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domingo, 19 de abril de 2009

Na alma da água.

Insistiu, não estava nada errado, era tudo apenas diferente. Insistiu ainda que não derramaria nenhuma lágrima, mas já estava tudo derramado. Insistiu por último, que seu coração parasse de estar sufocado, estava batendo como se estivesse entre agulhas.
Estava longe, tão longe, que lhe era desesperador, longe de um jeito que não sabia se um dia ia voltar.
Sozinho reparava toda a sujeira de cada azulejo ali, sentia nojo da sujeira, nojo do teto, nojo do que nem mastigava. Saiu dali e foi-se espairecer.
Chorou doído e fechou os olhos com uma força que parecia até que os cílios de cima estavam perdoando os cílios de baixo. Parou de chorar, parou de insistir, e um mosquito pousou em sua perna no ápice de fazer uma reflexão. Encostado, ficou ali pousado na perna do garoto, este por sua vez, ficou pensando por quê o mosquito pousou logo nele, por que logo ali, e por que ainda não o havia espantado.
Teria o mosquito gostado de sua perna? Teria o mosquito cansado de voar?
O mosquito andou então três passos, e esfregou as patinhas, o garoto limpou uma lágrima e pensou nele mesmo, outra vez. O mosquito continuou andando em sua perna sem permissão ou respeito pela sua angústia, e o garoto curioso achou mesmo que o mosquito queria algo dele, mas seria impossível um contato, impossível qualquer comunicação, e antes que pensasse mais, o mosquito voou para o alto, e patinou no lago com outros, na alma da água e sem dar despedidas estava se divertindo, indiferente a angústia de quem a tão pouco tempo lhe serviu de descanso, de pouso, de quem sabe... socorro.
O garoto achou o mosquito egoísta, pegou uma pedra e jogou no lago, destruindo a festa dos mosquistos, que desconcertados foram embora, ou afogaram-se.
Ninguém sabe aonde o garoto foi parar, mas ele saiu andando para dentro do lago, em busca de se divertir na alma da água, que pareceu-me não o suportar, devagar o engoliu, e juro, nunca mais o vi.


(Um mosquito pousou na Fê)

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