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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

"E o Sol?"



Já passava da meia-noite, eu não poderia mais banhar de piscina, nem jogar bola, nem correr sendo observada pelo sol, nem estar entre pessoas da minha idade, nem pedir nada no bar. Havia acabado todos os afazeres em uma ída ao clube de tarde.

Na mesa de plantão, dos jogadores de futebol, (a maioria- pais de família), que jogam alguns dias da semana (e todos do fim dela) por diversão, bêbados riam e conversavam.

A mesa é sempre enorme e cheia de confusão, seu pai senta-se nela. Há homens de todos os jeitos, dos brincalhões aos apelões, dos quietinhos aos fanfarrões, dos intelectuais aos simplesmente simpáticos. Depois de um jogo, serve-se a noite, e assim o ínicio de comentários sobre "como foi aquele jogo". E é claro! Se desenrolam milhares de outros assuntos e brincadeiras.
Um dia, ou melhor, uma madrugada dessas que fiquei, começou o assunto "Dom".
Devo lembrar que os homens dali, são de fé e profissões diferentes e que bêbados são bem sinceros e... vermelhos.
"Dom: dádiva divina existente no homem ou característica marcante acabando por tornar um homem especial (Defini bem?), existe ou não existe?"
Uns disseram que existe, outros que de maneira alguma, uns apareceram para saber do que se tratava e outros riam e zombavam dos rebates de argumento.
Um doutor chamado Rúi, dizia: "Dom existe! Porque o Pelé meu amigo, o Pelé! Como pode?! Jogar daquele jeito!" e outro dizia: "O Pelé?! Mas hoje já existe jogador melhor que ele, não se iluda pela rede globo.", outros apenas perguntavam (modo socrático de se fazer) "O que é Dom? Hãm? Defina!"
Um, disse: "Vocês acham mesmo que o Leonardo da Vinci ou o Picasso ou esses cientistas por aí são normais? Dom existe! Oras...".
Outro, rebateu: "Eles se esforçam é diferente!E claro, podem ter criatividade, não existe Dom!", e mais um se manifestava: "E o Einstein?! Hãm?! Vão me dizer que aquele cara não era especial? Dom existe sim!" e a risaiada entorpecia o ambiente.
Um deles, outro médico inclusive, de segundo nome Catini, tomou a cerveja depressa e levantou dizendo: "O Einstein era especial? O Einstein era um louco! Batia na mulher, trancava no porão, esse era o dom dele?", todos os outros: "Como é? Dessa eu não sabia!", e ele respondia: "Sim! Isso mesmo! Quem quiser saber que procure nos livros, es-pan-ca-dor!".

Pausavam para mais um gole de cerveja e outro voltava a dizer: " Disso eu não sei, sei que dom existe sim! Quantas crianças super dotadas, quantas obras de artes feitas por gênios, quantas coisas novas! Vai me dizer que alguém aqui pinta a Monalisa ou faz qualquer cálculo matemático?", e mais um rebatia: "Hãm... E tudo isso serve para quê?! São facilidades, todo mundo tem em alguma coisa, não existe nenhum toque especial nisso."
Um, abraçou o camarada e disse: "Vamos dar um exemplo! O Ruí gente! Um bom médico, estudou muito e tal, gosta do que faz... A maioria dos estudantes de medicina por aí, tão pensando só no dinheiro e com isto estão acabando com o histórico de bons médicos, não é não Ruí?! Tem que ter dom minha gente! Só tendo muito dom para encarar!", e outro acrescentava: "Eles estão pensando no dinheiro, por isso são uma merda! Bom era no nosso tempo, vo-ca-ção e dinheiro! Dinheiro e dinheiro não dá em nada, tem que ter o dom para a coisa!".
A cada frase dita por um defensor do "existe" ou do "não existe", os que não defendiam, mesmo participando, faziam sempre um: "Ê! Essa foi boa!" como se fossem a torcida. Outros, se contentavam em dizer: "Olha aí rapaz, a conversa desse cara!" E tomavam suas cervejas rindo.
"Existe!", "Não existe!", "Existe!", "Não existe!".

Madiam, um cara já velho, músico entre outras coisas, disse então: "E o Sol?" (Aquilo me chamou a atenção, e o sol o quê?) e todos rindo não prestavam muita atenção, ele então repetiu botando a mão no queixo: "E o Sol?", um disse então: "Olha o Madiam cara! O que o sol tem a ver com isso?!". Madiam respondeu: "Exato! O que o Sol tem haver com isso?", outro perguntou: "Então dom existe ou não Madiam?", ele respondeu: "O sol existe. Essas pinturas, essas descobertas, o que isso influencia no sol?", e um disse: "Mas que...que negócio de sol é esse meu amigo?!", outro que defendia o "existe" pareceu entender o racíocinio e disse então: "Não influencia em nada. O sol sempre esteve lá... e sempre estará..." (fiquei esperando, ansiosa, parecia ser o começo de uma resposta certa, repeti na minha mente "e sempre estará... e...?!") um silêncio de súbito pausou os raciocínios e risadas e Rúi terminou tudo com um: "Mas uma pessoa que não tem explicação... é o Pelé." tomou mais um gole de cerveja e para o céu ficou a pensar indignado, apaixonado.

Posso realmente dizer que, eu não entendi essa pergunta do sol do Madiam (nas minhas entranhas eu tinha a certeza de que era sábia. Contudo, não conseguia me dizer objetivamente, não conseguia expressar com palavras) passei muitos dias tentando decifrar aquela pergunta, tentando me responder, e ainda passo! Sentindo que passarei, aquele dia minha sina foi anunciada.
"E o sol?", me perguntava, o que o sol tem a ver com tudo isso? Me agoniava.
Seria uma metáfora? Seria no sentido literal?... Viagem da parte dele?!
Ele queria dizer que a conversa não tinha fundamento? Ou significaria que dom não existe, pois nada disso atinge o resto do mundo? Será que quer dizer que tudo que passamos parece muito importante, entretanto para o universo não muda nem desmuda nada?
Nenhuma resposta. Só perguntas. E cada vez que me pergunto "E o sol?", mais especulações surgem.

Um comentário:

Marina de Alcântara Alencar, a Nina. disse...

Conversas com os filósofos de bar são sempre bem produtivas. ;D