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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

o chão continua periodicamente limpo

Desde os tempos das balas de prata, é sobre fantasmas que eu sei conversar. É sobre eles que eu falo e suspeito. Eu os sinto por perto. É deles inclusive que tenho medo do abandono. É tudo tão ao mesmo tempo que não da tempo de ter uma ideia exata se tenho medo por tê-los por perto ou se tenho medo de sentir falta deles por me sentir sozinha. É confuso, mas de certo modo eu me acostumei a estar acompanhada por eles. Me pergunto as vezes porque eles não são capazes de me dar pistas mais concretas sobre o porão. Continuo cavando esse buraco mais e mais fundo, sendo observada por eles ou não. O que eu sei é que até um tempo atrás, não sabia muito bem porque cavava. Mas cavava com medo e escondida. É sempre essa compaixão inerte que pulsa, minha espinha tem poder de ordenar e fazer ter certeza das coisas que eu faço. Minha moral é muito grande. As vezes eu não consigo conviver tanto com ela, quanto mais eu cavo, mais eu encontro tantos erros que podem ser reaproveitados enterrados. São tantos que um dia pretendo compreender... por que os caminhos da vida são tão longos no inicio? A estupidez ganha um espaço grande demais no terreno intocável da minha areia. Uma paz estranha senta na minha calçada, mesmo que eu esteja em pequenos voos, em pequenas quedas, entrando e saindo. Me pergunto até que ponto sou eu mesma que esteja escrevendo minha própria história. E se for uma linha fina e obscura do destino puxando um grande fio no meio da minha cabeça? A realidade é tão estranha, não tem tempo, nem quadrado, nem parede. É por isso que eu continuo cavando. Busco a vida inteira por esse momento, eu consigo. Mas essa precisão de continuar cavando o buraco cada vez mais fundo, mesmo que muitas dúvidas continuem pelo jardim... algum dia... o sol nascerá mais claro com todas as explicações que talvez um pedacinho de mim ainda queira?! Eu sou mais torta, mais fora do eixo. Quantos anos haverão de chegar para que eu compreenda que espécie de sentimento era esse que me ordenava coisas, caminhava comigo e ainda respira ao meu lado. Ando escutando o barulho daquele chaveiro se quebrando, do cavalo correndo sem a cabeça, da porta daquele carro batendo, da chuva caindo de repente, do grito e o choro. Agora que você é assim, pode me responder se o tempo mostra que algumas coisas sempre estiveram lá? Ou elas sempre existirão? O meu estado é crítico quando paro pra pensar infinitivamente em qual seria a culpa que ainda me impede de dizer as coisas que eu nunca descobri. As coisas que eu pensei que seriam mais fáceis de descobrir com o tempo, escritas em um papel que nunca basta. As coisas que me transformam pra sempre, agora, nesse minuto e amanhã sucessivamente. O que é que pode realmente me machucar? Talvez se eu descesse no porão poderia tentar entender para dar um passo a frente e ai quem sabe descobrir que não é nada demais. O problema é que esses dias eu percebi que sou apaixonada por tudo isso. Apaixonada pelos detalhes e minúcias. E não é atoa que eu prefiro manter tudo intacto aqui dentro. Intacto pra nunca precisar descobrir o presente. Agora eu sei que quando estou dormindo, estou pintando todas as paredes desse museu que eu guardo dentro da minha cabeça. Quando estou dormindo estou lá, e nunca estou disposta a deixar que o museu dê aranhas, nunca deixo que as luzes se apaguem, e estou sempre de olho nas falhas da instalação, na poeria das janelas e observando se o chão continua periodicamente limpo. A verdade não dói mais, mas é absurda. Revela uma construção que cresceu em mim, enquanto eu dormia sonhando que no fundo eu nunca estive disposta a deixá-la. Eu não quero esquecer. É no museu que posso ter uma garantia de que talvez esteja sendo observada e em companhia pra sempre.