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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sem fim

Ele mal sabia que quando chegava daquele jeito, ela se aguentava  pra não poder chorar. E a inércia acontecia. Paradas, as portas se enchiam de preguiça alertanto a casa toda, com seu barulho, de que o guarda roupa estava se abrindo. Ela, fechava a boca com as mãos rápido, antes que teimasse em abrir pra gritar um "não!". Mais uma vez, mais uma vez, "mais uma vez." Era pequena suficiente para estar no canto da porta sem que ele a visse, e se achava pequena demais também, para lhe dizer que a cada volta e saída dele na casa,  do guarda-roupa se abrindo ao fechar das malas, ele levava pedaços dela que se perdiam e não voltavam mais. Chupando as pontas do cabelo, se controlava naquele canto triste da porta do quarto, e espiava a solidão dos vestidos floridos da mãe, que ficavam pendurados no cabide daquele espaço escuro, sem mais roupas tão azuis, do pai. Ele era... não dava,  mesmo que fosse a mãe era sistemática demais. Os dois, nunca foram dois, e cada um tinha o poder enorme de despertar o demônio um do outro. E isso foi tão sério , que quando ele finalemnte se foi, vivo, nem arcanjos ela quis procurar, nunca mais quis saber de homem nenhum, prefere contar o dinheiro, do que entender o que houve de tão errado naquela desunião. Ele, até que achou, mas toda separação tem suas consequências, e como o ogro dos contos de fadas, pois-se a viver com seu arcanjo longe da cidade. Os caminhos estavam traçados. E  não existia mais canto triste de quarto  brigado para aquela menina pequena contar quantos pedaços de si sobraram, quantos se foram nas malas pra nunca mais...
Continuou sem seus pedaços, ficando cada dia mais bonita, mas não percebendo isso, ganhando novos papéis, mas não percebendo a importância disso, interpretando sorridente, mas no fundo também se sentia triste, dedicando-se por um amor, que não procurava isso. 
Talvez nunca saberá lidar com começos e fins. Pois naquele canto, arquivou-se no meio
Existe um vale triste que li uma vez, cuja pena dos mortos eram momentos ruins seguidos e freneticamente. Quem sabe...os pedaços que sumiram de si não estavam ali.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O Caso peludo de Acácia

             Não concordava com a ideia de que estivessem lá apenas pra se expressar. E que ainda por cima fossem duas! Mas concordava que se expressavam bem, e concordava que se  tivesse apenas uma sobrancelha, ia ser esquisito. Desde então, deixou a mania de julgá-las em paz. E a menina Acácia cresceu bonita como a árvore do seu nome.
              A noite, a jovem saia com o objetivo de sorrir. Percebeu que esse  era um caminho fácil de estar dentro dos olhos masculinos . Seu coração era sempre cor de rosa, alegre e divertido e seus olhos bem treinados (nem muito profundos, nem muito distantes) davam a forma de nunca se dar mal, e sempre funcionava. Desviá-los requeria um cuidado maior, por incrível que pareça , fica fácil destinguir inquilinos do instinto estranho de gostar de desprezo . E sinceramente? Não  era nada bom apreciar ou abusar dessas espécies raras.  
             Das condições de Acácia,  uma delas era preservar as mãos (e as alheias) . Não que fossem maliciosas, era só que mãos sempre lhe pareceram frágeis, tendenciosas e do tipo que se dedicavam rápido. Se possível nem usá-las muito  se recomendava. No máximo, que fossem encontradas pelas danças e quem sabe se o beijo fosse agradável, usá-las na nuca. Caso contrário, primeira porta a direita. 
           E era assim: Com sorrisos, sem apostas, sem muitas informações, sem promessas longas e das mentiras, apenas as brancas. Á vontade mesmo, Acácia estava na música, que entrava pelos ouvidos sacudindo o corpo num movimento que transparecia tanta peculiaridade, que a moça chegava a ser vista como a árvore bonita que vivia em seu nome. Por conta disso, se começasse o molejo logo atraia companhias, convites, respostas curtas, alguns suspeitos, longas olhadas sem futuro...até que... ela estragava tudo e se flagrava naquela mania de olhar as sobrancelhas de quem vinha conversar.
         "Mania besta, mania besta!", ela declarava para si mesmo tornando o possível diálogo num monólogo distinto. Finas, longas, grossas, cruzadas, falhadas, bagunçadas, ruivas, trabalhadas... Acácia não conseguia evitar. A jovem nunca entendeu porque aquele montinho de pêlo em cima dos seus olhos, e no dos outros, desde pequena lhe pertubava. "Para que serve?", perguntava pra mãe se olhando no espelho. "Para se expressar Acácia, para se expressar!", a mãe respondia preocupada com as curiosidades sem nexo da filha.  "Mas só pra se expressar mãe?", e a mãe  se remoia levantando apenas uma das sobrancelhas fazendo-a calar. 
          Besta ou não, era mania, era sobrancelha, era Acácia.  Talvez, o que Acácia não podia entender era o fato de existir algo (no caso, com pêlos) sem função, mas dotado de expressão. E mal sabia ela, que desse mal muitos já sofreram... entretanto, com menos pêlos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Caolha por opção

Abriu um olho só, o outro não abria por causa das lágrimas do dia anterior. Ontem, enquanto seus olhos decidiam se queriam chorar até não poder mais, ou se dormiam, o corpo cansado e o coração indeciso, decidiram que no dia seguinte os olhos acordariam inchados. No decorrer da noite, enquanto tentava sonhar, as lágrimas foram lentamente amarelando-se e transformando o líquido salgado em remelas, que conseguiu fazer com que os cílios de baixo finalmente descem descanso as réplicas dos cílios de cima, e como num beijo obcecado, os olhos grudaram. Talvez, tivesse um entupimento no buraco do olho esquerdo. Seria a única explicação para dois olhos chorosos pararem de chorar e apenas o olho direito acordar remelento e fechado.  
Com aquele único olho aberto, já de manhã, viu um raio de sol infestando com calor suas pernas fora do cobertor. Lembrou que se esquecera de fechar a cortina antes de se jogar na cama aos prantos, e ao recordar do motivo do choro, fechou seu único olho envergonhada e o estomago vibrou o pano fino da camisola. Passando a mão na barriga confusa, não sabia se já era fome ou mais um enjoou matinal.          
Determinada a descer para cozinha e encarar um novo dia, disse para si mesma que não foi feita para manhãs, que o sol a entediava e desceu as escadas contando as paredes o quanto odiava morrer de calor. O tempo estava sendo o senhor da razão, só se entretendo com o tempo para se esquecer das picuinhas emocionais.             
Decidiu na beira da pia quando escovava o céu da boca impressionada com a imagem de si mesma caolha, de que não, não ia despregar o olho. Ficaria caolha enquanto pudesse. E foi a maneira que encontrou do dia ser verdadeiramente um novo dia.
Sem gasolina, irritou-se novamente lembrando da noite anterior, e respirou fundo estremecendo o corpo inteiro de um calor desconfortável. Como sempre fazia favores numa boa, e o vizinho era uma rara espécie da rua de características gentis, não viu problemas em perguntar se ele podia trazer um pouco de gasolina do posto mais perto para ela poder se locomover. 
O vizinho possuia olhar direto mas depois ficou olhando-a de rabo de olho, talvez estivesse assustado com o olho pregado. É de se desconfiar que setenta por cento da decisão de ajudá-la tenha sido por dó, preocupação e curiosidade pelo que teria acontecido para aquela moça até bonitinha decidir que aquele dia veria o mundo por apenas um ponto de vista.
Depois de agradecer o favor, percorreu alguns kilometros até o bosque da cidade e sentou-se num lugar perto de flores roxas luxuosíssimas. Tirou da bolsa velha milhares de papéis perfumados e tentou picotá-los depois de sete dobradas, difícil... não conseguiu. Depois se lembrou que era como estar dobrando sete árvores, algum professor lhe disse isso uma vez.  
Alguns cílios já se despregavam sozinhos e faziam força pra pestanejar e despertar a paz do olho fechado da caolha infeliz. Agora, Sueli começava a rir pela primeira vez nessa história, é que parou pra pensar e achou graça da coincidência de como se planta árvore e sentimento  e de como também se arranca árvore e sentimento, e de como planta-se sentimento em papéis . Deitou harmônica em meio as flores luxuosas e o olho aberto  se juntou ao pregado e se fechou. Só a boca estava aberta agora.

(Esta história é dedicada as árvores que caem para virar papel que muitos usam pra despejar sentimento humano. E aos primeiros bastardos também, os Ciclopes.)