Páginas

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mosquei

Eu sou a mosca que não pousou na sua sopa,

que teve medo de ser abanada,

e morrer afogada

diante de bóias de quiabo e cenoura.

A mosca que não pousa em ninguém,

que carrega sujeira sem saber,

que discute filosofia no brejo com o mosquito da dengue, antes que os sapos verdes cheguem para se alimentar.

A mosca que beijou a muriçoca mas que a largatixa que comeu.

A mosca que atrapalhou teu sono, sem saber que você estava exausto, e ainda te fez não dormir preocupado.

Do canto da parede,

sem dente, eu vou para luz

morrer de luz,

dançar para luz,

secar

para sempre.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Homem


Protegia o nome dele por amor. Não era em codinome beija flor, mas era uma ave que não voava. Ele nunca pareceu ser do tipo que quisesse voar, e também, ela acabou esquecendo de perguntar sua opinião sobre flores, mas mesmo assim o fez, e então ele era ave. Ela percebia nas entrelinhas que ele era mais sensível que um casal que acabará de descobrir que antes tudo fora ilusão e agora sim! Agora sim era amor. Demorou um pouco, mas hoje ele já podia dizer que a odiava, sem desesperá-la, porque ela aceitou que não queria mais entender quando ele estava vestido de homem espelho. Tudo começou quando ela dormiu e o encontrou nos sonhos, meses sim e meses não, se assustou muito quando intuiu que acordava feliz e tão tão mais feliz. “Os olhos estavam lá!”, suspirava, “Tristes do jeito que é na foto”. Ela nunca entendeu porque a melancolia dele a esquentava tanto. Mais tarde abordou a teoria de que talvez fosse porque assim, destruía com rebeldia aquela vida bela que a novela tanto a queria fazer acreditar que era a única que existia. Acordava desejando lê-lo, preparando-se para escrever, ansiando pela presença invisível, procurando um jeito de seduzi-lo sendo primeiro o que sempre desejou, uma grande e atraente amiga, eles tinham tempo no virtual. O mais engraçado era que ela não precisava disso, mas queria por bem ou por mal, e se fosse preciso se rastejava e sangrava sem problemas, porque havia uma diferença naquele envolvimento, havia mistério, uma gentileza e cavalheirismo do século 19 que a fazia enxergar tudo em preto e branco. A distância enorme, era altamente incrível e contraditória, pois os fez se conhecerem interiormente como nunca se mostrariam na vida. Ela era lembrada por ele, por nunca esquecer nada. Ele não era esquecido por ela, por sempre esquecer tudo. E escrever era ótimo, com ele vagando, um desafio enrustido e apaixonado. “Não minta para mim, você sabe que temos uma intimidade deliciosa desde o primeiro momento”, se dizia cautelosa e poucas vezes para ele. E era verdade, foi amor a primeira frase, talvez não tivessem química, nem física, muito menos biologia, mas aquele história do chá envenenado... a fez se perguntar muitas vezes quem tomara o chá errado. Ela não tinha mais concentração, tinha vontade de conhecer, ler e saber sempre mais, só por causa dele, só por causa dela, só para terem assunto e saber o que ele também pensava. Era meio doentio, mas era uma febre rápida que preenchia o grande vazio. Ele a desesperava cada vez que desaparecia ou aparecia mais desanimado, nervoso, reclamando da mãe, complicado e chato de propósito. Dizia que ela não costumava falar de si mesma, e era fato, ela achava que apesar de ter estórias encantadoras, era normal demais, e por isso só o deixava falar, mas seria inútil, ele não lembrava de quase nada...então, ela carregava-se de seus desabafos, e ele saia leve sem lembranças de quem escutou. No fundo, os dois queriam que dessem certo. No fundo sabiam que seriam intensos, extremos, aquele amor de livro e feitos exatamente um para o outro. Porém, no raso jamais daria certo, no raso jamais se afogariam e provavelmente... "Como você sabe?", ela começava disposta, negando a covarde crença dele. Longe, os “te amo” mesmo assim eram sinceros e benditos, não selavam os corpos, mas selavam as cartas e ela se olhava no espelho suspirando se ele estava vivo ou morto aquela hora. Se ele era feio, não a interessava, se ele era triste, muito menos, virara obsessão. Na pia, no almoço, no fim da tarde, no entregar dos documentos. “Por que e para que tive olhos tão grandes por você?”, respirava abalada. Friamente chegou o finalmente, ela insistiu e ele disse que era só, que era pouco, que precisava apenas de uma dama de azul e ficou claro que ele a preferia de peixe nadando no árquario do que sendo por fim comida de gato. Os olhos dela atrelaram-se, um olho no peixe e o outro no gato e não queria mais cuidar dele. A cabeça quase quebrou para matá-lo de dentro, a imaginação era fértil demais, foi complicado! E a obsessão a enchia de possibilidades tendenciosas para explicar as atitudes dele para si mesma. “Nunca ia dar certo?!” gritou em busca de lágrimas. E quando ninguém respondeu e se viu sozinha, viu que era a mesma desde o início, que talvez fosse só platônico mesmo, e se respondeu sem choro:


-Nunca foi certo, recomponha-se.

domingo, 19 de setembro de 2010

O Sr. Nunca Acha


Na realidade é como se ela e todos nós tivéssemos aprendido a lidar com teu silêncio, com a insignificância do teu silêncio. Eu interpretei que seu silêncio nada tem haver com a falta de coragem de dizer alguma coisa que sente, muito menos está ligado há algum tipo de covardia, apesar de que ás vezes depende do ponto de vista, pode ate ter sido, mas acho que seja simplesmente vontade de não falar. Não falar de amor, não falar o que acha, não se lamentar, simplesmente nunca se entregar. Aos de fora você até parece mais entregue, talvez não, mas parece que é, e só quem convive dentro, sabe como é encurtada sua convivência. Poucas foram às vezes que vi você deslanchar um pouco mais curioso sobre alguma coisa que alguém de dentro comentou. Reparo que a ansiedade de quem te escuta é grande, e acaba sendo expressada inusitadamente, como se teu silêncio fosse uma espécie de castigo. Muitas vezes por isso, almejamos por tuas (raras) palavras. Quando pequena, tinha a esperança de ver um diálogo de forma ideal entre você e alguém de dentro. Mas, brutalmente desaparecia qualquer esperança , caso você percebesse a empolgação de outrem, aí você se calava, se desinteressava, parecia que não tinha muita importância continuar a falar e voltava com orgulho a não achar nada. Me era engraçado porque me fazia criar, imaginava no ar alguns travessões voltando envergonhados e sem palavras de um possível e utópico diálogo demorado. Toda essa marra, pelo menos, dispensou um pouco do meu tédio de criança. Constato que elaborei muitas teorias para me explicar que teu silêncio tivesse algum sentido. Cheguei a pensar que não gostava dela, que fosse tímido, que nos suportava, depois que nos amava calado, que tinha um grau de dificuldade maior em se expressar, outro dia que tinha um terrível trauma, que o gato comeu sua língua! Que vivia em outro mundo, que a culpa era do seu pai, que a culpa fosse minha, que todos nós atrapalhamos um grande amor seu ou uma grande liberdade, ou quem sabe um grande projeto de vida! Vai saber... Mas sabe que hoje eu até prefiro que você não fale muito... Prefiro também você cansado, quando fica cansado cede tudo e está aberto a todos, com os olhos, claro! Você é calado. Algumas vezes que falou exclusivamente, me magoou muito, não por eu ter acreditado em tudo que você soltava, mas por eu ter sentido no timbre da sua voz que não estava falando comigo, que estava desabafando consigo mesmo por alguma coisa que tivesse incomodado no dia. Entristeci-me por ser cobaia, pela sua entonação de estar apenas descontando, por estar sendo indireto e mais uma vez, nunca comigo. Ter gastado a grande oportunidade de ter iniciado palavras inesquecíveis para mim e ter tornado-as inesquecíveis da pior maneira possível, isso é um tanto injusto e foi injusto ao ponto de eu derramar uma lágrima e pensar: “Que engraçado você, nunca abre a boca para nada, mas para detonar você é tudo.” Talvez eu tenha assistido televisão demais e por conta do amor que ela tanto insiste, devo ter moldado um tipo de amor e carinho unívoco, na qual o silêncio e serenidade não se encaixariam, dessa forma me senti indiferente na sua vida e quem sabe até na dos homens em geral, afinal de contas você foi meu referencial e minha mais poética e linda contradição... o homem mais próximo e distante de mim. Contudo, eu acho que cobrar tanto de você é meio egoísta, até porque você melhorou muito, eu melhorei muito e reconheço que você é um bom ser humano, um bom professor, um bom acadêmico, um bom amigo, engraçado quando quer, poeta quando menos esperamos, crente quando ninguém quer e descrente quando todo mundo está no apogeu da fé. Sua introspecção me ensinou muito também, me desafiou a perguntar mais de mil vezes e não desistir da resposta por medo de silêncio e me treinou a concluir que algumas coisas simplesmente não tem resposta. O senhor me trouxe algo que só serve para agora, que estou boa parte do tempo sozinha: as lembranças, me trazem sorrisos! Sempre ter nos carregado na moto, uma filha na frente e outra atrás, ter nos chamado num final de semana decadente para irmos a locadora mesmo que de pijamas e ter deixado escolhermos o filme que quiséssemos, ou repeti-los quantas vezes quiséssemos. Nunca reclamava quando íamos devagarzinho escorar no sofá curiosas, deixando a gente assistir seus filmes independente da idade que tínhamos, nos fazendo perceber o quanto a Disney é mentirosa e sem graça, e o mundo é de toda cor, menos rosa. Também admiro muito sua coragem de ter apoiado todas as nossas ideologias e crenças e descrenças, não é para qualquer pai perceber a desorientação dos filhos e deixá-los concluir sozinhos seus pensamentos. O incentivo ao esporte, os esclarecimentos das dúvidas escolares e também das filosóficas, deixando sempre claro que era só mais um ponto de vista, a liberdade de ir e vir, pensar e dispensar, e por nunca ter perdido a paciência (aliás, por ter perdido só com a voz!), a economia do final de ano, que nos abre os olhos para novos horizontes e diferentes culturas e que treina nossas paciências, desgastes e emoção. Sinceramente, seu sorriso significa muito, seu “porra” atendendo o telefone, suas “gororobas” que emagrecem, os papos com os amigos, seus “agorinha” que demoram horas, seu jeito de ler deitado com o livro no chão, as bicicletas, os seus “Marina e Fernanda eu não quero nem mais ouvir essa história aqui em casa, passa para o quarto as duas. E é para ficar é lá!”, seus pequenos escândalos quando alguém come alguma coisa sua na geladeira, sua empolgação que dá uma vez a cada seis meses de querer cozinhar e achar que é a melhor comida do mundo e ainda lavar toda a louça, suas entradas em casa com pressa abrindo todas as gavetas e saindo sem dizer absolutamente nada, as ameaças de que nunca mais vamos entrar no escritório, ou aquela pergunta clichê: “Eu quero pegar ainda, quem mexe nessa gaveta aqui.” Nunca foi romântico, nem muito sentimental, né? Não sei como, mas eu me sinto muito segura quando estou e sei que está comigo. E mesmo eu não procurando tuas características, como uma complexada eletrecutada, eu juro que um dia cheguei a pensar que te xingar te incomodaria muito mais que um chorinho meu, vai entender...talvez água salgada seja um mar para você.