Incomodada pela lebrança de um cômodo .

Sem o computador, aquele dia, reparei melhor as tralhas do escritório. Quantos escritores, cantores e atores vivem ali, por tanto tempo. E reparando tudo, vi aqueles dois inseparáveis. Aqueles dois pretinhos, iguais, irmãos e parados como sempre, portas CDs. Vi, depois de tanto anos sem tê-los vistos ou me perguntado aonde foram parar. Os dois, tão imperceptíveis no meio de tantos livros e filmes. Costumavam, ser recheados de CDs, mas ali, empoeirados, escondidos e com tão poucos CDs encaixados e ainda de qualquer maneira, chegava a dar dó. Sem contar com os arranhões.
Lembrei-me então daquela, quase esquecida, sala de música que existia.
A sala de música que portava duas poltronas, um quadro de paisagem no meio das duas e uma janela na frente, do lado o som e aqueles dois portas CDs, num ponto de vista muito mais alegre, cheio de CDs do primeiro ao último buraco, encaixados em fileira, todos ainda dentro das capas, e alguns que pareciam ser intactos de tanto zelo.
Quase todos os dias eu ficava ali, naquela sala de música, relembrando conversas ou pessoas. Me transportando para a paisagem daquele quadro colorido, ouvindo alguns CDs ou imaginando o que aqueles móveis e objetos conversavam quando eu estava e quando eu saia de lá. Nunca me senti só naquela sala.
Talvez, o que eu mais me perguntasse fosse o porquê de tantos CDs ali, já que meus pais quase nunca os ouvia. Só vi eles serem rodados por mim e em algumas festas que a casa tinha.
"Será que antes do meu nascimento eles ouviam esses CDs?" me perguntava.
"Meu pai teria comprado todos aqueles CDs por amor a música?"," Teria meus pais um dia, sido grandes ouvintes de música?", "Como eles perderam o gosto pela música?", "Como eles conseguiram passar tantos dias dentro de casa sem ouvir aquele tesouro?"
Eu era praticamente a única a frequentar aquela sala de música, a ralar alguns CDs por ali, a usar aquele velho som.
Sentar na poltrona e ficar ali sozinha com aqueles objetos e os CDs, me deixava com uma felicidade bastante desconhecida.

Transformava às vezes (brincando), a sala de música em um programa de TV. Eu era a apresentadora, também era os expectadores, os telespectadores e até os câmeras. Eu era o que eu quisesse ser! E com música, anunciava minha entrada, meu programa, os intervalos, as brincadeiras e o fim dele.
Era como se fosse minha obrigação acordar todos os dias e saber que à tarde eu deveria ir vê-la. Visitar aquela sala de música.

Crianças, mexem em tudo e um novo membro nasceu na família. Os CDs então, foram empacotados, todos retirados um a um dos dois portas CDs. Quando estavam sendo guardados, percebi (mas não comentei), que jamais os ouviria outra vez.
Todos os CDs foram botados em caixas de sapato, encheram-se muitas e muitas caixas com eles. Com o tempo eu até poderia ouvi-los novamente em algum lugar, mas jamais seria a mesma coisa. O som perdeu seu lugar, os CDs perderam suas presenças, as poltronas não estavam mais lá e o quadro também foi empacotado e enfiado em algum lugar. Acabou-se a sala de música. Rompeu-se ali uma felicidade desconhecida que me fazia esquecer que eu era medrosa ou que cresceria um dia. A presença daqueles objetos na posição onde estavam e como conversavam (rs) deixaram a lembrança de tardes diferentes e que talvez jamais voltem para mim.
Ninguém lembrou de repor os CDs nos portas CDs novamente e eu já esperava isso. Fazia sentido, afinal de contas eu dava vida a sala.
Logo, a sala música foi quebrada e transformada em mais um quarto. A casa passou a ser então, como sempre foi para os outros membros da família, a mim. Uma casa, só.

Pude ver nos portas CDs, aqueles dois, parados como sempre, quantos anos passaram sem entender o porquê de eu ter desistido deles.
Chego a pensar, de vez em quando, que a culpa de eu ter conhecido tardes de tédio, foi da sala de música. Descubri agora, o quanto senti sua falta e não falei nada porque era... um cômodo, um cômodo de casa.

Comentários

Anônimo disse…
Uh, eu tb relembrei aquele quarto a partir da leitura desse seu texto.Imprescionante como vc lembra dos detalhes heim, pois já faz tanto tempo né? Parabéns, seus textos são muito bons.Saudades,Bjus
Tia Val....
Nostalgia diria,

lembranças de lugares que jamais voltam, o mesmo acontece para mim com casas, apartamentos, não são mais os mesmo até a cidade...
Anônimo disse…
eu vou parar de comentar aqui. Seus textos me deixam sem palavras!

quando publicar um livro, já sabe quem vai comprar o primeiro né? ;D

:**
********* disse…
eh tbm tenho lembranças não so de comodos como pessoas e animais.(a lembrança de pessoas são as mais frequentes)

p.s: todo dia dou uma olhada no seu blog para ver seus textos

dar uma olhada no meu

http://sonhoseeu.blogspot.com

bjins

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