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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

As cores dos seres verdes que você criava e apareciam nas paredes brancas dos meus quartos.


Deixamos rolar, e rolamos juntos naquele quarto pequeno, num ritmo tão envolvente que parecia mesmo que estávamos seguindo por uma estrada e paramos exatamente no mesmíssimo lugar. Pude sorrir, te fazer cócegas covardes, conversar sobre espíritos, dor, a reação das pessoas, seus clientes, nossos amigos em comum, sua plantinha secreta, cores, cabelos, magreza, comida e parávamos de falar pra nos satisfazermos e depois desenhar, desenhar muito feito quando eu era criança e queria esquecer as angústias da vida debaixo de um pé de manga do quintal, inventando mil e umas histórias e mais histórias nos papéis que daquela época podiam ser mágicos pelas minhas mãos. Você me contava sobre os passarinhos, tinha iniciativas legais, respondia minhas mensagens sempre com soluções e fazendo acontecer algo, era discreto, legal, manso, carinhoso e um bom ouvinte.
O mais irônico disso tudo, é que você não sabe, mas foi a primeira pessoa que eu vi quando mal cheguei naquela cidade. Minha prima, uma que me mostrava os lugares,  parou num posto de gasolina, reclamou que não podia fumar enquanto o tanque enchia e de repente apareceu um fusca tocando uma música sinistra. Uma música que mexia com os meus sonhos de menina, meus desejos reprimidos pela santa inquisição, meus medos de virgemzinha que acabou de entrar na universidade e mudou de município, retirada do seio familiar para o mundo, uma música antiga, movimentada, clássica, música de trilha sonora de um filme de amor avassalador e rebelde dos anos 50/60, uma música rock and roll, uma música massa! E você desceu em estilo, com sua barba, óculos escuros, feliz da vida, alguma coisa boa deveria ter te acontecido, e eu ouvi a música em câmera lenta e me questionei se teria coragem de perguntar quem cantava. Você foi comprar alguma coisa na conveniência e eu gritei "Ei! De quem é esse rock, quem tá cantando?!", você abriu um sorriso e disse meio engraçado "Chuck Berries! É Chuck Berries!". E fui embora no arranco do carro da minha prima sem graça.
Você foi uma das primeiras pessoas da cidade que eu conversei. E por mais incrível que me pareça, a última que me despedi depois de seis anos morando ali. Não era amor, mas pode tá escrito. Nos conheceríamos no começo e no finalzinho, pra ser perfeito! Pra termos vivido várias coisas, quebrado a cara, o coração, nos metido em encrenca, nos descoberto, casado, separado, farreado, chamegado, e finalmente nos encontrarmos de novo pra falar do tal Chuck Berries e aproveitarmos tudo que sabíamos sobre a vida até ali.
E sem medo, sem chance de ciúmes, sem pensar no futuro, sem medo das diferenças e até se nunca mais nos veríamos, sem muitas perguntas, com algumas cervejas, sem joguinhos e ciladas, e muitos beijos, tudo que tínhamos era calor, solidão e por que não? Por que não?!
O Nando Reis chapado no palco cantava sobre amor o tempo todo e eu doida pra fazer micareta te achei outra vez. Dei meia volta, planejei um acaso do acaso e te cumprimentei meio raposa. Dessa vez já nos conhecíamos por amigos em comum. Você sorriu meio desconfiado, sempre tão educado, menti que alguém queria muito te ver e que eu sabia onde essa pessoa estava, era nossa amiga em comum. Você fingiu que acreditava e me seguiu sorrindo, sabendo que era uma mentira muito da mal contada. Te beijei ali mesmo no beco que te orientei, nem lembro que música tocava, mas foi mágico. E quando eu soltei, falamos quase juntos "fazia muito tempo que eu queria isso".
E dai em diante tesão eram as cores dos seres verdes que você criava e apareciam nas paredes brancas dos meus quartos. Você me perguntava como eu queria e aí eu me lembrava como não sei mais se o que eu queria tinha tanta importância assim pra ser explicado. As minhas pernas falavam em movimentos e suspiro, nossa intima solidão se encontrava feito uma equação perfeita de química, e eu imaginava que talvez seríamos dois seres verdes de planeta diferentes, daqueles que você desenhava, dentro de duas enormes naves espaciais que viajando pelo infinito universo, em viagens diferentes, por direções opostas, de repente, como o seu fusca, resolvemos parar.
Quem é que sabe se um querendo encontrar, o outro querendo fugir? Nos simplesmente acabamos parando ali e nos encontrando no meio do estradão, numa parada, feito o posto de gasolina e a música do Berries.
Nos conhecemos melhor, e ah...meus bicos duros apertados pela ponta dos teus dedos! Tua cara mansa, meu pescoço rendido, eu te puxo, repuxo, meus cabelos embaraçados, barba, saliva, desço, cores... tesão são as cores da tua pele pulsando forte em tão pouco tempo para os meus olhos criativos. Dentro dos desenhos que estão pelo teu corpo estava também o meu lamento de sempre não querer perder tempo de decorar e contar quantos tem e como são todos eles e todos os significados eternos cravados na tua pele. Eu só podia querer aproveitá-los como um vulto, características de uma alma que precisava lembrar e esquecer bem rápido, que invadia minha dança, subtraia os medinhos bobos de uma quase adulta se contendo pra não cometer nenhum erro de traumas da juventude inexperiente.
E dentro de uma correria, nossos encontros viravam a recompensa das minhas obrigações. Eu tinha um mapa, você não estava nele, mas eu estava certa de que precisava viver aquele momento, e você tinha coragem, queria viver esse pedacinho comigo, sem futuro, sem promessa, sem ligação, desenhávamos num rabisco só, pra depois nos preocuparmos com o formato que esse desenho iria alcançar. 
Deu vontade de dizer obrigada, obrigada pelo pedacinho que quis viver comigo, obrigada por não ter tido infelicidade, ilusão, cobrança, desrespeito e apenas maravilhas e uma deixa...deixa que minha passagem tenha te feito uma pessoa melhor, vamos nos lembrar como dois seres verdes. 
Como eu quero? Hoje eu me pergunto, com minhas pernas comportadissimas. Quem é que sabe se eu poderia correr o risco de dizer que com você... o universo, o espaço, poxa... é tudo tão infinito e a estrada um rabisco que eu mal comecei, eu nunca soube se a nossa direção não era a mesma, mas a parada sim. A parada era bem ali mesmo e ainda bem que rolamos juntos naquele quarto pequeno sem pensar no futuro, pois tudo que tínhamos era calor, solidão e porque não... não era amor, mas pode tá escrito.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A mais puta verdade é que eu amo suas mentiras.



Tu é falsa. Me sinto enganada e implico até com o fato de você não ter usado seus óculos por tanto tempo ao conversar e sorrir comigo. Você não se importava de enxergar o mundo embaçado? De não enxergar meu rosto como ele era mesmo? Essa bagunça da sua vida maluca sem horário, o próprio trabalho, seu jeito de não escolher roupa pra ir no mercado e só me por na garupa, o dinheiro curto... se você tiver que escolher entre você e o seu amor você ainda escolhe seu amor, né? Será que eu ainda te conheço? Porque eu perdi aquela sensação de que eu estava com a garota mais legal e cicatrizada da cidade, de que nos conhecíamos de outras vidas, eu perdi a coragem que sua independência me dava, mas ainda amo o timbre da sua voz com preocupação se eu havia dormido bem, se queria comer alguma coisa e como entramos em algumas ondas de repente...
Tu é ingrata flor. Tu nunca vai entender o que eu sentia por você. Eu te amo...mas, mil vezes ingrata! E agora você tem dois corações...
Não precisamos mais conviver nem conversar, nem precisa saber de mim, e até pra morrer você tem que existir... estou com raiva, outrora não estou, acho que fui punida demais, fui mais punida que todas essas outras garotas podiam ser. 
Tu é mentirosa flor. Devia mentir muito pra mim, eu sempre soube que você mentiu sobre algumas coisas, mas isso nunca me importou, porque o seu cheiro era de sabonete e você tem umas manchas de sol, sabe que é branca e vai envelhecer e nem se importa ou se preocupa de usar protetor. Além do mais as flores do seu braço nunca murcham, você é durona, mesmo sendo tão despedaçada as vezes e quando estávamos juntas com todos aqueles loucos, poderíamos voltar em qualquer horário pra sua casa, porque passávamos a ser donas do mundo, numa sociedade nada perigosa e criada por nossas mentes insanas, anarquistas, determinadas... até o caminho de casa, eu me sentia tão segura com você. Ai aquela casa... minhas roupas, perdidas e costuradas.
A mais puta verdade é que eu amo suas mentiras flor. Você me deixava mais segura de que eu podia ser desconfiada do jeitão que eu nasci. Suas mentiras faziam eu me sentir mais segura de ser quem eu sou, de viver com a vida sendo um mistério, sem nunca saber ao certo se você estava contando uma história mais do seu jeito, mais do jeito que era verdade e ainda me fazer filosofar porque as pessoas precisam mentir, e o que é verdade nessa vida... 
Aquele dia, eu te maquiei. "Você fica tão bonita maquiada, queria te ver maquiada mais vezes", ai você dividiu o papel, olhou nos meus olhos, abrimos as bocas e nos introduzimos juntas. Na hora imaginei como se estivéssemos fazendo algum tipo de amor. Então, você me perguntou “Você confia em mim, não é?”, e eu respondi como uma mulher que corre com os lobos, certa de toda a minha 'desconfiança segura' de que você as vezes é uma mentirosa...“Confio”, e pensei intensamente "só porque amo você". 
E eu te amo ainda eu acho, mas joga tudo no lixo, esquece um pouco, porque eu sinto uma raiva pequena, mas sinto. Minha curiosidade casou com sua chantagem emocional também, não foi só por amor. 
Alucinadas e de branco sumimos maquiadas junto com Ógum, Xangô, Êre... mas você soltou minha mão, sempre soltamos nossas mãos, somos livres e sempre nos encontramos no final. 
Iansã me encontrou, alucinei, ela trouxe pra mim aquele rapaz que fazia doer minha barriga, a gente deu um beijo tão maravilhoso... eu derretia com ele! Mas ele também sumiu. Eu vi nuvens rosas no céu, muitos cabelos ficaram azuis, pássaros azuis por todos os lados.
Eu quero que a culpa seja da casa, eu acho. Pra não ter que ver mais defeitos em mim, mais defeitos em você. Essa casa talvez fosse até amaldiçoada, penso que hora dessa a putinha anarquista foi até calada por um emaranhado de tinta opaca, tinta de gente normal, de entrada de casa normal que não provoca nenhum mínimo de reflexão e não salva nenhuma alma perdida logo de cara. Somente a casa sendo sua é que podia existir salvação. 
Mas sei lá, amaldiçoada ou encantada...balela! Uma casa assim não é nada sem uma bruxa. Somos duas bruxas flor. 
Na minha cabeça que a casa sentiu minha falta. A casa, você não. A casa gostava tanto de mim que fez a última festa não ser a última, só pra eu poder me despedir. Mesmo assim não foi boa, porque você não aceitou o colar vindo de mim, você quebrou as regras, não teve mais beijo e eu até me esqueci que talvez foi você que fez a festa, as regras e o colar. Eu até me esqueci que era você que pedia beijo muito mais do que eu. Perdi a hora de tirar todos aqueles malditos móveis com você, perdi você. 
Você marcou meu coração, eu senti tanto a sua falta, eu queria falar teu nome com todas as pessoas, teus dois nomes juntos, pra matar minha saudade. 
Um dia vou rever teus cachinhos dourados amarrados naquele coque e sei que continuar sentindo tanto ciúmes de você com essas outras garotas te bajulando, porque eu sei que elas querem agradar, como eu no começo... você provoca isso nas pessoas, caso você não saiba.
Mas nenhuma combina com você como eu, nenhuma sabe nem entende de nada,  são um bando de poser's, nenhuma colocaria fogo no apartamento como eu, nem te veria cortando cebolas como eu. 
Eu amo você... sua bruxa! Por muito tempo tu foi meu plano B, pensei que meu destino teria alguma fuga, aventura sinistra, e tu estaria lá pra fugir comigo, no final você estaria lá pra me por na garupa e estaríamos juntas num quintal cheio de gente maluca, e eu segura porque você estaria do lado pensando na comida.
Acabou, acabou! Os violões dos meninos vão continuar, até o sol raiar e um dia creio em deus pai que eles vão amadurecer, como a gente já está... e sorrindo e chorando fora das rodas, estaremos todos em quadrados tão diferentes e cada vez mais distantes, mas eu vou lembrar sem ficar triste e ser feliz sempre. Porque as rodas ficaram dentro do meu peito, como rodas gigantes, intensas e fartas como os desejos dos meninos por teus seios... e que teus seios estejam cheios de leite, porque eu não te quero nunca mal. 
Te quero como uma lembrança intensa, como uma mentira que eu descobri a verdade, eu te quero pra sentir uma ponta de confusão no coração, na cabeça, pra me sentir segura de que posso ser desconfiada do jeitão que eu nasci... e vou te transformar num pássaro azul, pra você não precisar ser tão humana... tem um pássaro azul no meu peito, pra sempre um pouco chantagista emocional.