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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Quando era eu e o Anderson.



Tínhamos uma dívida muito grande. Antes, muito antes de nos conhecermos como preferidos, no entrosamento dos primos horas antes da viagem para a fazenda, eu quebrei a perna da sua única ranger rosa. E num impulso assustador, você tomou todos os seus bonecos das mãos das meninas, como se todas tivessem culpa do meu estrago, e disse que não queria mais brincar, saindo em busca da mãe. Fiquei abismada, e também de impulso, me culpei, eu nem era acostumada a brincar com meninos, para quê fui me meter nessa? Depois, resolvi me defender e me argumentei que se eu fosse você, teria disfarçado o desagrado. E para ser mais estranho, você não quis viajar na presença dos primos na carroceria, foi na frente com vovó e vovô, no colo de algum caronista, e disseram que você chorou por causa da ranger. O que foi muito chato para mim. Lembro que na fazenda, brincávamos todos de tudo, ríamos todos de nada, e que a noite você vinha com seus bonecos, e só tocavam neles: Você, seu irmão e com muito sacríficio e argumentos de confiança, a Duda.

Dias depois, num lanche na casa da Duda, vocês (meninos) foram. Não me sentia muito bem, e parecia-me que vocês, agora, iriam participar de tudo. Brincavam tão diferente! Mas eram legais. Entretanto, lá vinha você, com seus bonecos outra vez, desta vez eram outros, de desenhos que eu até gostava, e se excluindo de todo mundo e negando todas as brincadeiras, foi para copa brincar sozinho, fazendo a mesa de cenário.

"Quanta marra!", me dizia odiosa, e me perguntando como conseguia ser tão... você.

"Por que ele não quer brincar com todo mundo Duda?"

"Porque ele quer brincar sozinho! ...Vem Nanda!"

E saiu saltitante em busca dos que queriam brincar com todo mundo. Me culpei. Podia ter perguntado porque ele queria brincar sozinho em vez de ter perguntado com todo mundo. Eu fiquei curiosa, e tomava água de vez em quando, para passar pela copa e poder ver o que é que esse menino inventava. Uma, dessas vezes, a Duda passou por lá e fez participação especial na brincadeira dele, o fazendo rir, mas foi questão de 10 segundos, e saiu correndo. Coisa de...imitar a voz de um boneco, mexê-lo e sair correndo. Jamais faria isso, até porque eu aposto que ele nunca ia esquecer que eu era uma aleijadora das rangers rosas. Não lembro se alguma coisa sua caiu da mesa e eu peguei, eu só lembro que eu acabei ajudando em alguma coisa, e quando vi estava sentada de frente, olhando para a brincadeira.

"Você não vai brincar."

"Não, eu vou só olhar."

Fiquei sentada, de frente para ele, observando os bonecos no meio, sem poder tocá-los. E prestei atenção na história que ele inventava de bico calado. Achei engraçado, existia tanta falta de sentido na brincadeira dele e tanta mistura com as coisas da TV, que o achei um tanto influenciado. Mas, não deixava de ser uma brincadeira engraçada. Eu não lembro se foi um vaso de flor que estava na mesa, ou um controle de televisão, eu só lembro que esperei a deixa e mexi um desses objetos fazendo uma voz sinistra e entrando no contexto sem que ele percebesse. E ele me deu corda, e assim eu já estava brincando. Pela primeira vez, eu senti que ele era uma pessoa que tinha o mesmo nível de imaginação fértil que a minha, e que podíamos inventar mil coisas sem nos esgotarmos. E não sei se ele achou tudo isso de mim, mas eu lembro que em um momento ele acabou colocando um boneco na minha mão.

"Aí, finge que você não sabia que eu tinha poderes."

"Tá."

Perdi a aposta. Eu não era mais a assassina da ranger dele. Nos transformamos de primos para amigos primos, e posso me lembrar que inventamos durante alguns (e melhores) anos, mais de mil "eu sou isso e aquilo, eu tenho isso e aquilo, eu posso isso e aquilo". Chegou ao ponto que eu até ditava!

"Eu sou uma bruxa de cabelo vermelho."

"Ai mas tu tá chata com esse negócio de bruxa."

" Tô mesmo."

"Mas a gente tinha combinado de brincar de espião!"

"Não. Eu sou bruxa agora."

"Tá, então eu sou seu amigo bruxo detetive."

Antes de eu incutir com bruxaria, nossa brincadeira preferida era espionagem, daí eu virava a detetive e espiã Kate Kssm (um nome que eu inventei) e ele o James. (Tá. Não era o James, era o Bond, o James Bond. O que não era nada original, mas como eu disse, ele gostava de misturar sua imaginação com as coisas da tv.)

Fazíamos dos churrascos de família, dos aniversários de família, das viagens de família, e das ídas ao clube, as maiores tramas que podíamos imaginar!

Como ele era mais novo que eu, ele estava em vantagem, e eu pensava...

"Ele vai sentir vontade de brincar por mais tempo que eu. Sentir vontade não, ele vai poder."

Me dizia com muita inveja dele, observando com desgosto as meninas da minha idade tão bem arrumadas e eu feliz, toda suada.

"Nanda? Tu ainda tá brincando?"

"Tô."

E assim, eu clamuflava meu presentimento.

"Não está muito longe de eu me civilizar."

(Para meu querido amigo e primo Anderson.)

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