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sábado, 21 de novembro de 2009

O mistério das comidas.

Não sei cozinhar. E eu penso nisso às vezes. E esse é um dos meus dilemas que empurro com a barriga. Não saber cozinhar é praticamente não saber sobreviver. É admirar o cheiro da comida saindo da panela como se fosse um...um... desenho do Picasso! Que você admira mas não sabe fazer, que está sendo feito para você com toda uma penumbra de criativadade, atenção, e mistério.
Não saber cozinhar me fez afirmar:
"Eu admiro o que não sou capaz de fazer, incrivel!"
Segundos depois, me fez entrar em crise:
"Mas, se eu admirasse o que não sou capaz de fazer, eu admiraria também qualquer coisa vinda ou vinculada a exatas, não?"
e terminei desafirmando tudo por conta do que eu nunca gostei, matemática.
Quando eu era menina, pensava que cozinhar seria resolvido com livros de receita, tive ainda um plano de comprar um caderno e entrevistar minhas avós anotando tudo que eu queria aprender a cozinhar, minha missão seria começar do arroz e terminar nos grandes banquetes de ceias natalinas. Minhas duas avós são cozinheiras de mão cheia (e as duas possuem temperos deliciosos e diferentes!) o que explica como somos moldados pela cultura e não pela genética (antropologia na veia gente!) e o que me serve de consolo.
Contudo, como eu disse no começo, fui empurrando com a barriga e não inventei meu caderno, não coloquei o plano em prática, (nem em teoria, ficou em sonho) o que não fez com que os anos deixassem de passar e eu me entregasse ao cruel destino de afirmar: "Não sei cozinhar."
Não foi com um livro de receitas, (das poucas tentativas de cozinhar alguma coisa por conta própria) que descobri o mistério das comidas. Foi prestando atenção naquilo que eu mastigava e que sustenta meu corpo.
Fui surpreendida, é que a comida mesmo sendo calculadamente feita por, por exemplo, três pessoas, e mesmo sendo a mesma comida, elas possuem gostos diferentes.
Comida, passou a ser para mim então, mais que só comida. Mais que só quente ou friamente calculada, passou a ser uma arte! Adquiri então, uma verdade absoluta sobre o que eu não sei, afirmando algo que não era meu, mas que serviu para mim:" Cozinhar é uma arte."

(Fê tem várias teorias sobre as comidas, e afirma sem se oferecer a fazer, que sabe fazer macarrão!)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Na ilha Fê(cunda)


Vivo, não aparentemente, em uma ilha. Uma ilha de pensamentos, de conceitos, de ideias, de vontades, de devaneios. Nessa ilha ninguém pisa. Nessa ilha, eu, livremente, passeio pela vegetação sem horário de chegada, sem horário de partida. Faço chover em um pestanejar, e ensolarar num simples estralar. Apesar de viver em uma ilha, descobri que sou a ilha! E que mesmo assim, preciso de liberdade, eu morro de vontade! E como me é pernicioso ser livre por aí, vou no meu barco voador.
Meu barco, pequeno barco flutuante de madeira ou sem motor. Dessa forma, consigo estar adentrando em muitas praias, posso rechaçar, posso dissuadir, ser unânime! E brinco, falo, me impressiono, porque tudo é novidade. Eu não desço do barco. O meu negócio é embarcar nas viagens. Fico ali sentada, com meu guarda-chuva, protegendo-me da luz demasiada, acho que todos nós devemos ter um pouco de sombra. Estar na penumbra, é o que há! Nessas praias, eu viajo feliz, e não há fadiga, nem injúrias o suficiente para me esgarçar. Acho que é sempre bom estar absorto. É preciso estimulá-los, criar apetite.
As vezes, aparecem indivíduos segurando nas bordas do meu barco, e é aquela fricção, eu até dou umas olhadas, mas sinceramente? Tenho medo de perder o entusiasmo, e com meu guarda-chuva cuido logo de bater nas mãos que seguram, e me desfaço com volúpia, é que me parece meio frívolo ficar hipnotizada. "São só pequenas sereias, me digo." E continuo minha jornada. Volto para ilha cheia de novidade, cheia de picuinhas, meticulosidades que acrescentam. E planto, limpo e revejo as velhas vegetações. Também, de vez em quando, indivíduos vem de paraquedas, todavia, com meu estilingue me preparo para atirar, defendendo minha ilha, minha liberdade de expressão, minha espontaneidade caríssima nos tempos de hoje. "São piratas?", me pergunto. "Não sei, mas aqui adentrar? Não! Porque meu tesouro está enterrado.", é que...sou pitoresca ainda, e isso é ouro!
Desconfio, em cima de uma árvore, me refrescando, de que um dia talvez eu não consiga resistir por muito tempo tantas ameaças. Mas, enquanto só desconfio, farei chover e ensolarar em um pestanejar.
Uma ilha...e como me é pernicioso ser livre por aí, vou no meu barco flutuante com o guarda-chuva do lado, porque luz demais, me assombra.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Meu príncipe entrevado.

"- O senhor vai ganhar de novo, né? Por que não posso andar para trás?!"
- Porque na dama só anda para frente Nanda."
O banheiro está ensopado. A casa, uma parentada. A dor de cabeça passou. E por mais que não fizesse sentido nenhum para mim chegar perto de você agora, fui obrigada. Não era você, estava tão inchado, ainda bem que não parecia você, eu já sabia que não ia ser você lá. O Eduardo, tadinho, nunca quis te ver desde que soube, e vomitou quando chegou perto de ver, ele também sabia que não encontraria você. As mãos ainda eram suas, resolvi olhar só para elas,
"O senhor acerta bem no meio das latinhas! Eu não consigo! Esse estilingue tá quebrado?"
"Mira no meio Nanda, assim ó!"
cheias de marcas, foram tantas agulhadas, tantas tentativas. Nem parece, mas acabou finalmente o nosso viver daquela suspeita. Posso me lembrar de quando suspeitamos da notícia, pela primeira vez.
Aquele dia deixei de me ver como filha, estávamos fingindo que dormíamos, e ela me perguntou se eu suspeitava, senti como se o que saísse da minha boca fosse sempre algo sensato e sincero, e eu respondi dessa vez com medo. Ela me contou que você a vida toda foi tão carinhoso, e choramos, quando percebemos que você tivesse dado lembranças boas na infância triste que teve.

Para falar a verdade, eu só chorei lembrando de toda a luta que foi desde que descobrimos até aqui, só chorei mesmo porque lembrei do começo, da sua teimosia, você não queria saber e insistia que ficar vivo pertencia mais a sua vontade do que ao que era realmente verdade, depois, eu só chorei por conta do cheiro do açougue, das oferendas de refrigerante e salame, das partidas de estiligue e tabuleiro de damas. Por último, e só porque não tem jeito, vou chorar por causa do "toda vez ".
Se foi, ouvir sua voz querendo mais sorrir do que sair, seu jeito de kiko (do programa do chaves) e o que eu não vou receber. Um telefonema no meu aniversário com aquele barulho de Br no fundo,
"Oí? Está me ouvindo? Eu não esqueci não, viu? Fica sossegada porque a caixa de bombom já está a caminho!"
Ô vovô...que eu consiga guardar seu sotaque na memória, que eu não me esqueça.

domingo, 8 de novembro de 2009

Até mais ver...

Não voltarei para casa. Aquele dia, matei, morri, e suicidei todo um processo. Não voltarei para casa. Não do jeito que saí. Não na fome que sentia. Nem nunca mais vou me despedir ferida. Não vou deixar de amar quem em casa continua. Do jeito que eu sonhei, o que vivemos, permaneceu com um “Para sempre” e seguiremos felizes. Não vou esquecer de nada, porque esquecer é a coisa mais feia do meu mundo. A única tragédia é que não sinto mais tanto, e por mais trágico, foi só assim que finalmente ganhei uma bóia e parei de me afogar. E foi assim que deixei para sempre (e sem querer) de sentir a sensação: casa, mesmo que eu volte por lá.
O jeito sozinha, é basicamente cambalear ali e aqui, com o guarda chuva em pé, no foco da corda, que ás vezes é bamba. Equilibrar é fundamental, e às vezes sambar na frente de todo mundo na rua também. Aconselho continuar na bolha enquanto o instinto for seguro. Só espoque quando sufocar. Quando der, telefone, chore, grite, (e escreva sempre), de vez em quando caia no chão com tudNegritoo no porre, coloque óculos escuros e não dê satisfação para ninguém, excite-se com o que a universidade anda pedindo que leia. E aproveite sua idade e os mais velhos que tem cara de serem ex- porras loucas da vida para chingar o mundo por ter te estragado, eles se incham, eles se veem. Não se preocupe em chutar a porcaria da porta que não sabe se fecha ou se abre, ninguém está vendo, e depois, gargalhe alto e durma em seus pensamentos . Isso, é o que eu chamo de servir.
(para alguma coisa)


(Tô viva gente!)

A verdade, a pura verdade.


Você nunca vai entender minha tamanha maldade, porque você é uma pessoa que a bondade vem da confiança.
Eu, nunca confiei inteiramente em nada, e isso vem, claro, da minha própria desconfiança de que tenha alguém tão mau quanto eu.
Desconfio do que você fala, ponho a culpa em você em cada uma das suas viradas de costas para mim, e deduzo que meus exageros e vontades ás vezes postos nos meus discursos, nos seus também existam. Mas, acredito, e te subestimo, que seus pontos de vista devem ser um pouco menos envenenados que os meus.
Nem sinto remorso, eu me acostumei com a minha hipocrisia. Já me acostumei com a falta de verdade e a presença do fingimento paciente.
Sua boca abre. Parece que é tão inocente que talvez não perceba que esteja transmitindo nas conversas sua verdade. Não é pura! Não é a minha, e por favor, não é nada além...é sua boca, e ela fecha.
É por causa da minha maldade percebida, e sua bondade inconsciente, que a verdade pura nunca vai existir. Que as versões sempre vão substituir o puritano lugar. Que eu nunca vou deixar de desconfiar.
No mundo vai ser sempre assim. Uns maus, uns bons, e uns. Menos nós dois.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Afã

Quanto tempo falta para eu nunca mais ser assim?
Quanto tempo falta para eu simplesmente dizer sim?
Quanto tempo falta para eu abraçar a liberdade sem receio?
Quanto tempo falta para eu ganhar dinheiro?
Quanto tempo falta para eu cortar essa corda ,e não pegar essa onda, que me amarra?
Quanto tempo falta para eu descer dessa árvore sem cair?
Quanto tempo falta para eu finalmente sentir, já que me conheço?
Quanto tempo falta para eu me conformar de vez?
Quanto tempo falta para eu, por começo entender?
Quanto tempo falta para esse caos "adolecêntico" passar de vez?
Quanto tempo falta para eu parar de confundir que perceber serve para temer menos e aprender mais?
Falta tempo quando...quando falta tempo...esse tempo presente, esse tempo falta.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Cruz Vermelha.

Entre a frivolidade da juventude, decidiu ser médico, quando do corpo já entendia, decidiu ser turista. E turistou onde não havia gente entendida como ele. Conquistou a confiança de muitos, e no fundo ansiava, não queria ser só doutor. Conheceu ela na porta da sala de cirurgia, conheceu apenas os olhos, o resto coberto de branco, outras vezes de verde.
Corria, com as vidas, e quem abria o caminho era a dona dos olhos, talvez uma enfermeira.
O certo era que nunca lembrava dela por conta da rotina, e somente nas emergências a via, somente naquele momento de euforia, de responsabilidade, de começar o que sabia.
Certo dia acabou-se as luvas, e foi isso que fez com que ele fosse buscar uma caixa na sala de cirurgia. Lá dentro, a moça levou um susto e ele também. Ele, porque pela primeira vez ela estava de rosto e de cabelo e não só de olhos e nem abrindo caminho. Ela, por acabar de ter pensado uma heresia. O doutor pôs-se a esquecer de luvas dias e dias, o que na primeira semana, provocou risos na enfermeira, e o que no final dela, preocupação com a memória alheia. Se eu dissesse que a enfermeira não entendeu que as luvas ausentes mudaram seu rumo, estaria mentindo. O doutor beijou-a, depois de quinze vidas salvas na semana, e a enfermeira, depois de treze empurrões nas portas para a ala de emergência, e foram dois, dois únicos e assustados desprevenidos beijos, que não precisaram mais de tempo, só de vida.
O esquecimento das luvas foi esquecido pela presença das mãos e os fantasmas que rodeavam o hospital tiveram o que suportar.
Não demorou muito e a guerra veio trazendo mais vidas, e menos tempo. Ela foi mandada para fora, cuidar dos homens corajosos da nação, ele foi mandado para dentro, com irrecusáveis propostas.
Em uma primavera, depois da bifurcação, a enfermeira recebeu uma caixa inteira de luvas pelo correio, dentro uma frase: "Quando a guerra terminar vou reconstruir meu jardim, se você ainda me amar...", fechou, não leu mais, e contou quantas luvas tinham, depois, viu só o final do bilhete "Abraços, o esquecedor de luvas."
"Caro doutor, sabe quantos salvei? Muito poucos em comparação aos que morreram. Vejo que as luvas não te fazem mais esquecer, e que pretendes criar flores, estou ávida para doar minhas mãos e plantar contigo. Abraços, a dona dos olhos."
Assinou como "olhos" porque sabia do que ele mais gostava. Quanto a não ter lido o bilhete inteiro, ninguém sabe explicar.
Os dois não eram mais dois, e estavam duas estações longe um do outro. Mesmo assim, eram bons amigos, possuíam boas lembranças e começaram a se comunicar por correspondência hospitalar.
Além dos comentários populares sobre uma moça firme e que sabia olhar, ele conseguiu encontra-lá, porque apesar dos horrores da guerra, ficou sabendo sobre a história de amor dela com um marujo muito corajoso que infelizmente morrera depois de salvar um amigo afogado.
Foi em um feriado religioso que se encontraram, na sala que se entrevistaram, nas escadas que sorriram, no quarto que se trocaram, e foi na varanda que deram uma tragada frustrada, uma gargalhada cheia, e já quase no jardim, que trocaram uma última vírgula sobre a guerra para por fim plantar as flores, que aliás, viveram coloridíssimas até o verão.

(Pediram um estória de amor.)