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domingo, 17 de agosto de 2014

Quando visitei sua casa pela primeira vez...

Eu gosto de sujeira, ela sorriu meio tímida e pensativa, como se tivesse chegado aquela conclusão naquele exato momento, ou como se quisesse me ver impressionada, ao responder, naquela cachoeira, sobre eu ter lhe chamado atenção sobre como ela andava abraçada com o desleixo esses dias.                                   
Lembro-me de quando visitei sua casa pela primeira vez na vida e me deparei com tanta sujeira que de súbito imaginei a minha mãe constrangida diante daquele lugar, gritando como louca extremamente perturbada e falando alguma coisa sobre como a bagunça representa muito das pessoas. Fulana é porca, já percebeu?! Cruzes!                   
Depois de algum tempo, meu costume passou a ser o de me adaptar com aquela sensação de chegar à tua casa. Em um dia de chuva eu poderia descobrir que ela teria goteiras, em outros que dava sono, colchões sempre pela sala, outras vezes que eu podia encontrar comida, pessoas, gargalhadas...mas a única certeza que poderia vir comigo no caminho de ir a tua casa, era de que sempre eu haveria de ter novas sensações. 
Eu veria alguma coisa na parede que nunca havia lido ou me admirado antes, alguma arte, verso, cor, um cachorro, um gato, a putinha anarquista correndo de uma maneira diferente, pra um lugar diferente, toda diferente! E encontraria pessoas novas, alguma poesia, uma festa, alguma coisa que esparramaria todas as minhas regras e pingos nos “i”’s pelo vento.  
Apesar de gostar de tudo limpo e me manter amiga da organização, com você, acabei guardando sensações estranhas contra a limpeza total. É que das vezes que vi a tua casa extremamente limpa, tuas conversas e planos eram de uma pessoa cansada ou aflita, então era como se enquanto você falava triste, enrolando um de seus cachos, naquela casa extremamente limpa, eu desejasse que a casa nunca estivesse extremamente limpa. Quem sabe mais ou menos, ou com alguma louça na pia, materiais do seu trabalho pela mesa jogados.
Aprendi que nunca vou me acostumar com a sua casa (não que ela não me faça bem), mas apenas que é uma casa muito engraçada, e isso que vou dizer deve ter tudo a ver com o meu gosto estranho e sofrido pela filosofia, mas a única coisa que eu posso me acostumar da sensação de ir a tua casa, é que ela sempre será (ou me despertará) uma provocação.
É parecido com a forma que tua alma pode provocar a minha. Despertando estampas novas, de tal forma que ás vezes é praticamente impossível, por exemplo, eu querer enxergar na tua bagunça, específica, um bando de sensações ruins, distribuindo conceitos construídos, tontos e soltos numa harmonia que sempre cresce tão florida e espalhafatosa, no que eu chamo de tão formoso vínculo que me liga a ti. 
Sabe... as vezes até me pergunto se minha relação contigo não se trata de um interesse egoísta do meu espírito precisar experimentar novos efeitos de quando a vida costuma estar um tanto blasé... Mas pra falar a verdade, isso nem interessa... sei que o afeto começou na baderna (isso pra alguns, inclusive, é pura bagunça!) e caminhou por aquelas flores que foram ficando fúnebres, num verão onde o chão apavorava e a grama era pública. E o afeto foi se mantendo como um novo sentimento de casa, como se a rua de repente me trouxesse conforto naquela louca, uma loira, das tatuagens, cheia de cicatrizes, que tem altas festas na casa, que costura, aquela mesmo das camisetas e dos vestidos bonitos, do cabelo enroladinho, isso! Aquela maluca lá da bicicleta, sempre tão atenciosa, que se exprime me espremendo, em agarros de abraços, beliscos nas bochechas e beijos inesperados de uma pessoa que realmente perturba nossas melhores qualidades abertas e pinta nossas falhas com tintas envergonhadas que nos fecham, nas vezes que se enxerga todas as minúcias da bondade natural nos cuidados e sentimentos pelas pessoas que estão ou passam pela tua vida. 
Numa coisa sempre poderemos concordar... o problema do mundo sempre será o ego. Entretanto o que te fazes gostar tanto do pássaro azul, se mesmo bonito e pura gaiola de poesia, alguns azuis, (reconheça!) Tem tons de tristeza, medo, frio ou mesmo orgulho... Isso de alguma forma não pode combinar com as risadas que a vida arranca das alegrias e verdades das nossas histórias, mas talvez esteja onde o teu gostar não pode te dizer as razões...   
Eu sou sozinha, eu sou sozinha! Você enfatiza pra problematizar alguma história. O que essas pessoas tão achando, cara? Você se indigna pra se desconstruir daqueles estereótipos. Eu tenho pena e dou risada de quem se apega, você me fala como se não fosse nunca tão sentimental. Você é assim por causa do seu signo! Me determina descarada. Você dormiu bem? Me pergunta sempre tão preocupada. Um dia eu quero chegar ao seu nível! Você sempre brinca desorientada. Eu sou mais esperta do que eu, se descobre e morremos numa gargalhada.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Eles venceram, idiotas somos nós.

Um entra e sai danado, você todo animado. Casa cheia, casa vazia, “tudo vermelho na rua!”, você dizia. Eu fazia meus desenhos sem saber de fato o que tanto acontecia, minha irmã sempre atenta a teus passos, brigando na escola, com fitas nos pulsos, bonés, risadas. “Pega essa estrela pra ti, colabora!”. 
A cidade dividida entre o azul e o vermelho, entre a direita e a esquerda, entre o homem de barba e a mulher carismática. De um lado diziam: “Um véi desse, um véi desse maconheiro!”, do outro confirmavam: “Uma puta falsa dessa! Ela abraça e beija os pobres e se lava com nojo depois! Eu disse SE LAVA COM NOJO depois que eu conheço!”.
O portão não parava de abrir e fechar, eu já sabia pela cara da mamãe que a casa só seria casa depois que aquela doce loucura fosse embora. Nossa casa era uma casa agora, muito engraçada, era uma casa só de brincadeirinha. 
Eu, magrelinha, no coração dos recreios, onde poucas pessoas eram estrelinhas, na saída vi uma muvuca na frente da escola. Eram pessoas entregando jornais, propostas, camisetas, críticas, piadas, panfletos, santinhos sem igreja, adesivos... de repente, alguns alunos trocavam ofensas, xingamentos, gritos, brincadeiras, e um carro grande começou a passar cheio de gente vermelha, numa rua declarada explicitamente azul que começava uma vaia sem parar. 
Antes que eu me perdesse naquela multidão e misturasse o vermelho e o azul até virar roxo, Nina segura minha mão um pouco brava com as vaias e rapidamente grita em apoio ao carro de gente vermelha: “É isso ai! É isso ai seus idiotas! É isso ai!”, puxando sua estrela do peito e mostrando pra geral. Ao sermos vistas, somos aplaudidas por todos do carro, e todos do carro nos elogiam e fazem festa, até a rua acabar. A ameaça das vaias se intimida e olho pros lados e a tia dos chicletes também era vermelho, e nos abre um grande sorriso que me consola num sinal de proteção. 
O senhor chegava emocionado de um discurso, uma hora “o povo é o povo”, outra hora “o povo é burro”. O senhor chegava apaixonado pela coragem que venceu em um microfone que te entregaram no palanque, “o povo aplaudiu mais de 20 minutos!”, “os políticos me colocaram pra falar sem me avisar nada, esse povo é doido demais”. O senhor que não chora, estava pintado de emoção todos os dias contando daquele espírito que tomou conta da multidão, "a voz de deus é a voz do povo!". 
Não me lembro se existia nossos irmãos, nem o que lia na escola. Tudo agora era a rua, tudo agora eram aquelas cores e o que você falava, e as praças, e os loucos, e o povo, e o povo. Que importante pensar na cidade, que importante saber que eu sou a cidade... minha alma entre as grades, minha alma entre qual a diferença dos lados? Desenhava, desenhava... o senhor chega gritando “A cônego João lima inteira por conta própria! Por conta própria na música da Daniela Mercury! Loucura!”, imaginei a cena e me senti tão comovida quanto. 
Quando estava chegando perto de toda aquela loucura acabar, o cansaço, a dúvida, a certeza, a fé, o medo e as teorias ocupavam todos os lugares da cidade. No último dia, além de muito lixo, havia uma história de "tem caixinha de fósforo com 100 reais dentro", "doaram cestas recheadas de comidas e remédios a madrugada inteira com promessas e ameaças", e os teus sumiços pelas portas com outros homens vorazes para os lugares mais distantes da cidade. 
Quando tudo acabou, foi a tristeza mais estranha que parou na porta e dentro da nossa casa. Foguetes eram soltados sem parar.
-Isso é quase uma alegria de festa, né? - eu balançava na rede desorientada.
Nina emburrada ficava calada e parecia cada vez mais irritada com os foguetes, eu me preocupava.
-Se você quiser eu grito "idiotas!" pra esses vizinhos.-  tentava fazê-la se sentir melhor.
-Não adianta, acabou Nanda. Eles venceram, idiotas somos nós.
-Agora que eles venceram, não pode continuar ser loucos assim... igual tava?
-Não.
-Onde é que tá o papai? Será que ele chorou? - eu perguntava tentando imaginar.
-Você não entende nada, você não sabe é de nada. 
E tirava o boné vermelho toda triste indo pra sala.

(Para o dia dos pais, da filha lunática e anarquista.)