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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Reza baixo que eu quero dormir.






1998

-Nina você perguntou pro papai quem é deus?
-Perguntei.
-Ele falou o quê?
-Ele falou que é uma luz.
-Uma luz? 
-É... mas não é uma luz que nem uma lâmpada acesa, sabe? É tipo uma luz bem forte... a mamãe falou que era o quê?
-Ela falou que não sabia como era, mas que não era um homem de barba branca sentado num trono, que era tipo uma coisa boa que a gente sente quando olha pro céu e pra natureza, uma força que rege o mundo...
-Hum sei...

2001

- O professor contou uma história horrível pra gente hoje Nina!
- Que história?
- Não quero contar, estou com medo...mas foi sobre o diabo.
- Você tá com medo?
- Tô. E o diabo deve estar nos escutando agora! (abaixa o tom da voz) Não entendo...se deus existe, porque ele não destroi o diabo de uma vez? Estou desconfiada de que deus não pode destruir o diabo...
- O diabo não existe Nanda.
- Existe! Porque quando eu falei que não existia, as meninas na sala falaram que se ele não existir, deus também não existe.
- Isso é uma besteira!
- O que a gente faz pra não ter medo do diabo?
- O diabo não existe Nanda!
- Existe!
- Reza.


2005

-Nina o que é esse símbolo nas suas apostilas da escola?
-Qual simbolo?
-Essa foice e esse martelo...eu já vi isso em algum lugar, mas nunca entendi.
-Ah, é o simbolo do comunismo, eu sou comunista agora. Estou do lado do proletariado e você?
-Não sei de que lado estou...O que é proletariado?
-Proletariado é o trabalhador Nanda. Nós vivemos num mundo capitalista, onde os ricos decidem e fazem o que querem, está vendo esse barbudo aqui? Ele se chama Che Guevara, ele é comunista e está morto, mas libertou muitos povos, as pessoas não prestam Nanda! Elas só pensam nelas mesmas e em dinheiro! E a religião...a religião é o ópio do povo! Uma mentira que inventaram pra enganar todo mundo! Já reparou como as igrejas lucram?
-Meu deus! Porque ninguém nunca nos contou nada?!
-Porque não é vantagem pra eles. E não adianta falar meu deus, porque ele não existe, nem nunca existiu Nanda, eu não queria te falar isso, mas acho que você ta preparada pra saber.

2007
-Eu gostei dessa mocidade do centro espírita, esse tal de allan kardec parece ser bem sabido, e a filosofia deles faz a gente refletir muita coisa...
-É...também me senti bem lá.

2008

-Reza baixo que eu quero dormir.
-Tá bom.
(desliga a luz do quarto)
-Nina?
-Oi...
-Você não acredita mais em Deus desde que virou comunista?
-Acho que não, acho que desde que não tenho mais fé, mas agora eu acho que sou agnóstica.
-Agnóstica?
-É. Pra mim tanto faz se existe ou não, jamais saberemos ou poderemos provar.

2009

Nanda foi pra capital, entrou pra faculdade, Nina estudava para o vestibular.
-Alô?
-Oi Nanda...
-Nina acho que não acredito mais em Deus.
-Por que?
-Porque to lendo muita coisa sinistra aqui, aquelas dúvidas que a gente tinha...não eram só nossas, tem bandeira de todo jeito nesse mundo! E ai me bateu uma tristeza...
-Eu acho que acredito em Deus de novo.
-Sério?
-Sério. To estudando muito para o vestibular, e de repente minha fé voltou...Deus deve existir, e está acima dos problemas que o homem arruma.
-Hum...pois a minha fé acabou, meu coração não se sente bem mais rezando, talvez teria sido melhor eu nunca ter perdido a fé, mas não ter fé não me torna uma pessoa malvada, na verdade não mudou nada! Só me tornou um pouco mais responsável e...aqui tem gente de todo jeito! Evangélico, ateu, comunista, vegetariano, homem que namora com outro homem...
-Hum...

2011

-Nina já dormiu?
-Não...
-Me sinto muito só...acho que quero me agarrar em alguma coisa de novo...eu tava pensando em ir no centro espírita domingo, você quer ir comigo?
-Nossa faz um tempão que a gente não vai lá, né?
-Acho que a gente era mais feliz quando participava daquelas mocidades, e estudava aqueles livros e descutia com o grupo no estudo, praticava caridade...sei la, acho que a fé ajuda muito a viver a vida...
-Eu também...sabe do que eu lembrei? Daquela frase: "Se não vem pelo amor, vem pela dor"...
-Lembro...acho que não ter fé foi quase uma espécie de dor que a gente passou, talvez devessemos voltar lá agora, as coisas devem ser bem diferentes quando as procuramos com vontade.


 
(Fé uma coisa que nasce, morre e renasce dentro da gente.)

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