subir e é escuro...já tentou ouvir o que tem por de trás dessa tampa que tanto pula?". As nuvens vão se juntando. "Nunca ouviu nada? Ás vezes eu ouço a água balançando, repare Fernanda." Pisco devagar. Lembrei! Nós colocamos mesmo os ouvidos na tampa do poço. "Sabe-se lá como é o escuro e silencioso fundo do poço né?", "Por que? Alguém mora lá em baixo? No escuro?", "Quem menina?!", "O monstro que você falou!", "Que monstro?!".
Desconfio que talvez chova. "Não tem monstro nenhum, acredite em Deus menina.", "Tem sim. Você já não ouviu por de trás dessa tampa?", "Ai meu Deus!". Reparo passarinhos longes. Noto, logo depois desse episódio eu nunca mais deixei de entrar na cozinha desconfiada.
"Vai saber se um dia o monstro não aprende a achar a saída do poço no escuro, e eu me deparo com ele bem aqui sentado na pia de pernas cruzadas tomando café com chifre de vaca." Segunda-feira ainda. Não tem mais poço na cozinha, a tampa que servia dança hoje é apenas reaproveitada, alguns domingos até serve carne. Ás vezes me deito em cima da mesa redonda, dançar nela hoje me cansa. Olho para o céu. Imagino se os pássaros não são bruxas em vassouras voadoras, estão tão longe afinal de contas que podem muito bem não passarem de pontos pretos flutuantes no céu. Pisco rápido. Olho para o céu, para nuvem, duvido que são passarinhos. É. Vai chover. Suspiro... "Alguém mora no fundo do céu?"

domingo, 24 de outubro de 2010

Aguaceiro danado.


Quem não esteve na capital em julho (período de férias para alguns) se espantou ao voltar, e perceber que a fumaça estava por todos os lados. A cidade estava coberta de “névoas” que mais parecia um filme de terror. O horizonte da cidade, de onde se viam planaltos de curvas verdes e inalcançáveis, agora estava devastado pelo fogo insaciável que iluminava as noites e dias da cidade e queimava a consciência do cidadão abafado.Desde agosto, passamos por um período de seca extremamente conturbador.

Perceptivelmente, neste período de sol “rachando”, é de se observar que nas rotatórias os jatos de água estão sistematicamente a encharcar não só as gramas como os asfaltos, enquanto em alguns bairros a água da população nunca chega.

A justificativa da assessora de comunicação da Saneatins (companhia de saneamento do Tocantins), Jesuíta, responde que “os jatos de água nesses jardins e rotatórias, a Saneatins não tem nada a ver, isso aí é da prefeitura, a prefeitura que faz a captação de água, e a captação não é feita no mesmo local de captação de água da Saneatins.”

O engenheiro civil da Saneatins, José Vicente Marino, já havia alertado em setembro sobre possibilidades concretas de racionamento de água na capital. Os mananciais dos rios estavam cada vez mais ameaçados, e caso a seca continuasse, os rios Brejo comprido e Água fria estavam seriamente em riscos de escassez. Segundo o engenheiro, a Saneatins também fez investimentos grandiosos ao dar andamento às obras que chegassem as margens da TO-050 para bombear a água do rio Taquaruçu. “É a fonte que temos com mais disponibilidade para abastecer a região norte da cidade”, disse. Acrescentou também que “devido a seca, a umidade do ar, e ao calor que aumenta neste período, as famílias consomem mais água, consequentemente, acabam tendo um talãozinho um pouco mais caro neste período.” Joaquim Maia, gerente do pólo de água e manutenção de Palmas, disse que a prefeitura retira água do lago Sussuapara e afirma que a água não é tratada e nem fornecida pela Saneatins, comenta mais tarde que até era, mas devido os susurros reclamões da população, boicotou-se.

Nesse “ping-pong” de culpas, a prefeitura pronunciou-se apenas com um comentário: “A única responsável por todo tipo de fornecimento de água na capital é a Saneatins.” Nos deixando num mistério que só cessa quando chove de novo.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O rubi




“Minha ilha, quando cheguei quase afogado, salvo pelas sereias, descobri seu mundo fantástico e decidi que seria o lugar ideal para esconder meu melhor tesouro. Na verdade fui salvo pela ambição, eu tinha algumas esmeraldas. As sereias disseram que precisavam das jóias para atrair um navio de marinheiros surdos. Fizemos um trato, eu lhes entreguei as jóias, elas me deixaram na praia. Mas como eu ia sair de você sem um barco? Havia a condição de que eu nunca te dissesse como cheguei ai, disseram que eras uma megera e que seu ponto fraco era ser curiosa, me deixarias vivo enquanto eu não contasse como consegui te invadir, por isso, nunca contei. Percebi que elas faziam questão demais para eu não te dizer como cheguei sã em você. Ficou óbvio que elas perdiam alguma vantagem com isso, então as ameacei em terra de lhe contar, dizendo que morto de qualquer jeito eu estaria se não tivesse um barco para voltar. Por isso o barco chegou sozinho aquela manhã. Pode julgá-las traiçoeiras querida, mas sobrevivi por ambição e vivi pela curiosidade. Não acho justo culpá-las por inteiro, já que se você não fosse curiosa, eu teria saído daí muito mais fácil do que entrei. E mais, eu não considero sua curiosidade um ponto fraco, pois não assimilo como pode ser fraco algo que me salvou do seu medo de ser invadida. Tive medo de que não voltassem, na verdade, tive medo que você perdesse a paciência. Juro que acho que voltaram só por causa de mais jóias, elas adoram seduzir. És fantástica querida ilha, nunca conheci alguém tão fascinante. Não te disse, porque temi uma tempestade negativa, mas... enterrei meu rubi em você e pretendo desenterrá-lo.

De seu Intruso fiel."

A ilha pensava que governava tudo que crescia, prosperava, secava e morria (e saia) de si. Acreditava que as coisas apareciam se apenas quisesse ou buscasse. Naquele dia o céu estava metade azul bem brilhoso e ensolarado, metade nublado bem apagado, supôs primeiro que talvez ele tivesse entrado de balão. Entretanto, lembrou-se de seus canhões, alguma coisa dera errado na perfeição de suas armadilhas. Não houve nenhum “atirar fogo” descente, e curiosa, se ele era sortudo ou esperto por ter entrado, pestanejou cética em busca da resposta. “Uma blasfêmia!” afligiu-se. Teria esquecido a chave da porta de chances em algum lugar? Por razões indiscretas de entender como nela, ele conseguira habitar, resolveu escutá-lo. E ele a falar, fazia a porta se abrir mais e mais, e as chances de saber onde estava a chave, e se foi pela porta que ele chegou, continuavam nulas. Os dois passeando pelas vegetações que eram a própria ilha, conversavam sem demonstrar medo. Ela sabia bem do seu potencial infalível de excomungar, era habilidosa quanto a hora de logo logo fechar-se e trancar-se para sempre. O intruso de certo modo, era seguro ou fingia muito bem, e isso não incomodava a ilha, pelo contrário, era bom. Contava muitas histórias, chegava a distraí-la de tal modo que se esquecia de procurar a chave ou a resposta de como ele conseguiu invadir. “Deve ser um pirata” julgou receosa, “meus tesouros, paz e sementes quer roubar!” acusou-o em pensamento quando percebeu que já pareciam amigos. Então, a ilha precisava descobrir seu ponto fraco, pois não descobrir fazia com que os dois estivessem no mesmo patamar e fossem amigos. Foi num dia de céu inteiro, sem metades, que ela começou a falar menos, num jogo cínico para fazê-lo falar mais. É que sutilmente encontrou que de silêncio ele pouco entedia e pouco queria entender, isso incomodou os dois. Garantiu-se esperta e retomou as perspectivas de descobrir sobre a invasão e expulsá-lo finalmente, mas percebeu que para isso, haveria de ser mais presencial ainda. “Uma vez beijado, duas vezes desperdiçado” aconselhou a sereia que repousava em suas areias na terça e na quinta por um bom solzinho. A ilha não gostou muito do conselho, sempre achara aquelas mulheres peixes dissimuladas e cruéis demais. Elas eram cheias de regras, de liberdade, de amor nunca encontrado, em busca de tudo! Por simplesmente nada. A sereia que tomava sol na segunda e na quarta, aconselhou a mesma coisa em outras palavras “Seja e crie mentirinhas, garanto que ele te conta de uma vez.” Confusa, a ilha deixou de se sentir ilhada pela primeira vez, o que a ariscou e tornou a presença do pirata intolerável, tornando a sugestão do beijo em beijo de uma vez. Não adiantou muito e nenhum dos dois comentaram sobre o fato. A única coisa que mudou foi que um navio apareceu pela manhã. “Por mil anjos caídos do céu, que diabos este barba azul quer aqui?”, reclamou a ilha, temendo que já fossem outros. “Chegou!”, ele disse feliz quando avistou a caravela, “Posso partir agora...”, “É seu?!” pestanejou a ilha irradiante. Pode ser que o motivo do pirata nunca ter cedido o que realmente queria não existisse, por isso nunca seria encontrado. Ele queria conhecer a ilha, compartilhar suas viagens, e se sua missão fosse roubar alguma coisa, com certeza tomou outro rumo. Do bolso, com as mãos infestadas por alguns grãos de areia, ele entregou um rubi bem arejado e antigo, brilhava como o pôr do sol. Falou que era um dos seus tesouros mais fáceis de guardar, e difícil de ser roubado. Não que nunca tivesse sido roubado, até havia sim, mas sua ligação com a pedra era tão harmoniosa e íntima, que o destino trouxe de volta para suas mãos. “Bonito.” devolveu a ilha intimidada por vermelho tão violento. Ao mesmo tempo que ainda queria respostas, queria que ele fosse o mais rápido embora. Despediram-se, por incrível que pareça, com seus melhores beijos. Dias depois, o mar calmo, as sereias sorrindo e contando sobre a última festa na praia das tartarugas, chegou uma garrafa recheada de papéis.