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domingo, 23 de dezembro de 2012

Um bando



Na geladeira nada derrete. Ela funciona guardando o caminho de todas pra se manterem cheias. Há boatos de que algumas coisas lá dentro se perdem, mas até agora nada foi abduzido. Tudo está sendo aproveitado da melhor forma possível, nós até dividimos. 
Com o recesso perderemos  duas ou três coisas, deduziu-se mais cedo isso, porque algumas de nós sempre pensa no futuro, outras na refeição, outras ainda choram de saudade do estado. 
Tudo bem...a geladeira se esvazia, desperdício é que é chato, dinheiro gastado é que é chato. Com o calendário acadêmico novo que ganhamos da greve, estúpido por sinal, também foi o tamanho da intimidade que criamos em poucos dias pela cozinha. 
Uma não fala mais com o pai e não sabe quando vai perdoá-lo, a outra tem sotaque e namorado mas repete que só casa depois dos 30, uma chora de saudade de casa todos os dias mas tem certeza que realizou seu sonho, a outra deixa que todos peguem o seu sal emprestado com um simples sorriso mas se a unha quebra já era, é o fim. Tem uma que quase não dorme aqui e dizem que lá fora usa piercing no nariz, a outra precisa dar satisfação de hora em hora porque agora é a distância e ela é bonita demais pra ele não ser ciumento. E tem uma que acho particularmente durona, e por incrível que pareça: ama pipoca doce. Ela é a dona de uma pipoqueira. 
Nossos nomes são cravados nos alimentos, vasilhas, vidros e plásticos. Algumas deixaram sem nome porque simplesmente todas colocavam. Temos uma chave pra abrir a geladeira, temos um número no quarto, nos encontramos na sala de TV, perguntamos todos os dias em que lugar o sinal da internet não está raro, e da fala de uma pra outra nascem mil piadas e sorrisos, como se nos conhecêssemos há muito tempo e metade de tudo aqui não fosse alugado. Os esmaltes nos ligam frequentemente, todas almejamos por unhas feitas, algumas destroem descascando as cores antes do final natural, e curiosas entramos em discussão sobre os tais nomes dos esmaltes. 
Essa semana foi indo embora uma por uma, e três talvez não voltem mais. Ainda existe vestibular? Existe. Só não fazia mais parte da minha realidade,  e foi ai que eu vi que o meu andar é mais em cima, mas que lá embaixo a ansiedade continua a mesma, o choro, a vela, o medo, a coragem. E se? Elas vão superar.
Formamos um bando, uma liga, uma irmandade de meninas de família que estão longe da família. Juntas, é mais fácil encarar o tempo, fomos ligadas por causa de uma geladeira e sutilmente a vida sempre prometerá despedidas. 

(Fê mora num pensionato agora, e fez 7 novas amizades onde mora, está de ferias e teme que 3 delas não voltem no ano que vem.)