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quarta-feira, 11 de junho de 2014

Estando com elas em maioria.

Algum tempo atrás que até hoje não parecia ser tão-tão distante, éramos três colegas de curso, agora as duas estão casadas. Hoje nos saímos pra comer alguma coisa, hoje saímos pra eu compreender que não temos mais nada em comum e que estamos terrivelmente desligadas pra todo o sempre. Talvez, a única coisa que nos una seja a saudade, algumas lembranças inesquecíveis de amizade verdadeira e quem sabe uma pequena manifestação pra que continuemos acreditando que tudo pode ser igual. Elas estão consideravelmente felizes, eu também estou, aliás acho que essa é a melhor fase da minha vida. Suas bocas se mexiam sem parar, pareciam cansadas, falavam o tempo inteiro com preocupação do amanhã, enquanto eu escutava o que o cantor no andar de cima cantava e sentia alguns picos de pequeninas emoções no peito com os trechos da música, como uma adolescente descobrindo que alguém sente o que sinto, mas disfarçando  bem e balançando a cabeça num "sei como é" de não compreender e nem me interessar muito no que elas tanto falavam. Depois, elas contavam de seus maridos e inacreditavelmente o quanto o sexo não era tão esperado e inusitado, eu me engasgava com a coca cola, e rapidamente observei cada homem do local nu, me chamando de 'sua gostosa'. Sua. Minha. Gostosa. E me atrapalharam quando veio aquela pergunta "E você? Você pensa em ter filhos?", vesti os moços mentalmente e interroguei timidamente "Eu?!", "É, nunca vi você falando sobre filhos, você fala dos seus irmãos.", "Eu...eu não penso muito nisso." Na verdade eu poderia ter dito que eu não sonho muito com isso, que essa ideia parece bem distante, talvez até uma efêmera curiosidade, quem sabe um sopro criativo de ilusionismo proporcionado apenas pela imaginação. "Francamente, nem em um compromisso sério eu me imagino gata!", eu poderia ter dito isso também, mas não disse. O fato de eu não me ver junto se não dos meus sonhos e medos, de repente pareceria soar rebelde ou egoísta demais da minha parte, estando com elas, estando com elas em maioria. Talvez pudesse não ser aceitável, incomodar ou gerar uma frase de efeito de que eu vou mudar ou encontrar alguém que... não, não estaria pronta pra ouvir uma dessas. Mais tarde, me senti um pouco enjoada, precisava de internet, ler algumas zoeiras. Tentei sair da mesa algumas vezes, colocar crédito, me reanimar com alguma coisa doce, elas tinham muito assunto em comum! Uma sensação de desintegração tomou de conta de mim, vi uma conhecida de bares de passagem e abri um grande sorriso, olhava as horas, até que finalmente um dos maridos telefonou cobrando a presença de uma delas. Suspirei aliviada "Puta que pariu acabou!", "Vamos meninas? Marido ligou.", finalmente algo em comum!
No final houve aquela despedida e o quanto era bom se reencontrar mais a expectativa e sugestão de haver outro encontro, rapidamente imaginei outro homem que passava completamente nu, e como iria me distrair num próximo encontro caso não fosse em público. Antes disso, uma delas me perguntou se eu ia passar o dia dos namorados no banheiro com um vibrador, sem veneno, muito bem humorada inclusive e a outra até incomodou-se... respirei fundo e respondi que era uma ótima ideia, mas que preferia a sensação dos meus próprios dedos mesmo. Abriram as bocas assustadas, sorriram como eu de seus causos e maridos e fomos todas embora.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Instante

Quase sua boneca de porcelana, quase arrumada na estante, quase bagunçada, quase recolocada, quase caindo de novo...ah, meu senhor... meu senhor! Brinque comigo direito por favor, eu não me incomodo, porém me deixa, me solta, me larga caída no chão pelo amor de deus... me deixa cair e me despedaçar pelo chão, porque eu sou movida a quedas, eu sou movida a destruição. As coisas estão muito mantidas no lugar, isso não funciona comigo, eu gosto das coisas claras na escuridão... eu não consigo ficar vestida assim por muito tempo, você não percebe que os ventos querem que eu saia do lugar? Não percebe que eu não caibo aqui, que essas meias sufocam minhas pernas, que elas querem se abrir a todo momento, e que esse chapéu prende meus cabelos que querem sentir o vento? As outras bonecas meu senhor, as outras bonecas sentem tanto a tua falta, e elas querem mais espaço, elas também querem brincar, essa estante não me cabe, eu prometo não ir muito longe...eu só acho que estou pequena demais pra esse lugar. 
Eu escuto o chão me chamar, meu senhor. Você já escutou o seu destino? Ele atormenta e atiça de uma forma gostosa... tão gostosa que nem parece que nascemos pra morrer. Estou sedenta meu senhor, sedenta por estar em pedaços com meu destino...por gentileza, não é justo, não é com você, -Brincar de novo? Claro que vamos brincar, eu quero brincar pra sempre! Mas não aqui, meu senhor, confie em mim, eu sei que posso diverti-lo, eu sei que posso fazê-lo sorrir, existe alguma maneira que o faça se abrir pra mim, que o faça falar o que eu preciso fazer pra não estar mantida? Me tire da estante, por todos os instantes meu senhor! Ela suga minhas poucas vontades de estar viva, por todos os segundos, ela vai empoeirar logo-logo. Me tire da estante porque eu quero e preciso quebrar.