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terça-feira, 13 de novembro de 2018

Teu espírito agora

João, nem sei se teu nome verdadeiro era esse, mas desde que você resolveu ir embora da sua vida, me sinto mais fraca. As vezes olho o que você  escrevia e penso porque não me aproximei, porque não perguntei mais, porque admirava tanto e nunca falei na mesma proporção. Sempre tive curiosidade sobre sua foto, seu trabalho e que infância ou adolescência teria tido pra ter as visões políticas críticas e bem humoradas que parecias ter. Quando teve greve dos caminhoneiros, fiquei a pensar que piadas boas tu terias feito se estivesse vivo nesse alarme falso do nosso país. Te achava um cara tão bacana, eu podia ter te visitado um dia. Lembro quando me seguiu de volta e me senti mais interessante. Sua morte não acabou só com você... mas também com a fantasia de quem não te conhecia mas esperava mais... muito mais de você. Nessa madrugada de insônia, imagino com quem teus cachorros estariam e o que se passou na sua cabeça no dia das mães. A vida é tão frágil meu deus... queria que tivesse tido coragem. Mas sabe? Nem eu tenho. Eu não julgo teu tédio, teu medo, a previsibilidade da vida... tão poucas vezes temos um pingo de felicidade de fazer os olhos brilharem. E talvez ainda metade das vezes não seja sóbrio. Tua morte mexe comigo porque me sentia parecida contigo. Da tua turma numa fantasia de recreio da escola, do teu partido numa fantasia de filiação, da tua causa e lado numa fantasia de rua. Quando penso ‘menos um’, ‘menos um como eu’ me sinto corpo sem alma. Pesada. Murcha. Espalhada por aí... as vezes imagino que cor teria teu espírito agora, e se sofres num submundo, se se esconde, se apenas está morto mesmo. Sua irmã respondeu minha mensagem e senti uma grande solidão com suas poucas palavras e explicações do que aconteceu e acontecia contigo. Apesar de ter acabado contigo mesmo, as vezes sutilmente também te acho corajoso. Você fingia bem. Quantos de nós também não pensamos isso as vezes, mas falamos disso o tempo inteiro em brincadeiras? Ou quantos de nós já não estamos mortos há muito tempo e encenamos uma falsa existência para os outros. A paz e possui-lá é um marketing pesado, João. Poderíamos ter batido um papo sobre isso. É meio injusto que teu cérebro não tenha mais vida pra compartilhar ideias conosco. É meio injusto ter cérebro também. 

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