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terça-feira, 2 de novembro de 2021

II Encompridando a conversa II

Abrir a porta do defeito dá um medo grande. Quantas vergonhas eu passei por simplesmente deixar a sensação ser maior do que eu e a razão? Ter medo de perder é uma coisa, outra coisa é trabalhar inconscientemente para sentir o medo de perder sempre, até perder. Podes não lembrar, mas não é a primeira vez que tive ciúmes da tua verdade, da tua luta. Pesquisei na memória, na sala do defeito, e eu consegui assistir alguns episódios em que entrei no efeito da péssima e traiçoeira sensação chamada: Ciúmes. Até escrever essa palavra é difícil pra mim, acredite. Admito com um pouco de vergonha que o ciúmes faz estragos e fará várias e várias vezes enquanto não se encara de frente. 

A primeira vez que tive ciúmes de um homem contigo foi quando dançamos felizes naquele galpão daquela cidade. Tudo era tão mágico e divertido, tu girava com tua nuca a mostra e sorria e sorria. Tão bonita, tão bonita... eu também dancei no começo, mas como sempre me cansava primeiro.

"Devíamos mudar de cidade. Já pensou nós duas fazendo aula de dança de salão?", não lembro mais quem disse isso, só lembro que as duas concordavam, que as duas riam.

Sentada e suada de repente eu reparei que aquele homem repetiu a dança mais vezes contigo. Eu observava como quem não queria nada, enquanto tomava um gole de cerveja e deixava a garrafa naquela arquibancada para fazer uns stories do local. 

"Deveria ter bebido água", uma voz me disse na cabeça. 

O homem conversava no pé do teu ouvido e não te girava mais encompridando a conversa e os dois passos pra lá e dois passos pra cá... aquilo começava a me incomodar sutilmente. Como pode um desconhecido se tornar de repente o meu maior inimigo? Quando tu voltou para tomar água toda linda e sorridente, me contou o que ele tinha perguntado sobre nós, o que tinha falado, o que tinha proposto. Era só um macho comum encantado com a beleza de duas mulheres comprometidas, achando que poderíamos ser sua fantasia no passo final da dança. Eu mal te escutava direito, deu pane no sistema... Que audácia, que palhaço, cretino, imbecil, que machismo... Mas quem ele pensa que é?! E com raiva daquele sentimento que me consumia, minha cabeça saia fumacinha, ao mesmo tempo que eu sabia e não admitia que eu pudesse estar exagerando e agindo como possessiva. Reagi culpando você. 

"Por que você falou de nós pra ele?", que covardia a minha lançar essa pra tirar o teu sossego. Uma pergunta que obviamente foi feita para acabar com a noite e alimentar uma história que só estava na minha cabeça.

Será que ela havia deixado algo no ar? Sentido interesse? E com raiva e sem escutar meu coração, fui até me esquecendo que te conhecia, que você estava lá comigo, que você só achou graça daquilo, que você era adulta e sabia se defender e resolver essa e demais situações que obviamente poderia acontecer mais vezes. De forma infantil e lamentavelmente insegura achei que aquele homem poderia levar toda a minha glória e histórias com você. Ridículo não é mesmo? Que autoestima baixa do caralho eu devo ter. Por que diabos eu estava dando tanto importância para aquilo?! Quanta maluquice fui capaz de criar em pouquíssimo tempo meu Deus.   

Preciso mesmo escrever minhas fraquezas nesse momento? Me expor ao ridículo me deixa um pouco apreensiva. Escrever... de alguma maneira eu sou boa nisso, escrever e tentar aos poucos me questionar até entender. Quem sabe lembrar das minhas qualidades quando o ciúmes vem não ajude. Sou importante e interessante para mim? E para o outro? Depende de mim. Se perder e ficar confusa quando o ciúmes chega é só um sensação. Só uma sensação que precisa ser vigiada com cuidado. Afinal de contas amar deve ser tudo, menos vendar os olhos, tampar os ouvidos e apontar o dedo para o outro. 

Agorinha me recordei que em outro lugar de dança também tive pane no sistema quando tu saiu da ala fechada para a ala aberta com o amigo do meu primo pra fumar lá fora. E também quando dançaram bêbados, enquanto eu já havia chegado ao meu limite, e estava sentada. 

"Eles tem tudo a ver um com outro. Já era! Eu nem fumo, eu mal bebo", espirocava e queria ir embora, e saia na frente, mantendo fogo nos olhos. Mas qual é o problema mesmo de ir embora e deixar que o outro fique? De perguntar se está acontecendo alguma coisa? De segurar a própria onda?

De volta ao xilique do galpão, lembro de uma voz sensata na minha cabeça me perguntando: "Por que não admitir que estou com ciúmes? Por que estou esperando o outro colocar um limite para finalizar essa babaquice?". Fomos embora tristes aquele dia. Uma discussão descabida que foi só mais uma dentre várias que colecionei sem perceber. 

Hoje escrevo isso para me lembrar como poderia ter sido, se eu tivesse aberto a porta do defeito e tivesse tido coragem de me enxergar, de querer te ouvir direito talvez... Eu poderia ter lidado com as sensações de outra forma. Sem perguntas, sem acusações, de leve fazendo um draminha para arrancar uma risada ou uma certeza boba da companheira. Me disseram também que uma estratégia simples é beijar imediatamente o outro. É engraçado como nos esquecemos da importância e poder dos carinhos para não darmos o braço a torcer, como se o outro tivesse culpa, como se não fossemos capazes de interromper que a erva daninha do ciúmes cresça.

Quem precisa crescer agora é o amor próprio, a segurança de enxergar o outro como ele é, como ele dá conta de ser. Nunca vai existir respostas e atitudes perfeitas para perguntas que não procuram realmente a opinião do outro. 

É preciso ter coragem para enfrentar o amanhã independente de estar pronta, confusa ou distraída nas armadilhas da vida. Ter coragem de se perdoar, de se afastar, de se desligar e de se enxergar um pouco vulnerável... Quando foi que eu comecei a temer a minha própria companhia? 

Quero entrar e sair da sala do defeito com lucidez e não temer de verdade estar sozinha. 

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