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domingo, 26 de julho de 2015

Quando me dei conta tínhamos percorrrido quilômetros de dedicação.

Contigo vejo a vida como uma comédia trágica. Eu rio, eu choro, eu to ruim, eu to ótima! Eu to num roteiro de cinema, num cavalo que eu resolvi subir com todo meu idealismo e seguir sem fim. Uma Dom quixote a procura de pintar qualquer coisinha que acontecer, qualquer coisinha que eu ouvir e qualquer pessoa que eu conhecer, com a tinta de uma grande aventura. E de aventura a aventura, eu vou pincelando a vida da cor de uma fantasia que a vida real deixa de parecer ser um acontecimento cujo a gente seja obrigada a viver. 
Você está exatamente ai, quase uma Sancho sem nenhuma pança. Você está sempre por perto. Subiu num cavalo que estava do lado do meu, e começou a sorrir, fazer imitações e telefonemas. Quando eu me dei conta, tínhamos percorrido quilômetros de dedicação, quilômetros de manias e confidências, quilômetros de lances que com você o riso era certeiro. Eu não vi você chegando, nem nos corredores, nem nos ônibus, e aonde você chega é claro que as pessoas te veem, porque você é muito bonita e trabalha com isso. Mas será que todos sabem o que eu sei? Beleza é realmente algo tão relativo às vezes...E o que chama a atenção de uma pessoa, nem sempre é o que chama a atenção da outra.
“Deixa de ser produto da mídia, evolui!”, eu dizia quanto as suas preocupações. “Tá parecendo uma gralha! Não tô dando conta de acompanhar”, você me dizia quando eu disparava a conversar. E quem diria que aquela brincadeira que adentramos por motivos diferentes, fosse argamassa para a construção de uma amizade tão sólida e singular como essa que temos agora. Essa que sorri da impotência que a distância tem no nosso percurso, no roteiro, nos comentários tão vivos, nas paranoias e piadas mais sórdidas e clandestinas... apaga, apaga. Nessa, que você é presente e demarca território. É claro que cada amizade tem sua particularidade, cada amizade tem suas insinuações... Mas você é terrível! E com você eu sou incrivelmente humana... Você está naturalmente em quase tudo que eu acho engraçado, em quase tudo que eu brevemente necessito para ser pervertida, pra me sentir menos hipócrita e você brinca e exorciza meus monstros e me faz sentir sempre tão útil, tão especial, tão sagrada pra mim e pra você... agora! E amanhã sem falta, sinto que podemos percorrer qualquer caminho. Você não tem preguiça de gostar, de inventar, de enfeitar e de provar. Acaba que tudo fica mais leve com suas besteiras pesadas. E eu adoro notar até onde chegamos, adoro como tudo se adapta e o ritmo que a gente cresce. Nossa intimidade passada dos limites, os surtos. Algumas poucas vezes eu não sei o que fazer contigo... e a gente até brinca que se a vida não fosse tão trágica e comédia, ao mesmo tempo, se a vida não tivesse os limites que ela tem e não dependêssemos tanto do que a gente prefere, tudo isso merecia um belo pedido de casamento. Eu sou doida? 
Tiro a roupa e vou entrando na fogueira, eu te chamo pra dançar dentro dela. Por que com você eu nunca tenho medo de ser eu mesma, companheira? Você faz seus passos, pede para que eu te ame menos, mas com você minha grande amiga, eu viro uma verdade, uma fera ferida, uma mansidão, um choro, a testemunha de uma relação peculiar e corajosa, e o melhor... com você eu posso ser desgraçadamente podre, sim. Até isso eu posso ser. 
Magá, que coisa mais sem graça seriam os capítulos da minha história sem tuas surpresas, ideias geniais e novidades, que coisa mais sem graça seria não ter te conhecido mais a fundo e te mostrado minhas qualidades e defeitos... aliás até neles, me sinto mais capaz de superá-los com suas observações. Sempre foi difícil pra mim te escrever um texto, mas você simplesmente faz parte, caminha ao lado, reclama, diz o que acha, me passa trotes, apronta, se cansa, me xinga, disfarça, completa minhas piadas e eu fico boba...  nossas máscaras simplesmente não existem quando estamos juntas. Obrigada por me fazer sentir e dizer naturalmente: Eu te amo e cresço com você.




quarta-feira, 1 de julho de 2015

O pacto de que era proibido falar de amor.

Sem falar de amor, nós sempre reclamávamos de que não tinha nada pra fazer. Construíamos nossas casinhas, casávamos, eu com o rodo, a Nina com a vassoura e era festa pela casa inteira, dávamos nomes às bonecas, fazíamos comidinha, até que tudo perdia o sentido. Enjoávamos de estar casadas, nos divorciávamos do rodo e da vassoura no quintal mesmo, e jogávamos os nossos filhos no fundo do baú de brinquedos.
Decidíamos então que nossa brincadeira preferida só podia ser escolinha! Organizávamos as cadeiras, os diários, e dávamos nomes aos livros! Nossa escola ia ensinar a casa inteira! Papai chegava e brigava “Não quero ver mais nenhum livro meu rabiscado, ouviram?”. Até que enjoávamos de ensinar tanto aluno que não podia ter nome, tanto aluno mudo! E pulávamos para a rede numa série de apostas do ‘eu duvido’.
“Eu duvido que tu balance tão alto a ponto de triscar os pés no teto!”,“Eu duvido que tu é mais rápida do que eu!”, “Eu duvido que tu é mais forte do que eu!”, “Eu duvido que tu tem coragem!”
Parecia ser muito importante disputar desde a hora que se acordava até a hora de quem ia apagar a luz do quarto. Por algum motivo desconhecido, ter os mesmo pais, às vezes é motivo de guerra.
Quanto tempo demora pra compreender que o barato da vida mesmo, é quando descobrimos que eles são indiscutivelmente imperfeitos? E que mais legal do que isso, só mesmo quando temos uma pessoa do nosso lado que descobre as verdades, e o mundo junto com você? Que descobre os defeitos dos seus pais junto com você, que gosta da letra mais do que da música, que te desafiou a ficar debaixo da água, sem respirar, por mais tempo, que saiu da brincadeira porque menstruou primeiro, que sabia como ninguém do pacto. O pacto de que era proibido falar de amor.
Por algum motivo desconhecido, ter os mesmos pais, às vezes é mesmo motivo de guerra. “Vocês são irmãs, tem que ser unida!”. Proibido falar, sentir não. Ainda bem que as regras estão aí muitas vezes para serem quebradas. Quebradas como os teus dentes Nina, os três que eu quebrei. Ou o único que eu quebrei três vezes? Sei que duas vezes foi sem querer e uma sem querer querendo. A vida, eu e os teus dentes... somos muito frágeis.
Houve um tempo mesmo, em que brigávamos antes de ir à escola, na hora do almoço, no teatro, na natação, no meio da rua, na entrada e na saída dos lugares, pelo direito do maior lado do guarda roupa, pelo direito de quem não lavou o banheiro e a louça, pelo direito de andar logo no banheiro. Houve um tempo em que tudo simplesmente se resolvia com a cartada final do: “EU NÃO VOU MAIS BRICAR! E SOLTA MEUS BRINQUEDOS AGORA!”
Ainda assim, é impossível não se lembrar da união. A vida é frágil e insaciável. Éramos capazes de nos unir e transformar o nosso banheiro quebrado, por exemplo, em uma mansão enorme dentro das nossas cabeças, com uma banheira de espuma imaginária, ainda maior. Depois enjoávamos. Mas nos uníamos de novo, pra transformá-lo em uma fábrica de coleção de copos de iogurte! E ai enjoávamos de novo, pra nós unirmos novamente e criar um clubinho em que menino não entrava. Mas, quando percebíamos que nem conhecíamos meninos suficientes para impedi-los de entrar, o jeito éramos quem sabe virarmos pagãs... Bruxas! “Somos bruxas Nina, e nosso banheiro uma garagem de bruxa, vamos pendurar uma vassoura nessa parede e encher isso aqui de aranha e morcego! É isso que a gente é! Confia em mim...”
Um dia o banheiro foi consertado, e as vassouras na parede deram aranhas de verdade. Então o banheiro voltou a ser só banheiro mesmo. Vai entender nossa união e concorrência, vai entender essa vontade de ser alguma coisa todo dia. Quanto tempo leva pra saber que faz todo sentido a frase “Irmã tem que ser unida”? Ninguém melhor do que sua irmã para embarcar na feitiçaria, voltar junto da escola chutando uma pedrinha pra não perceber quanto tempo ainda falta pra chegar finalmente em casa. Ninguém melhor do que sua irmã para sorrir das mancadas da sua mãe. Ninguém melhor do que sua irmã pra ver seus irmãos menores cometendo os mesmos erros, manter as mesmas disputas e ter as mesmas crises e viagens de infância que tivemos.
Bom mesmo é quando descobrimos que não precisamos mais do ‘eu duvido’, bom mesmo é quando descobrimos que não somos melhores, nem piores que a outra... somos irmãs, o importante é que realmente tem que ser unida, somos um relicário imenso (daquela música que amávamos cantar juntas!) e de um amor que não precisa mais ser proibido. E já dizia Nando Reis, te amarei de janeiro a janeiro, até o mundo acabar. E quem sabe, construirmos tudo de novo...