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sábado, 30 de junho de 2018

Destino interno

Ela me espiava e eu sabia disso mesmo dormindo. É porque ela sou eu. Mesmo me dando a impressão de que éramos duas pessoas diferentes. Ela me dizia coisas sobre ser triste e toda aquela vida que eu estava levando, enquanto eu vivia aquela mesma vida presa pela descoberta do estranho prazer e de tentar ser quadrada. Eu mentia, mentia que não fazia ideia e nem me preocupava sobre o amanhã. Ela sabia que não era verdade e mesmo assim, dormindo ou acordada, sabíamos também que aquela vida ia melhorar um dia e eu estaria tão livre, feliz e organizada que saberia exatamente como seria meus amanhãs, e onde eu queria estar. Era sempre assim. O que me dava constante impressão de que eu não estava sozinha, de que eu era meu próprio guia e carrasco. Mais que uma só! Éramos também, minutos depois de todas as vezes que eu recebia aquelas declarações de amor, faísca. Eu bem sabia, mesmo gostando de receber elogios e declarações, que não gostava totalmente, por entender que de mim não podia ser jamais correspondido com aquilo que apenas parecia querer ser verdade. Mesmo assim, eu sabia que seria válido, sentir e mentir  ao mesmo tempo por não poder dizer o mesmo, sentir e mentir por algum tempo pra me convencer de que a vida podia ser menos chata. Ela me dizia sobre um outro modo de sentir as coisas, outro jeito que não fosse aquele, aquele em que eu estava presa por ter descoberto o estranho prazer. Ela parecia saber o que era melhor pra mim, me atormentava quando eu não dormia, não deixava palavras penetrarem para dentro, e tudo que quem se declarava fizesse ficava apenas na pele, nos pêlos, no corpo, e algumas considerações sinistras pelo esforço, na minha memória com muita piedade e culpa.
Eu sabia que era intacta, ela sabia mais do que eu, e eu demonstrava as vezes ou deixava escapar. Mas, apesar de tanto conhecimento meu e dela misturados, não achava certo segui-la de uma vez, porque ela parecia ser forte demais pro tamanho que eu ainda era. Ela me sorria deslumbrada do meu cinismo, quase me chamava de medrosa, e ainda assim eu saberia que não poderia ser tão cruel como ela e nem mesmo tão envergonhada por ser tão acomodada ainda aquela realidade, o que continuava me dando aquela mera impressão de que éramos uma só, e mais forte e sábia do que todas nós juntas.
Já que com ela e comigo eu sabia que não podia apenas aquilo ser, ela começou com um negócio de querer ser eu, e eu achei interessante se eu admitisse e não fosse apenas uma, e lhe dei mais ouvidos. Lhe dei liberdade, e algumas vezes me divertia, outras me metia em confusões por não saber mais o que queria ou por saber o que não queria, mas sentir profundo medo do que poderia querer. Comecei a perceber que quanto mais eu permitia que ela fosse quem fossemos dentro de mim, mas eu não tinha controle de continuar parecendo com o que eu me permitia e tinha consciência ser. Palpitei, e intuitivamente entendi que talvez em pouco tempo uma de nós se perderia pelo caminho... estávamos juntas, no caminho certo talvez, e de maneiras contraditórias, chegamos ao tempo em que finalmente nós transformamos em uma só.

O salto

Se eu não tivesse me jogado no lago aquele dia, talvez as coisas teriam melhorado.
Quem sabe eu não teria conversado com as pessoas certas, encontrado alguém por acaso que me faria querer continuar ou mesma a ideia genial teria aparecido.
Enquanto humanos, enquanto seres, enquanto sonhos... aquele eterno encontrar.
Ah, como sinto falta daquela esperança daquela ideia que muda para sempre o rumo de nossas vidas... estou viva, mas não há mais esperança.
Quem é que sabe se ela não teria aparecido as dezoito ou duas horas depois de eu ter me jogado descalça, sem choro, aviso e nem reza?
Quem sabe se essa ideia iria aparecer pela manhã e desmanchar tudo para que eu recomeçasse?
Mas nem todo mundo consegue esperar, ele me diz quando aparece.
Ele fica sumido a maioria do tempo.
E quando estou muito perdida, as vezes se suplico ele aparece.
Eu faço realmente parte desse grupo, eu lhe digo rebelde. Do grupo dos que desistem, do grupo dos que não encontraram soluções, dos que não vão voltar. Existe algum momento da vida em que o ser humano pode não pertencer a grupo nenhum? Me pergunto sempre que estou no ar me jogando pela décima quinta vez.
Sinto-me tola...em vida, estava o todo tempo me prendendo a algum lugar do passado, sofrendo pelo futuro e nesses dois lugares sempre, não havia paz no presente.
De certa maneira, faz muito sentido que todas as minhas escolhas tenham me orientado até aqui. Exatamente onde eu estou. Voando no ar constantemente com os órgãos se despregando e chacoalhando dentro de mim. Com os ossos se desmontado... O mais cabuloso é que continuo pensando, continuo com fome de alguma coisa que não sei explicar.
Pensei que a água entraria pelos meus ouvidos, e eu seria capaz de escutar a paz. Pensei que ao entrar pelos meus olhos, eu veria luz, e anjos ou demônios apareceriam para me buscar e me mostrar um caminho. Eu pensei realmente que a água entraria pela minha boca e eu seria beijada, devorada, estuprada por todos os orifícios e nunca mais me preocupar com porra nenhuma.
Mas nada disso aconteceu... não foi isso que aconteceu...  as águas me traíram.
Espero, desde já, pacientemente, pelo momento que eu não seja eterna.
Que eu não seja o lago.
Que eu não seja as coisas piorando.
Que eu não seja o acaso, nem conversa, nem vida.
Estou esperando pacientemente pelo momento que eu não seja mais vida.
O inferno não tem cor, não tem segredo, não tem mistério.
É pior do que eu podia imaginar.
Ainda me lembro do meu salto, de que estava a tarde, que o sol esquentava e mesmo assim a brisa era fria. Ainda me lembro que roupa que escolhi pra partir, mas não é ela que eu visto agora, estou vestida, mas a sensação é a mesma dos sonhos que tinha quando dormia... estou constantemente nua na frente de todos... quando me joguei no lago pela última vez, virei uma poça de angústias viva.  

divã

Guardas segredos através de fantasias? Brincadeiras? E convencimentos baratos...? No fundo sabes  como funciona algumas coisas, mas precisa fingir? Use mesmo toda a criatividade como escudo, como espada, como remédio. É preciso fantasiar. Eu preciso. Algumas vezes o tempo todo. Difícil é quando se está triste a ponto de precisar fantasiar muito...e tudo se mistura... Não se faz muita ideia sobre o que foi inventado e o que é real... mas há salvação para nós, os tolos. Tu se pergunta, quantas vezes é capaz de se auto enganar? E da onde tiras que o que cria sobre si mesmo não pode ser real? Sentes constantemente que o caminho é perigoso demais, mas que saber disso já te deixa um pouco mais a salvo? Sem o medo, o que seria da coragem? Mas é preciso admitir que não viver a realidade também é perigoso. Fantasiar é antes de misturar, separar também. Separar para que a loucura saiba seu lugar, para que ela saiba seus horários de visita, seus horários de tomar um chá. A porra do O controle ainda é seu, você só não precisa fazer muita questão disso. Até porque é chato saber que se mantém um. Vai pesando. Ser desorientada faz parte em algumas esquinas do caminho. Surpreende-se. Perde-se. Sentir-se enganada. Ah, não acredito...