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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Cruz Vermelha.

Entre a frivolidade da juventude, decidiu ser médico, quando do corpo já entendia, decidiu ser turista. E turistou onde não havia gente entendida como ele. Conquistou a confiança de muitos, e no fundo ansiava, não queria ser só doutor. Conheceu ela na porta da sala de cirurgia, conheceu apenas os olhos, o resto coberto de branco, outras vezes de verde.
Corria, com as vidas, e quem abria o caminho era a dona dos olhos, talvez uma enfermeira.
O certo era que nunca lembrava dela por conta da rotina, e somente nas emergências a via, somente naquele momento de euforia, de responsabilidade, de começar o que sabia.
Certo dia acabou-se as luvas, e foi isso que fez com que ele fosse buscar uma caixa na sala de cirurgia. Lá dentro, a moça levou um susto e ele também. Ele, porque pela primeira vez ela estava de rosto e de cabelo e não só de olhos e nem abrindo caminho. Ela, por acabar de ter pensado uma heresia. O doutor pôs-se a esquecer de luvas dias e dias, o que na primeira semana, provocou risos na enfermeira, e o que no final dela, preocupação com a memória alheia. Se eu dissesse que a enfermeira não entendeu que as luvas ausentes mudaram seu rumo, estaria mentindo. O doutor beijou-a, depois de quinze vidas salvas na semana, e a enfermeira, depois de treze empurrões nas portas para a ala de emergência, e foram dois, dois únicos e assustados desprevenidos beijos, que não precisaram mais de tempo, só de vida.
O esquecimento das luvas foi esquecido pela presença das mãos e os fantasmas que rodeavam o hospital tiveram o que suportar.
Não demorou muito e a guerra veio trazendo mais vidas, e menos tempo. Ela foi mandada para fora, cuidar dos homens corajosos da nação, ele foi mandado para dentro, com irrecusáveis propostas.
Em uma primavera, depois da bifurcação, a enfermeira recebeu uma caixa inteira de luvas pelo correio, dentro uma frase: "Quando a guerra terminar vou reconstruir meu jardim, se você ainda me amar...", fechou, não leu mais, e contou quantas luvas tinham, depois, viu só o final do bilhete "Abraços, o esquecedor de luvas."
"Caro doutor, sabe quantos salvei? Muito poucos em comparação aos que morreram. Vejo que as luvas não te fazem mais esquecer, e que pretendes criar flores, estou ávida para doar minhas mãos e plantar contigo. Abraços, a dona dos olhos."
Assinou como "olhos" porque sabia do que ele mais gostava. Quanto a não ter lido o bilhete inteiro, ninguém sabe explicar.
Os dois não eram mais dois, e estavam duas estações longe um do outro. Mesmo assim, eram bons amigos, possuíam boas lembranças e começaram a se comunicar por correspondência hospitalar.
Além dos comentários populares sobre uma moça firme e que sabia olhar, ele conseguiu encontra-lá, porque apesar dos horrores da guerra, ficou sabendo sobre a história de amor dela com um marujo muito corajoso que infelizmente morrera depois de salvar um amigo afogado.
Foi em um feriado religioso que se encontraram, na sala que se entrevistaram, nas escadas que sorriram, no quarto que se trocaram, e foi na varanda que deram uma tragada frustrada, uma gargalhada cheia, e já quase no jardim, que trocaram uma última vírgula sobre a guerra para por fim plantar as flores, que aliás, viveram coloridíssimas até o verão.

(Pediram um estória de amor.)

3 comentários:

Marina de Alcântara Alencar, a Nina. disse...

bela história de amor, com um pedaço do poema de papai.
Bom dar uma revisada na pontuação.
beijos. ;*

Marina de Alcântara Alencar, a Nina. disse...

aaaaaaaaaaaah pq nao dá pra comentar no "uma vez era"?
tá liindo, "galinhês" kkk nem lembrava maiis!
bjooo

Miranda disse...

perfeito, qndo eu penso q ja li de tudo um pouco o q vc escreveu, acha um jeitinho de me surpreender, vc é FÊ-nômeno =p