Mal assombrada
A saudade não é mais uma coisa boa. Ela invade meu quarto quando ainda estou dormindo, e passeia por ele me observando como se fosse dona dos meus pedaços. As vezes, caminha no pequeno espaço e se transforma em um corpo branco sensível cheio de traços. A cada passo o corpo vai se transformando em algo. Uma árvore negra com raízes tristes, uma coroa sem majestade, caminhos e linhas da vida, um coração que bate desesperado, pêlo de gato, folhas... alguma coisa me diz que tudo aquilo abraçava, dava prazer, acalmava... quando era vivo é claro. Nos cantos das paredes, eu ainda debaixo das cobertas, escuto uma risada rápida e estranha, tampo meus ouvidos e tenho a sensação de que alguém ri da minha cara. A campainha toca lá fora e vem um certo gatilho... que sorte têm aqueles que nunca precisarão se acostumar com a chegada de alguém. Enquanto escrevo sentada, um beijo carinhoso pousa no meu pescoço. É de mentira, invisível, assustador e ligeiro. Paro de escrever, olho para as minhas mãos...