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quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Peixes azuis

Enfrento madrugadas com pesadelos que me fazem querer encontrar você. Não queria que aparecesse nos meus sonhos porque não parece você. Com a força do meu pensamento, do meu espírito antigo e da minha própria solidão, me lembro que agora só posso encontrar a mim mesma. Há uma luz em mim, uma luz inexplicável e que não sou eu que a vejo, são aqueles que me amam que enxergam e me avisam quando estou cega. E quando estou cega algo me diz que você me vê, e enquanto estas surda eu quero falar. Não tenho medo de florestas sombrias e desconhecidas, eu sempre as procurei, eu sei falar com as árvores e me sinto da própria noite. Mas tenho medo que todas as sementes e frutos para que a floresta cresça e desenvolva firme, sejam de mágoas. 

Tudo segue por um caminho imperfeito, mas segue. Isso me deixa tranquila outrora angustiada. O que poderia ser mais perfeito do que algo que flui? Vou crescendo com alguns espinhos, estou texturizada debaixo das cobertas, das colheradas pouco cheias que me alimento sem fome e lembrando... Lembrando que minha mão está solta, desprendida daquela outra mão que não é mais capaz de me encostar, que me repugna, que não toca para que eu ouça, que se retirou e me entregou a prata com contagem regressiva. 

Na minha mesa é entregue uma realidade que se mistura com o passado e o futuro, uma realidade que eu não tenho controle e nem defesas para observar. Estou no agora, sem forças para correr atrás... mas ainda assim fico desesperadamente analisando, revisando, riscando aquilo tudo para o presente... Cansada eu reflito que só posso me apoiar no presente e nada mais que isso. Cansada reflito que o outro não quer mais precisar de mim. O que será que o manteve até aquele dia? 

Choro ao lembrar das declarações de amor, da rapidez do tempo de tudo mudar, no fundo eu gostava de acreditar que eram verdade, eu me sentia uma rainha. Apesar de ainda não saber qual é a minha linguagem no amor, tenho certeza que não é ouvir frases feitas e exageradas. Gosto mais de atitudes que me acolhem e silêncios que conversam, de arte, presentes ou bilhetes que podem ser eternos. Acertamos algumas vezes. Ainda choro, mas dessa vez por não te reconhecer, por amar sem reciprocidade e por ter que andar em uma estrada que eu sei que é longa e árdua.

Há muitas armaduras, defesas, jogadas, portões e espinhos para que eu consiga me manifestar no teu reino. Quanta tolice a minha... de achar que seria capaz de segurar todas as barras, de mostrar todas partes, de fazer entender todos os capítulos, de recuperar algo que talvez nunca tenha existido para o outro, de perdoar, de sonhar... Será que enquanto eu te fazia de promessa você me fazia de segredo?

Eu não deveria ter agido como encantada. Tomo uma xícara do seu mundo e tem um gosto amargo de que não me cabe de jeito nenhum. Te vejo em passos lentos e conformados procurando não encarar tua raiva, procurando não encarar tua base, teu meio. Me enfias numa rede só de peixes azuis que se movimentam em busca do seu próprio respirar, com medo do que mordeu, caminhando para a morte... uma deliciosa morte que se transformará em fome no prato de que anseia comer, nutrir, comer, alimentar, comer e comer.  

Varrendo a sujeirada eu sangro em minha casa, eu rezo e rezando eu vou tentando cicatrizar. Meu nome circula em bocas estranhas, estou sendo fantasiada de monstro. Exposta sem nenhuma qualidade, sem todas as vezes que acertei, que enxuguei prantos, que lhe dei coragem, que busquei e deixei, que beijei e abracei, que gozei e dancei, que eu quis e quis e quis...

Brinco, quem queres que eu assuste? Sou seu monstro dessa vez. Há quem queres me difamar? Como queres me pintar? Queres me atirar pedras? Queres me atear fogo? Me esmagar? Me morder até doer? De quem estas fugindo? O que tanto aperreou aí dentro onde não posso me apresentar? Quanta guerra inútil... quanta saudade reprimida terei que guardar.

Me deito e tu vais em passos pequenos conseguindo fazer tuas perguntas, descobrindo novos olhares, cantando para outros ouvidos e eu vivo o meu processo, eu ainda preciso de um abraço, eu ainda estou em pedaços por outras razões, eu estou me colando para consertar e andar. 

Percebes? Não tem como nos alcançarmos, o universo é quem diz. Que triste... que desencontro... Vou parando no meio do caminho e tu continua e escolhe tua estrada. Fico te vendo sumir junto com o pôr do sol para depois poder prosseguir sem saber que caminho tomou. Na sorte, talvez um dia possa te encontrar. Agora me parece tempo de deixar ir, de soltar, de renascer. Talvez seja tempo de se desconhecer.  

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