Páginas

domingo, 2 de dezembro de 2018

Um galinho no meu peito

Calço 37, ás vezes 36 e diferente do que o Raul canta, o Gallo nunca interferiu muito no jeito que eu gosto de ser. O Gallo cruzou uma rua em 1988 e minha mãe era linda... continua. Hoje, o Maurícios Bar, me disseram que agora é uma igreja. Foi onde eles se interessaram pela primeira vez. "Eu não gosto de mulher bonita", ele disse sem nunca ter chegado em mulher feia. E minha mãe nunca mais foi a mesma. Começou quando eu era pequena. Para todos os lugares que eu ia e vou, aparece um galinho que canta e acorda primeiro do que eu, bem aqui... dentro do meu peito. Meu coração o carrega sem saber como foi que ele chegou. Desde pequena me incomodo por saber que não controlo essa ave que habita em mim, por saber que é mais forte do que eu. Ocupa um espaço maluco sem permissão. Há uma briga misteriosa entre mim e eu, por eu não manter esse controle. Quando estou longe, ás vezes, a ave aparece do lado do meu travesseiro. Eu me assusto e ela some. No balcão dos bares, no ombro de desconhecidos sonhadores que conheço em conversas aleatórias. Nas outras cidades, e na letra de todas as músicas e poesias que eu não conheci com ele. Selvagem e sem sossego, o galinho me trás com seu olhar, uma bomba de melodramas, meus limites e segredos... Eu já desisti, ele nunca há de ir embora do meu peito. Pergunto as entidades, por quê?! Porque há vinte cinco anos eu ainda me pergunto se foi ele, se foi ela, ou se tudo não sou eu e a rua que ele cruzou. O fato é que o Gallo cruzou uma rua em 1988 e desde então, corre pelas minhas veias. E depois disso um galinho, dentro do meu peito. Ele não quer voar, quer aparecer. Eu quero voar, mas sempre estou de volta. Quero voltar, mas sempre estou voando. Tem horas que eu só preciso atacar... Mas a verdade liberta, devora meu estômago e levanta todos os pêlos do meu corpo. Agora eu aceito. Demorou um tempo, mas eu aceito. Não quero mais sentir medo. Cante eternamente pois então, estanque meu peito... O amor sempre foi muito mais forte do que eu. Que o Gallo continue cruzando ruas, agora é minha vez de atravessar também. Quero ser muito. Muito mais forte do que eu.

Nenhum comentário: