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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Sem voz nenhuma.

Com a família olhando sentia tanta vergonha que saiu de perto dele, lembro-me bem. Depois só o viu por de trás daquela cerquinha e levou um susto, porque sempre levava quando percebia que ele a olhava há mais tempo do que ela percebera. Ela não gostava daquele olhar, mas os olhares dele, mesmo que ela dissesse para que não olhasse daquele jeito, era sempre igual aquele. Talvez, ele não tivesse muita culpa se tinha olhos de despedida. Seus olhos eram mansos, meio emaranhados, meio tristes, vividos e profundamente alegres por apenas vê-la, e ela estava dançando com um vestido branco e uma flor na cabeça. 
Ela levou um susto, como eu dizia, se irritava ao perceber que estava sendo observada a mais tempo que quando reparara a observação, e brigou com ele como de costume fazia para disfarçar a vergonha, o susto,  e arrancar um sorriso e um balançar de pernas dele. 
Ela continuou a dançar, apesar de saber que ele queria obviamente que ela viesse ao seu encontro.  Ele olhou-a fixamente e fez com a boca o formato da frase "Eu te amo" sem voz nenhuma, o que deu certo. Isto fez com que ela ficasse sem graça e parasse de dançar na hora. Então, ela foi pra perto da cerquinha que os separavam e por um minuto lembrou de Romeu e Julieta, ela na chique Festa dos Capuletos, ele um Montecchio, segurando um  johnny walker em uma das mãos. Apesar de ter pensado na tragédia, por nenhum minuto sequer ela podia entender o comecinho da dor de um amor proibido ou infeliz. É que o tempo que pertecia ainda era de infinita paixão, a vaga ideia de algum dia haver proibição no amor ou infelicidade, naquela época ainda não lhe era permitido sentir, não lhe era sequer suspeitado tamanha angústia, não existia nada além, nada antes, nada depois daquele amor.
Beijaram-se, coisa rápida, porque ela morria de vergonha quando tinha alguém olhando. Ele pediu pra que ela se divertisse, ela nunca gostava quando ele pedia isso, porque também soava feito despedida. Ele disse que a bebida havia dado sono, que já ia dormir, que estava muito feliz e por um momento ela pensou em dizer "Fica meu bem, não quero ficar aqui dançando, vamos contar estrelas no céu sentados na areia.", mas não disse, talvez nem tivesse estrelas no céu e ele foi subindo a ladeira.
Nunca disse pra ninguém, mas assim que ele se foi o vento do mar se aproximou na direção dela e soprou bem perto de seus ouvidos que o ano que chegava ia ser um dos anos mais difìcies de sua vida. Ela não acreditou, estava feliz ali de branco, era feliz escondendo seus pressentimentos e demonstrando todo o seu cetismo. Preferia ser racional. E mesmo assim, se tivesse escutado, faria alguma diferença?

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