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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Isso que tu é.



Nunca consigo andar do lado. "Me espera mulher", ele sempre fala, e eu sempre na frente querendo ser a primeira a ver as coisas, mostrar as coisas, dizer como vi as coisas, e como as coisas me viram. "Mulher, tu tá correndo de quem?", ele repete sempre com a mesma ironia, e eu lá... sempre respondendo com poesia. "Das minhas dores Judi, das minhas dores!" , ele sorri impressionado, acho que ele nunca espera meus mini-poemas na rotina. Aí eu saio falando desembestada do que eu quero, e as vezes dos sintomas das paixões que ficaram preto e branco e das que chegam desesperadas, das que eu não deixo, e das que deixo e depois preciso urgentemente descolorir, se ele sente também, se é só comigo isso, se ele fica doente, se ele quer matar, morrer, bater, crer e rodar, rodar até ficar tonto no meio da rua. 
"Você é doida trem, doida!"
"Me ajuda, você sempre desama bem." 
Sempre o procuro toda manhosa, ai ele fica tentando ajudar, nessas horas não me chama mais de mulher, viramos crianças, pra nos distrair. Ele fala do tempo, e eu acredito mesmo toda doída, porque ele sempre ama e desama e continua da mesma cor. Acreditando... ele é bonito, sabe? Bonito de se conviver. 
A primeira vez que nos vimos ele era platéia, e eu atriz mirim. A segunda vez que nos vimos ele era universitário, e eu também, mas eu tinha faltado os primeiros dias de aula. A terceira vez que nos vimos, ele me revelou sua identidade secreta, e eu fiquei toda incerta... dai por diante, motivos terrenos e pessoais, nos distanciaram. 
Prometemos cartas pela internet, mas éramos sempre ocupados demais, ele atravessou o oceano e foi para o exterior, e eu uma tempestade e encontrei meu interior. Mas a amizade parecia que ficava sempre num vidrinho impossível de cair no chão. 
Quando nos vimos pela quarta vez, eu terminei meu primeiro livro, e ele suas viagens. Por alguma razão os dois tiveram vontade de fazer uma prece no mesmo centro-espírita, em Araguaína.
-Judi?!
-Fernanda?!
Eu sempre caio na gargalhada, sou fácil pra sorrir. Ele tenta segurar um pouco, tem noção da sociedade. É gentil com todo mundo, tem bons modos, bom gosto, tem sempre uma palavra francesa na boca, quase não sente frio, entra na brincadeira, nunca vi perder as estribeiras, quer passar meus batons de vez em quando, e me irrita, me irrita.
"Tu é fresco atoa! Isso que tu é!" . Sou grosseira. As vezes é brincadeira, mas as vezes simplesmente sou. Peço desculpas quase sempre depois. Ele gosta de mim, dá pra sentir. Eu também gosto dele, dá pra anunciar. 


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