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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Carta


Mãe, lhe devo desculpas. Pensei que sabia tudo sobre o amor e na verdade eu nunca soube de nada, por isso tanto sofrimento agora finalmente sanado.  Mãe, de repente parei de te ligar, de repente eu só precisava e não precisava daquilo pra respirar. Será que a senhora pode me fazer uma visita um dia desses? O clima aqui está estranho, eu me sinto tão sufocada e ao mesmo tempo tão sozinha, não conte pra ninguém mas sinto falta da família, se eu pudesse estaria com vocês, estaria com vocês pra sempre. Mas é que eu sei que o nosso fim está contado, devo me aproveitar desses momentos ruins, devo sofrer. Mãe, um dia desses ele e eu perdemos a cabeça numa briga horrível e numa das minhas tentativas de acabar com ela, acabei não me lembro como dentro de uma proposta de casamento sem nem perceber. Não era o que eu queria, aliás, eu acho que ele percebeu, mas ficou tão chateado que me deu a alternativa de terminar tudo e eu fiquei completamente perdida, porque eu não sabia que era capaz de fazê-lo chorar feito uma criança daquele jeito, eu não queria!  Não era pra ter acontecido isso, não era pra ter sido assim, não era pra ter sido de repente, não era mãe, pra eu esconder tantos sentimentos dele, tantos medos, tanta insegurança, não era pra eu esconder minhas coisas feias, meus constrangimentos, meus valores, não era pra eu me cobrir toda vez, nem querer voltar pra casa logo, não era pra eu me deixar ser controlada como se tivesse desistido das minhas reais vontades, eu sempre me conheci tão bem mãe, casar nunca foi uma vontade expressa, casar está entre os últimos de todos os planos e viagens... A senhora tinha essa impressão? Eu acho que ele não me conhece de verdade, na verdade as coisas sempre são muita boas do lado dele, mas é engraçado como eu escondo meus medos, minhas ânsias, meus defeitos ou tento mostrá-los mas não consigo nunca ver claramente os dele, isso me deixa muito preocupada, ele me parece ser muito perfeito, eu não quero me casar com alguém assim, eu nunca pensei que encontraria  alguém quase perfeito, eu sempre aprendi tão  melhor com os erros, eu funciono muito bem com defeitos. Eu... fico me perguntando porque é que tenho esses comportamentos omissos, porque é que me escondo, mas eu sei que é porque não sei com quem estou lidando, não sei pelo o quê estou apaixonada. Tudo que eu sei é que nada disso foi sonhado, nem a minha Barbie mais louca aceitaria se casar desse jeito! Nesse exato momento eu posso ver o fantasma de um vestido branco pendurado na minha sala. Um vestido lindo, dos mais caros, dos mais desejados, dos mais puros. Mas que no coração da minha mulher, é uma pobre alma penada, vazia, solitária. Como pode Mãe? Como pode eu sentir tanto medo daquele vestido?  As vezes eu acho que você e papai, podiam ter me proibido desde o começo, podiam me impedir de cometer tudo isso, podiam me servir de desculpa, pra essa culpa não ser minha, pra eu continuar sendo apenas aquela menina. Essa mulher no espelho não existe mamãe! Por favor, me ajude para que isso não aconteça. Talvez aconteça um acidente antes do casamento, talvez eu seja atropelada por um ônibus, talvez ele perca o emprego, fique doente, não sei... talvez tudo possa dar errado até lá, quem sabe se eu ofender aos pouquinhos, atiçar suas feridas, escrever um email preocupado pra alguém, quem sabe até lá as coisas não dêem errado, não é mesmo? E ai talvez eu não precise lidar com aquele vestido branco que está me assustando ali na sala...e se a senhora falasse que era contra?! Eu acho que você podia ajudar, não sei me parece mais fácil a culpa ser sua...você pode por favor, me fazer uma visita? Não estou feliz e tem uma casa de sombras cada vez mais nítida dentro do meu peito a qual eu estou me aproximando cada dia mais, e não me sinto a vontade pra contar pra ele, porque eu não o conheço de fato, eu não sei nem do que ele tem medo, eu queria, por favor, que você viesse me fazer uma visita, tem um vestido branco na minha sala e eu estou com medo.

2 comentários:

Unknown disse...

"Querer-se livre é querer também livre os outros." Simone de Beauvoir

Fernanda de Alcantara disse...

(: saudade anjinha!