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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A casa


"...na solidão de casa, descansar

O sentido da vida, encontrar
ninguém pode dizer onde a felicidade está...

(Sinônimos)"


Prometo. Nunca mais vou entrar nessa casa e se eu me aproximar vou pedir ajuda, porque nunca mais eu vou procurá-la como alternativa, nunca mais vou me proteger da chuva dentro dela, nem do sol. Essa casa será realmente inesquecível, porque  foi dentro dela que eu me perdi, dentro dela que o perdi, dentro dela que eu queria ficar boa parte do meu tempo, desejando ser um fantasma que vaga sem querer procurar luz nenhuma, sem querer segui-la e esnobava os anjos, desprezava os demônios e não ficava de lado nenhum, não queria saída nenhuma, nenhum pacto, nenhuma chance, nenhuma escolha. Me lembro como se fosse ontem, de como eu fechava todas aquelas portas e janelas apenas com a força do meu pensamento, dá pra lembrar o barulho bruto que faziam. De como os quartos eram todos vazios e eu nunca entendia muito bem porque. Mas apenas mobília nenhuma era capaz de combinar, nenhuma tinta era capaz de pintar, nenhuma pessoa era capaz de limpar e muito menos de sujar.  Eram quartos completamente sem medidas, sem rabiscos na parede, sem função, sem gente, portanto sem alma penada também, o que não abria espaço nem para o próprio medo. Era como aquela casa engraçada da música que não tinha nada, da música que eu gostava de cantar quando era pequena e pedia pra que me balançassem mais alto e mais alto, dentro da rede.
Alguns, puderam conversar comigo pelas frestas, alguns conseguiram bater e sorrir na janela e recebi bilhetes  debaixo da porta que não correspondia. Mas nada, apesar de parecer,  foi em vão, depois que eu percebi como tudo aquilo ajudou um pouquinho, um pouquinho que ficou grande. 
É que quem tinha que querer era eu, quem tinha que abrir a porta era eu, quem tinha que gritar "Cheguei!" era eu. 
Não me convenceram de que era bom estar lá fora, não me forçaram a deixar a casa e não foi porque a energia da casa foi cortada  que eu resolvi deixar o escuro. Na verdade eu tive sorte. Sorte de ser perceptiva, sorte de ainda possuir um coração mesmo que sangrando, sorte de ainda possuir uma vontadezinha lá no fundo do fundo do fundo, de ainda querer vida. Eu tive sorte de ter amor.  Um amor tão grande ao meu redor que em apenas um toque tudo que eu tocasse viraria pó. E aquele amor era como uma prece, uma promessa, um escudo, uma rede. 
-Mais alto! - dizia aquela menina de maria chiquinhas no cabelo dentro de uma rede.
-Mais alto que eu não senti! - repetia a menina ansiosa.
Era isso, só mais um pouco pra poder tocar no teto, tocar no teto pra sentir que o amor, o amor podia me salvar.




terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Dentro de uma liberdade


Ninguém se ama de repente. Isso é paixão. Amar exige tempo, exige cuidado, exige sabedoria. Amar nunca foi fácil e amar-se também não, por isso é bom que se aprenda a se dar um tempo, aprenda a não só se apaixonar por você, porque paixão acaba, feito um coração que não foi pintado por dentro com o giz. 
Um dia você vai querer cuidar daqueles defeitos, outro dia vai deixá-los tão vivos que vai morrer de vergonha de si mesma, mas se você se amar, você vai sorrir da sua imperfeição. Um dia você vai gostar do jeito do seu cabelo, outro dia vai simplesmente amarrá-lo e se preocupar com o jantar. Amar-se também exige tempo, tempo pra se cuidar, tempo para pensar, tempo pra se permitir do que é que se realmente gosta, o que é que a faz sorrir, como é que realmente se sente, do que é que realmente merece. 
Amar é responsabilidade, na melhor das hipóteses, dentro de uma liberdade.

A Carta


Mãe, lhe devo desculpas. Pensei que sabia tudo sobre o amor e na verdade eu nunca soube de nada, por isso tanto sofrimento agora finalmente sanado.  Mãe, de repente parei de te ligar, de repente eu só precisava e não precisava daquilo pra respirar. Será que a senhora pode me fazer uma visita um dia desses? O clima aqui está estranho, eu me sinto tão sufocada e ao mesmo tempo tão sozinha, não conte pra ninguém mas sinto falta da família, se eu pudesse estaria com vocês, estaria com vocês pra sempre. Mas é que eu sei que o nosso fim está contado, devo me aproveitar desses momentos ruins, devo sofrer. Mãe, um dia desses ele e eu perdemos a cabeça numa briga horrível e numa das minhas tentativas de acabar com ela, acabei não me lembro como dentro de uma proposta de casamento sem nem perceber. Não era o que eu queria, aliás, eu acho que ele percebeu, mas ficou tão chateado que me deu a alternativa de terminar tudo e eu fiquei completamente perdida, porque eu não sabia que era capaz de fazê-lo chorar feito uma criança daquele jeito, eu não queria!  Não era pra ter acontecido isso, não era pra ter sido assim, não era pra ter sido de repente, não era mãe, pra eu esconder tantos sentimentos dele, tantos medos, tanta insegurança, não era pra eu esconder minhas coisas feias, meus constrangimentos, meus valores, não era pra eu me cobrir toda vez, nem querer voltar pra casa logo, não era pra eu me deixar ser controlada como se tivesse desistido das minhas reais vontades, eu sempre me conheci tão bem mãe, casar nunca foi uma vontade expressa, casar está entre os últimos de todos os planos e viagens... A senhora tinha essa impressão? Eu acho que ele não me conhece de verdade, na verdade as coisas sempre são muita boas do lado dele, mas é engraçado como eu escondo meus medos, minhas ânsias, meus defeitos ou tento mostrá-los mas não consigo nunca ver claramente os dele, isso me deixa muito preocupada, ele me parece ser muito perfeito, eu não quero me casar com alguém assim, eu nunca pensei que encontraria  alguém quase perfeito, eu sempre aprendi tão  melhor com os erros, eu funciono muito bem com defeitos. Eu... fico me perguntando porque é que tenho esses comportamentos omissos, porque é que me escondo, mas eu sei que é porque não sei com quem estou lidando, não sei pelo o quê estou apaixonada. Tudo que eu sei é que nada disso foi sonhado, nem a minha Barbie mais louca aceitaria se casar desse jeito! Nesse exato momento eu posso ver o fantasma de um vestido branco pendurado na minha sala. Um vestido lindo, dos mais caros, dos mais desejados, dos mais puros. Mas que no coração da minha mulher, é uma pobre alma penada, vazia, solitária. Como pode Mãe? Como pode eu sentir tanto medo daquele vestido?  As vezes eu acho que você e papai, podiam ter me proibido desde o começo, podiam me impedir de cometer tudo isso, podiam me servir de desculpa, pra essa culpa não ser minha, pra eu continuar sendo apenas aquela menina. Essa mulher no espelho não existe mamãe! Por favor, me ajude para que isso não aconteça. Talvez aconteça um acidente antes do casamento, talvez eu seja atropelada por um ônibus, talvez ele perca o emprego, fique doente, não sei... talvez tudo possa dar errado até lá, quem sabe se eu ofender aos pouquinhos, atiçar suas feridas, escrever um email preocupado pra alguém, quem sabe até lá as coisas não dêem errado, não é mesmo? E ai talvez eu não precise lidar com aquele vestido branco que está me assustando ali na sala...e se a senhora falasse que era contra?! Eu acho que você podia ajudar, não sei me parece mais fácil a culpa ser sua...você pode por favor, me fazer uma visita? Não estou feliz e tem uma casa de sombras cada vez mais nítida dentro do meu peito a qual eu estou me aproximando cada dia mais, e não me sinto a vontade pra contar pra ele, porque eu não o conheço de fato, eu não sei nem do que ele tem medo, eu queria, por favor, que você viesse me fazer uma visita, tem um vestido branco na minha sala e eu estou com medo.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Dobrado



Como era difícil encontrar algo que não estava nem em conta gotas dentro de mim. Disputar com todas, por não saber o que eu mesmo gostava. Aceitar um amor daquele tamanho por não ter espaço dentro do peito nem pra mim. Difícil... como era difícil dar amor, retribuir, agradar, elogiar, distinguir...se não tinha o próprio amor nas vasilhas, no espelho, nos sonhos perdidos. E era difícil ser ela mesma e não a moça atropelada, ser ela mesma e não a moça que já amara, ser ela mesma e não a doida que abandonará, ser ela mesma sem comparações, sem fotos apaixonadas...
Como era difícil! Amar errado, amar sem o amor, e por isso também deixar que me amasse tão dobrado.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Tampa da panela

Cruzou as pernas e disse:
-Por um momento eu pensei que era tudo que eu mais queria.
-E depois?
-Depois não.
-Mas por que?
-Porque se eu fosse pensar melhor, já estava tudo perdido.
-Mas você não podia dar um jeito de encontrar?
-Não. 
-Ora, mas por que não?
-Porque quando eu digo perdido, eu não digo perdido de nunca mais conseguir encontrar, eu digo perdido como comida estragada, entende? 
-Explique melhor.
-Você já sentiu cheiro de comida estragada? É meio que insuportável, nojento...e eu aposto que você como eu, não sente muita coragem de comer comida estragada sem tampar o nariz, sem querer vomitar, sem querer imaginar que está comendo alguma outra coisa que não aquilo, sem suar, sem olhar pra ela e se repugnar diversas vezes, sem...
-Bom, isso é verdade, mas as vezes a gente precisa experimentar pra saber.
-Comer comida estragada não me parece muito atraente, apesar de eu concordar que experimentar é válido. Mas sabe, é que de repente tudo estar perdido já não fazia tanta diferença...
-Por quê?
-Porque agora o importante não era a comida, era a saúde. Tudo podia até estar perdido, mas eu não.
-Isso quer dizer que resolveu pensar mais em você do que na comida?
-Mais ou menos.
-Por que mais ou menos?
-É que na verdade com o cheiro ou não, eu sempre estive muito perdida, nunca tinha certeza de nada, mesmo assim não levei isso em consideração e deixei as coisas parecerem mais fáceis.
-Fáceis? Como assim?
-Como quando uma pessoa te guia por um caminho desconhecido, parece fácil até que ao chegar no final do caminho você percebe que não consegue voltar sozinha.
-Por que tem medo de voltar sozinha?
-Não. Porque  deixei  que me guiasse ao ponto de não prestar atenção no caminho.
-Bom, então disso você tinha certeza, não é mesmo?
-Sim. Eu tinha algumas certezas por um lado...certeza de que não tinha certeza, certeza de que não estava prestando atenção no caminho e inclusive certeza de que não estava completamente feliz. Mas eu...
-Precisava experimentar?
-É...como a comida estragada.
-Bom, ás vezes as comidas estragam mesmo, não se culpe tanto.
-Sabe que eu nem me culpo tanto assim? Eu na verdade só queria entender porque escondi a tampa da panela, deixando aberta pra que a comida estragasse.
-Então você acha que deixou a panela destampada de propósito?
-Acho que sim.
-Você já pensou que a tampa da panela podia não estar com você?
-Hum...nunca pensei nessa possibilidade.
-Pois pense e pense melhor ainda, pois toda experiência é válida. Não tente pensar no porquê quis estragar uma comida ao ponto de não querer experimentá-la, tente pensar que talvez apenas não estivesse com tanta fome.
Descruzou as pernas, sorriu e foi embora.