Páginas

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Rio de desejos


Quando se despediram e ele não se virou pra traz como sempre faziam, antes que ela vomitasse na outra esquina, segurou aquele enjoou desejando estar grávida e guardou minuciosamente a cor da sua camisa, o brilho do seu cinto e sapatos e o preto da sua calça que combinava com o cabelo, guardou tudo aquilo estando ele de costas, e guardou tão profundamente no coração que talvez seja por isso que nunca mais teve sonhos agradáveis com ele e que nunca mais sentiu falta da presença física dele. 
É que ela guardou ele de costas, e foi de costas que ele ficou na sua mente. Fora um dos presentes mais horríveis de se guardar no dia do seu aniversário, guardar um momento triste não faz muito bem pra saúde, mas não dependia tanto assim dela esquecer, algumas marcas ficam, por mais que a gente ria lá na frente. 
Mas pra ser honesta, depois que ela vomitou atrás daquela árvore da esquina, pela primeira vez se deu conta de que estava triste mesmo por ele e não por ela própria, que estava com dó era dele e não dela mesma, que sentia-se mal por ele e não tanto por ela... porque ela sabia que dali em diante seria uma pessoa melhor, mais forte, mais saudável e até mais bonita, porque ela sabia que aquela partida poderia doer muito mais nele do que nela mesma, e que o seu próprio orgulho e medo não a trariam de volta para os braços deles nem se ele quisesse, não a trariam de volta nunca mais, porque ela seria outra pessoa, porque ela seria uma mulher e não mais uma menina.
Por um triz ela quase desacreditou  no amor, por um triz quase desconfiou da própria heterossexualidade, por um triz quase usou aquela desculpa pra desistir de tudo de uma vez...mas o buraco no peito foi se alargando de tal forma que um rio de desejos foi se apossando com a enxurrada de lágrimas que se propôs a chorar pra lavar a alma, e chorou tanto, tanto, mais tanto! Que a casa virou piscina, e o verão chegou. 
Com o tempo percebeu que aquele amor não passava de poeira, de fogo de palha, aquele amor não era verdadeiro, não era forte, aquele amor machucava por dentro, maltratava, implicava, era aparência, carência, e ainda pior! Aquele amor prometia e não cumpria, prendia e sufocava, aquele amor era: Doença.
Com os joelhos no chão, ela rezava fervorosamente antes de dormir, para que Deus sempre a fizesse lembrar de que ela era uma pessoa livre e que merecia ser feliz. Quando acordava, sofria. A vida mostrou-se terrivelmente violenta para ela. E todas as tentativas eram meio cegas, quando tentava dar a volta por cima, mas ela continuava a andar sem saber o caminho, era um cego no tiroteio sem se preocupar com a próxima etapa, querendo apenas o voo. Amanhã era sempre sinal de esperança, "Amanhã sempre será melhor do que hoje", repetia antes de dormir e ao acordar e desse jeito a vida ficou meio que com cheiro de algodão doce.
Se refez aos poucos, pintou e bordou, fez novos amigos, aprendeu a dirigir, a diagramar, a rezar, a escrever sobre sentimentos, sobre superação, consolou outras meninas, saiu pra dançar, começou a comer melhor, a gargalhar por pequenas coisas e comprou roupas novas, trocou de perfume, beijou alguns garotos e foi ao cinema com aquela velha amiga.
Ela aprendeu não sei ao certo como, que acima e além de tudo o bem existe. E diferente do mal, não se mostra pra todo mundo, não se vangloria, não cobra, e está feito espião dentro do mundo, está em todos os lugares disfarçado e de olho em cada um de nós. 

Nenhum comentário: