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segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Paraíso

Os corpos conversavam, não há como negar isso. Gostavam quando sentiam as almas conectadas uma com a outra. Havia algo de particular muito bonito em uma fazer a outra rir, e a outra esconder o rosto envergonhada por alguma coisa que ela foi descoberta, que a outra reparou demais sobre ela, a deixando nua... mais do que físicamente, mais do que corporal, tecido e material.

As vezes extrapolavam. Queriam-se nuas em todas as reações. Como se tivessem que viver todas nessa paixão, pra que não houvesse mais nenhuma pra viver com outras pessoas. Uma era mais obsessiva do que a outra. As duas queriam retirar todas as vestimentas entre si.

Também havia as vestimentas de emoções que pareciam ser desafiantes para as duas. Tinham medo de ser invasivas, outrora queriam explorar mais e mais. É preciso conquistar a outra pessoa pra que ela queira estar nua e maluca uma com a outra.

A boca de uma delas guardava o prazer total e a sete chaves da outra. O olhar de uma delas também era um grande e precioso segredo de motivação ambiente para o escorrer nas pernas da outra. Gostavam muito do sorriso de escape feminino, da feiúra do ruído de uma gargalhada sincera, do medo do ridículo trasnparecendo, daquela coisisinha descompensada da intimidade... Gostavam de sentir-se impressionadas, surpreendidas. Sempre surpreendidas pareciam mais apaixonadas.

Amavam. A chegada de uma no quarto da outra, o corpo dela no seu colchão, a respirada dela no seu pescoço quando iam dormir conversando da vida alheia e as vezes até brigavam rapidamente e se desculpavam sorrindo. Amavam os seios de uma guardados na própria mão debaixo da camiseta da outra.

Gostavam de observar seus pés parados, miúdos e retos, um do lado do outro. As pernas ansiosas pelos pares de pernas do lado, e o recebimento de algum carinho mínimo. Uma delas tinha um jeito delicado de começar com tudo. Um jeito que deixava a outra toda soltinha, pronta pra se entregar por inteiro.

Ela se sentia inteira, se sentia encontrada, se sentia ela mesma naquele instante. E era mágico estar perto de si mesma estando com ela. As vezes uma delas parava e pensava... Será que as outras pessoas também são elas mesmas quando estão com seus amores? Começava a duvidar da felicidade alheia.

A paixão tem desses delírios, da gente achar que somos muito mais felizes do que os demais. Ela queria ter essa arte de começar as coisas devagar, como sua paixão tinha. O manejo dela, esse jeito dela, tinha pouco. Era meio movida a estupidez. Meio tempestiva, intensa, direta. Violenta?, ela brincava. Subversiva! A outra confirmava. Ficava mais romântico de se dizer.

E foram declarações, tapões na bunda, e mãos na boca pra que não gemesse alto, pra que ninguém do quarto ao lado ouvisse. Riam. Queriam. Gemiam, gemiam, gemiam e estremeciam. Ah... era sempre tudo feito perfeitamente lá embaixo. Mas a outra também se concentrava pra conseguir chegar maravilhosamente bem também.

De vez em quando era tudo tão bom que dava uma surtada. As vezes tinha medo, quando sozinha chegava ao ápice. Sombras se aproximavam e quando se abraçavam nuas e seus olhos já não se encontravam, seus demônios lhe perguntavam: E se não és capaz de fazer a outro sentir? E se houver outra pessoa que saiba fazer melhor e ela chegar e tu tiveres que partir? E se ela nunca conseguir contigo? Demônios... Demônios são crúeis e nos tornam inseguras.

O melhor que fazemos é ouvir os cupidos da paixão. Arcanjos, são aqueles que nos dizem que onde há amor, há prazer, há esperança, há concordância e sempre haverá solução para qualquer problema. E esquecer essas picuinhas e santas bobagens de paixão... afinal de contas, quem tem medo deixa passar a melhor música da festa, salga a comida, passa do ponto, derrama a bebida e deixa a chuva molhar todas as roupas no quintal que já estavam secas e limpas.

Sabedoria tem que sair da mente e ter corpo também. Se não o beijo pode mudar repentinamente e o abraço deixa de conversar. Ter fogo pra aquecer mas não pra se queimar... ah, os segredos e grandes segredos dos sobreviventes de uma grande paixão.

sábado, 4 de janeiro de 2020

Remetente

Precisava gostar um pouco mais de mim. Já gostei tanto deles, já gostei demais dos outros... Não sobrou muito pra mim, mas eu hei de ir atrás de mim. 

Talvez, pudesse começar jurando amor, sem ter muito, até ter bastante pra mim. Já senti saudades demais sabe, já quis estar perto, perguntar como vão as coisas, eu me esforçava e movimentava tanto... algumas pessoas eram mais do que eu pra mim. 


Minhas lembranças, meu conforto, minha inveja branca, meus desejos secretos, minhas fantasias perfeitas.
Já é hora de descansar e me lembrar mais de mim? Sinto que estou longe. Muito longe. Não tenho meu endereço direito há tantos anos. 

Eu tive que ir embora demais, eu fui esquecida demais. Talvez não seja culpa de ninguém, não terem sentido muito minha falta. Mas eu sinto minha falta agora. Onde foi que eu fiquei da última vez que me amei? Onde foi que eu fiquei quando me descuidei? 

Precisava aprender rápido a gostar mais de mim com esses defeitos que ninguém gosta, que ninguém quer ver, que ninguém suporta. Gostar de cuidar de mim como ninguém conseguiu. Gostar de morar comigo, de sair, de sonhar bonito como quando mais jovem talvez... 


Podem ser sonhos pequenos no começo, depois grandes... quem sabe? O importante é que eu mesma acredite. Ainda que eu não tenha muita torcida. Expectadores, apoiadores, afinal de contas, quando serei protagonista nesta vida? 

Quando carregarei esses defeitos que a vida me deu e escondo com tanta vergonha e peso? Hei de aprender a carregá-los, hei de aprender a aturá-los. Não tem outro jeito. Já me puni demais pra não decepcionar quem sorria, já me exclui demais porque eu não valia a pena se errasse, e cá estou...Errada...

Errei feio e tanto! Fui estragando algumas pequeninas e suadas conquistas, algumas inseguras certezas. Estragando sem me ouvir, sem me perguntar, sem me abraçar e isso foi piorando o estrago. Destrui algo estranho ao meu redor. Algo que não volta e virou fumaceiro. Não sei se eu tava ali também, talvez... 


Olho pra baixo as vezes, tento ser invisível outras, me puno constantemente... Agora sei fingir costume. Sei manter a educação e torço pelo cumprimento, por um aperto de mão. Queria saber, mas não sei se é a hora de me sentir desculpada. Não sei se é a hora da culpa ir embora. 

Nem quando irei me encontrar e amar pra sempre, sem me esquecer de mim outra vez. Construo algo estranho ao meu redor. Algo que precisa voltar da maneira certa. Algo sólido e que dessa vez seja meu. Hei de me encontrar...