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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sobre umas quatro rodas em movimento.

Minha poltrona era a 25, joguei a Bete (minha mochila) nela, tinha um senhor na 24, um velho até bem portado, gordo, mas reparei mesmo foi nos cabelos, brancos e brilhosos. Me lembraram nuvens gordas em dias ensolarados. Enfim, quando joguei Bete, a sobrancelha dele se levantou e minha Tia disse:"Senta lá para trás, terá mais espaço, tá vazio mesmo."(Antes dela dizer isso, eu ia mesmo para trás, ir exprimida ali com aquele senhor não me fazia sentido nenhum.)
Me despedi da minha Tia com abraços e juramentos. Fiquei com dó dela, o comportamento estava mudado, ela gosta de mim de verdade, sabem? Ela é uma das pessoas que eu mais me esforço para entender e menos compreendo os olhares. Conhecê-la de perto foi maravilhoso. Despedi-me do Cláudio, seu marido, que me esmagou um pouco, e eu sei que foi de propósito. Nossa relação foi uma espécie de competividade divertida.
Entrei no ônibus, tirei Bete do lado do "cabelos de nuvens" e aconcheguei-me nas poltronas 27,28. Olhei para a janela, vi os olhos da Tia Geisa brilharem, aqueles olhinhos tão dificilmente decifráveis e vivos... Foi como se ela dissesse: "Tchau pepetinha." (É do que ela me chama.) e o Cláudio sorriu e disse: "Tchau Oxi!" (É do que ele me chama, pelas minhas indignações ou surpresas, vindas de um "oxi" no começo das minhas falas.)
Bete ficou do meu lado e Charlene do outro. (Já contei quem é Charlene? É a minha garrafa amarela, estampada de vermelho que eu ganhei, descaradamente, da Gisele.)
Nas poltronas do meu lado, havia uma mulher, que mais tarde descobri que se chamava Alice. No colo dela, existia uma cabeleira lisa,uma menina, que só vi no outro dia quando tudo esclareceu, era filha dela. O senhor de cabelos de nuvens levantou-se de imediato e sentou-se atrás de Alice, começaram a puxar conversa, ele, não falava um belo português, era italiano, de Veneza e perguntou de onde éramos. (Vou deixar claro que não o achei confiante. Me veio logo a lembrança do facismo. Eu, xenófoba?)
Alice respondeu que era do Piauí e eu, Tocantins. Falamos do clima, da cultura, e não sei o que estava acontecendo comigo, não estava nem um pouco interessada na conversa do italiano. Me conhecendo bem, eu teria papeado mais, para me render algumas descobertas, mas, não sei se era pela minha falta de paciência ,no dia, com aquele sotaque enrolado ou se era por não me inspirar confiança, só sei que eu simplesmente deixei Alice conversando com ele e fiquei olhando para a janela, sentindo Bete nos pés, Charlene nos meus braços, ouvidos aguçados e mente pronta para dormir.
Alice me pareceu bem esperta, ela e o italiano conversaram sobre quase tudo. Filhos, estados, viagens, bebidas, casamento, imigrações, e o que mais me deu vontade de rir, era que ela repetia as coisas que ele falava com uma paciência incrível, confirmando sempre se ele quis dizer aquilo mesmo que entendia. Outra vontade que me vinha de sorrir, era o jeito que ele conversava com ela, eu não sei se na Itália as pessoas conversam assim, mas, ele pegava no braço dela diariamente de uma maneira meio brutal.
Ela era simpática e ele não se aquietava, a conversa rendeu. Acabei dormindo. Acordei algumas vezes a noite e me vi naquelas pequenas florestas escuras da estrada, pensei na vida, na morte, verifiquei Bete e Charlene e adormeci de novo.
De manhã, foi o mesmo enredo, o italiano puxando papo com Alice, porém, a cabeleira lisa acordou pela primeira vez, logo adormeceu de novo, era uma menina bonita.
O ônibus parou, e a próxima parada já seria nossos destinos, não encontrei motivos para descer, então não desci. Alice e a filha também não, o italiano sim.
Abri Bete, peguei um toddynho, e detestando, como só eu sei detestar me alimentar de manhã, tomei.(Não se faz só o que se gosta, né?)
O italiano voltou com dois cafés nas mãos, entregou um para Alice e o outro quis entregar para mim, distraída, nem raparei. Então, movimentou a cabeça e aproximou o café perto de mim, falando alguma coisa que eu nem me dei o trabalho de saber o que era, neguei com o toddynho na boca. Ele insistiu de novo, pensei em dizer que detestava café da manhã, mas temi que fosse sem educação e me contive, negando com um sorriso típico . Ele insistiu de novo e dessa vez eu não me contive! Pensei na hora: "Ele colocou alguma coisa nesse café, só pode!" e neguei pela última vez virando-me para o outro lado, dando a impressão de caso resolvido.
Não vi o que ele fez com o café. Alice e ele falavam de abacaxi, enquanto eu escrevia tudo isso no meu caderno de recordações e divagações. O ônibus parou, chegamos.

3 comentários:

Marina de Alcântara Alencar, a Nina. disse...

Adorei o post, ficou tão melancólico, parecendo o García Marquez, cheio de detalhes!
Bem vinda ao Tocantins mana!
;)

Elisa disse...

...Parabéns por não ter tomado o café do italiano!! Garota esperta!!rsrs

te amo!

Augusto Rosa Leite disse...

histórias, contos, são legais aprende se sobre culturas em outros lugares, apesar de não gostar de escreve-los ler nunca é demais
:)