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Mostrando postagens de novembro, 2021

Mal assombrada

A saudade não é mais uma coisa boa. Ela invade meu quarto quando ainda estou dormindo, e passeia por ele me observando como se fosse dona dos meus pedaços. As vezes, caminha no pequeno espaço e se transforma em um corpo branco sensível cheio de traços. A cada passo o corpo vai se transformando em algo. Uma árvore negra com raízes tristes, uma coroa sem majestade, caminhos e linhas da vida, um coração que bate desesperado, pêlo de gato, folhas... alguma coisa me diz que tudo aquilo abraçava, dava prazer, acalmava... quando era vivo é claro. Nos cantos das paredes, eu ainda debaixo das cobertas, escuto uma risada rápida e estranha, tampo meus ouvidos e tenho a sensação de que alguém ri da minha cara. A campainha toca lá fora e vem um certo gatilho... que sorte têm aqueles que nunca precisarão se acostumar com a chegada de alguém. Enquanto escrevo sentada, um beijo carinhoso pousa no meu pescoço. É de mentira, invisível, assustador e ligeiro. Paro de escrever, olho para as minhas mãos...

O tempo

Meu tempo é demorado, apesar de eu ser rápida em tantas outras coisas. É analítico, apegado, crítico... percorre meus lados e devaneios para compreender o que se sucedeu, para se abrir para uma nova fantasia que agrade meu peito e eu. Ele quer ser demorado para combinar com o que eu quero enxergar da próxima vez. Demorado para doer o que tem que doer. Para sofrer um pouco, para curar outro pouco, para estender... Também não é um novo amor que ele quer ver logo mais, amor ele já teve, ele acabou de ter... ele quer coisas novas, ele é curioso, é mais ele. E ele quer tempo e mais tempo para um novo eu. Preciso ter orgulho do meu tempo, porque ele sempre sabe o que está fazendo. Ele sempre sabe o que é melhor pra mim. Ele não tem medo de encerramentos, de cascas, de embalagens e de fugas. Não se importa se o outro esqueceu primeiro, esqueceu rápido, já está amando e descobriu que tudo não passou de uma ilusão. Meu tempo aprende, sente e é assim... do tamanho dele mesmo. Quer cavar, beb...

|| A cigarra e as garras da ilusão ||

Agachada comendo com o prato entre os joelhos,  uma cigarra veio voando da janela e caiu bem a minha frente no chão. Aquilo mexeu comigo pois não era hora de cigarra cantar ou estar por aí passeando. Não era mais dia, não era tanto noite. Logo, lembrei que elas cantam como você.   "Um sinal do universo?   Será que ela está bem?   Será que um dia sentirá minha falta como eu sinto? Será que vai demorar? Quando tudo isso vai passar?" A cigarra se debatia no chão e pensei quando foi que achei que o amor próprio podia ir embora, quando foi que comecei a deixar de ser eu mesma e me transformar numa mulher que nem eu mesma gosto. Quando foi, meu Deus, que esqueci de nós com aqueles sorrisos encantados das primeiras fotografias e comecei a me preocupar sozinha com a perda e com o futuro. A cigarra no chão com as patinhas para cima começou a cantar. Eu mastiguei minha comida rapidamente e sem querer viajei para aquele começo.  Gostei dela quando bati o olho. Lembro ...

Peixes azuis

Enfrento madrugadas com pesadelos que me fazem querer encontrar você. Não queria que aparecesse nos meus sonhos porque não parece você. Com a força do meu pensamento, do meu espírito antigo e da minha própria solidão, me lembro que agora só posso encontrar a mim mesma. Há uma luz em mim, uma luz inexplicável e que não sou eu que a vejo, são aqueles que me amam que enxergam e me avisam quando estou cega. E quando estou cega algo me diz que você me vê, e enquanto estas surda eu quero falar. Não tenho medo de florestas sombrias e desconhecidas, eu sempre as procurei, eu sei falar com as árvores e me sinto da própria noite. Mas tenho medo que todas as sementes e frutos para que a floresta cresça e desenvolva firme, sejam de mágoas.  Tudo segue por um caminho imperfeito, mas segue. Isso me deixa tranquila outrora angustiada. O que poderia ser mais perfeito do que algo que flui? Vou crescendo com alguns espinhos, estou texturizada debaixo das cobertas, das colheradas pouco cheias que me ...

Escrever

Escrevo para que o tempo passe, para que no futuro possa ler de forma diferente.  Escrevo tentando entender minha ações e medos, meus atropelamentos, a vingança do outro passo a passo.  Escrevo para lembrar que sempre estive sozinha, que estou capenga mas estou viva, que estou tentando. Escrevo para esquecer quem não me deseja mais, para quem foi embora, quem ficou e para quem me dá um tempo, um tempo para que eu me encontre de novo.  Para ressignificar uma passagem, para me ludibriar que escrever cura, para entender a lentidão do meu processo e tudo bem se o do outro é mais rápido.  Pensar em si mesma é um desafio quando você não se encontra mais... por isso escrevo para que eu me lembre que a culpa nunca será só minha, que não é possível ser um monstro sozinha, que o orgulho ferido não me pertence, que eu não tenho medo de resolver cada pedacinho.  Escrevo para compreender como os sentimentos foram construídos, até onde vai o perdão e a desilusão, até onde con...

II Encompridando a conversa II

Abrir a porta do defeito dá um medo grande. Quantas vergonhas eu passei por simplesmente deixar a sensação ser maior do que eu e a razão? Ter medo de perder é uma coisa, outra coisa é trabalhar inconscientemente para sentir o medo de perder sempre, até perder. Podes não lembrar, mas não é a primeira vez que tive ciúmes da tua verdade, da tua luta. Pesquisei na memória, na sala do defeito, e eu consegui assistir alguns episódios em que entrei no efeito da péssima e traiçoeira sensação chamada: Ciúmes.  Até escrever essa palavra é difícil pra mim, acredite. Admito com um pouco de vergonha que o ciúmes faz estragos e fará várias e várias vezes enquanto não se encara de frente.  A primeira vez que tive ciúmes de um homem contigo foi quando dançamos felizes naquele galpão daquela cidade. Tudo era tão mágico e divertido, tu girava com tua nuca a mostra e sorria e sorria. Tão bonita, tão bonita... eu também dancei no começo, mas como sempre me cansava primeiro. "Devíamos mudar de cid...