Páginas

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

sair de um lugar

De repente percebi que estou perdida. Admiti, depois de muito insistir que estava feliz e tudo bem e fiquei triste. Triste, triste e tão triste que minha cabeça doeu de tanta tristeza. E vez ou outra ela volta a doer pra tristeza ficar e passar mais um pouco.

Então, me lembro de quando os sonhos eram maiores, dispersos, confusos, mas eram sonhos, sonhos até o fim. Quando eu era mais jovem ter decisões fanáticas era fantástico. Me lembro também como sempre tive tempo, mas nunca soube usá-lo. Como sempre fui profunda, mas nunca consegui não me afogar nas coisas, nas pessoas, nas minhas escolhas certas e erradas.

Ninguém me vê. Nem eu mesma... sou matéria, mas a maioria das vezes esqueço perdida no meu invisível, no meu ego, na minha mente que todo dia descubro ser o diabo. Criaram-me salgada. Não sou uma mulher doce, carinhosa. Salgo por onde passo. Me repugnam. Tampam a panela.
Nunca quiseram me comer com as mãos.

Acordo procurando respostas que eu não sei direito. E os bares perderam a graça. A fofoca não me satisfaz. A novela
perdeu a meada. E sei tudo que os inimigos irão fazer.  Minhas perguntas são mal feitas. É uma treta, eu não sei perguntar. E toda vez que eu pergunto, me pergunto por que pergunto, e por que é preciso saber tanto? Para que?

Estou em movimento mas no fundo, lá no fundo eu me sinto parada. A busca não deveria ser pelo dinheiro. Eu gostava da ideia de fazer as malas, da saúde no auge, de não precisar sentir as dores de cabeça. Eu gostava de sentir um medinho das pessoas. Tem um monte de pessoas iguais agora, em corpos diferentes. Previsíveis, suportáveis a ponto de serem insuportáveis. Da mesma cor, do mesmo credo, com a mesma postagem e pouca noção de psicologia, senso do ridículo aflorado, um bando de mau caráter.  Todas me irritam, todas!

Música, até que não. Deveria ouvir mais. Talvez aprender um instrumento. Me faz esquecer da matéria, da busca pelo dinheiro, me faz ser mais agridoce do que salgada. Eu dormi pra descansar e acordei mais cansada. A dor de cabeça foi para os meus olhos pesados e tristes. Quem sabe não tenha ido pra lá pra eles descansarem. Um sinal corporal divino e inteligente.

Talvez, eu só queira chorar, mas não consigo. Ou seja sinusite, palpite demais... Queria encarar, mas tão sensível... Tive sonhos esquisitos nos últimos dias... Quero sair de um lugar, mas parece impossível. Eu acordo sempre antes de encontrar a saída. Será que nadei, mas morri na praia... Como me canso, sou eu, sou deus, sou tão disciplinada. Porém perdida e estirada na praia.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

mal comida

Ficou com aquele cheiro de pau no corpo até o dia seguinte, mesmo tomando um banho. Tomou banho esfregando e pensando "não sai, essa porra!". Na verdade é que não foi bom. E quando não era bom, mais do que a lembrança, ela tinha a sensação de que estava com ele. Era sempre assim quando era bom e quando não era bom. Ainda tinha aquela mania estranha de achar que um pedaço invisível da pessoa acabou vindo com ela como sombra. 

Também não sabia dizer que tinha sido péssimo. Nem pra si mesma, nem pra ele. É que havia muito tempo que não fazia. Era pra ter sido bom, pra ser comemorado, pra ser contado para as amigas mais próximas. Talvez, pudesse ter sido até um possível namorado. Mas, não. Apesar da beleza, do perfume, da altura... pareceu por um momento valer a pena ir ao encontro. 

Há sexos e sexos, e para a surpresa dela, não se sentiu nem gostosa, como antes se sentirá com caras não tão bonitos. Já havia tido sexos não excelentes, sexos sem amor,  interrompidos, que davam medo de se apaixonar, que davam vontade de engravidar, que dava, dava, dava e queria ser ainda mais uma doce vagabunda... 

O problema desse é que o pau era claramente o centro do acontecimento. Não dava cena. Ainda que mudassem as posições, os jeitos e trejeitos. Até tentar se tocar o incomodou. Ela não era sequer figurante da cena. 

Ela não sabia direito nem se tinha que ser submissa. Tem atos que de tão péssimos dão preguiça e confusão para reagir. Poucas vezes na vida foi submissa e ainda que fosse foi por conta própria. Ludibriar que se é algo também é uma boa estratégia para sentir prazer de vez em quando. Mas não era esse o contexto, infelizmente. Motivo estranho, esse também de ser inteligente demais a ponto de ser fingida. 

O fato é que não havia aproveitado, não sentiu prazer, não quis se quer rever. Também não o tratou mal, nem ficou querendo ensinar. Não queria muita conversa, nem assunto, nem amizade. Só se despedir e tomar um banho mesmo. Alguém haveria de ter culpa? Que sexo ruim, que sexo péssimo, que falta de química. Até ler um manual de instruções teria sido mais interessante. 

Ele tinha papo, tinha tamanho, documento, atitude, local, privacidade, cabelo, emprego, diploma, estava limpo, falava português, tinha telefone, as roupas em perfeito estado, chegou a olhar para o decote dela, dando-lhe uma faísca de esperança maliciosa de que era um comedor daqueles que se lambuzam e curtem um molho... Mas, tudo não passou de uma grande expectativa de quem há muito tempo não era comida. 

Era perfeito, se soubesse comer o corpo de uma mulher. 
Era difícil demais pra ele, difícil demais.

Vestido rosê

Viu um belo corpo de costas e lembrou dela, mas como a dona do corpo bebia uma cerveja não imaginava que fosse. A dona do corpo teria muitos problemas se bebesse. Mas, uma balançada de cabelo ali e outra aculá, não é que era ela? Ela cresceu. Ainda que  com certeza, estivesse bebendo escondida da mãe. 

Quando se virou, um moço que a acompanhava estava em pé muito apaixonado. Não foi preciso ele falar, era nítido. O moço passou a mão no cabelo dela carinhosamente. Eram lisos e sedosos desde criança. Os cílios dele piscavam lentos e submissos para a beleza dela. E a medida que ela falava, os olhos dele olhavam para a boca dela. Um homem domado, certamente.

Há quem goste muito de homens. São mais simples e previsíveis quando apaixonados. São aquilo ali mesmo e pronto. São homens... Esse não era feio, era até charmoso. Parecia ser conhecido pela turma, era uma mesa de pessoas que queriam chamar atenção dos dois. Pareciam ser fãs do casal. Pelos boatos da cidade, um garanhão. Talvez um desses que carrega um carimbo na testa de 'perigo'. 

Ela sempre foi bonita, esperta, muito inteligente. E sabe que a piscada lenta não significa que ele faça qualquer coisa por ela por muito tempo. É perceptível que faz a indiferente algumas vezes, bem sutilmente. Para que ele não queira ir embora, mas principalmente para que ele lhe dê carinhos. Ainda que domados, nunca são confiáveis... ela sabe disso. 
Há momentos de uma paixão que se adora o outro. Se adora muito mais ainda ser um pouquinho ignorado também. Aumenta a tensão, o tesão e a conquista. Ela sabe naturalmente sobre a arte da sedução, ele também, ainda que apaixonado. Os homens, e talvez até as mulheres, são loucos por ela. 

No fundo, adorada por todos. É diferenciada, uma inimiga, um referencial, intensa talvez. 
Diferente das irmãs, e exemplar como elas. Ela é desabrochada, uma fuga das amarras das rédeas invisíveis da casa. Ela consegue com maestria pintar e bordar, viver seus amores e acabá-los antes de morrer. Nem deu certo com esse, inclusive. Olha lá ela novamente...

Num belo vestido rosê e sorrindo... tem pouco tempo que terminara, não está rindo muito, mas muito decidida. E já sendo servida, por outro que parece ser mais tranquilo... porém com as mesmas piscadas de apaixonado.