o maior fazedor de trança da cidade
-Minha filha lá em
Carolina no Maranhão eu fui o maior fazedor de trança da cidade!
-Para pai, eu to falando
sério, eu mandei as meninas da sala ‘tudin’ ir de trança amanhã na escola, e eu
não sei fazer trança de três, só de dois. Só que de dois não segura, meu cabelo
é meio liso...
-Acredita no seu pai minha
filha, pelo menos uma vez na sua vida.
Peguei
o pente meio desacreditada, eu devia ter uns 12 anos de idade, quando sentei
papai pegou uma mecha do meu cabelo e outra, e começou confuso a enrolá-las.
Típica trança de dois.
-O
que o Sr. ta fazendo não é a trança de três pai!
-Não?
-O
Sr. não sabe fazer trança de três coisa nenhuma!
-Perai,
eu to entendendo o sistema do seu cabelo...
“Não
sabe fazer e fica falando que sabe!”
(eu pensava injuriada.)
Papai não sabia fazer trança de três, no “perai” ele começava a aprender e em alguns minutos depois eu tinha uma trança de três no meu cabelo, entretanto toda torta.
-Ele morreu pai?
-Morreu.
-Mas como o Sr. Sabe que
ele morreu? Ele pode ter ficado vivo, o filme não acabou ela levando ele pro
hospital?
-É, ele pode ter ficado
vivo mesmo.
(respiro
fundo...reconheço que estou desesperadamente triste)
-Ah, não...
-O quê ?
-O quê ?
-meu coração tá doendo, a culpa é sua.
(Papai
dá um sorriso)
-É porque você tá
acostumada com essas princesas e seus finais felizes minha filha.
-Hum...mas se ela chegar
no hospital, as vezes o médico salva ele, né ?
-Você tá certa, não
apareceu ele morrendo, acabou ela indo pro hospital com ele... e nem todo final
é determinado Nanda, tem finais que não são felizes, tem outros que a gente
fica em dúvida, tem finais que a gente não pode aceitar e tem final que faz a
gente pensar o tempo todo no que poderia ter sido.
-E esse final ai deixou
meu coração doendo óh... eu acho que eu quero chorar só que eu também quero
sorri, eu gostei desse filme, não sei explicar...
-Isso se chama melancolia
minha filha, melancolia.
Lembro-me de algumas viagens que fazíamos só eu, papai e Nina. A estrada era longa, tínhamos medo do sono.
-Conta sua vida aí pai!
-Essa Nanda é curiosa...-resmungava Nina.
Então pra não dormir no volante, ele contava até eu me perder nas histórias. Depois ficava cantando alto, ou perguntando se eu estava abandonando o barco quando eu desesperadamente caia de sono e de vontade de poder aguentar mais um pouco, porque a Nina estava no décimo quinto sono.
-Pai?
-Diga...
-Dá uma coisa no senhor, quando escuta a palavra revolução?
(papai sorri)
-Sabe o que é revolução Nanda? O amor. O amor é uma das maiores revoluções do mundo minha filha.
As conversas eram poucas,
significativas, e era como se eu as sugasse com toda a energia que tivesse, porque nunca sabia quando poderia ter de novo. Existia alguma coisa estranha naquela velha infância, que nenhum de nós sabe explicar. Papai era um bom pai, mas podia ter sido melhor, hoje é. Papai era esquecido, as vezes grosseiro, mas também era fã das nossas manias, fases e ideologias. Muitas vezes era uma incógnita, outras vezes sua presença era uma espécie de tortura, um silêncio que incomodava e fazia querer correr. Com o tempo algumas ilhas foram se formando nos mares da adolescência...
"Aquilo é um sorriso?! Meu deus o papai sorriu do que eu
disse?!
Hoje ele nem prestou atenção no
que eu contei, eu devia fechar minha boca pra sempre.
Por
que ele fez essa cara?! Meu deus eu devo ser a pessoa mais burra do mundo.
As
vezes eu tenho medo, parece que eu dependo das reações positivas dele pra ser
mais interessante pro mundo...
Ele
fica bonito de barba. Ele cortou o cabelo. Ele não percebeu que tá contando isso de novo?
Será
que ele gosta da mamãe?
O que será que ele está pensando?
Mudou de assunto, nem percebeu...
A nina puxa o saco dele...
Não
vou conseguir pedir,
não vou conseguir pedir,
não vou conseguir pedir
não
vou...
ele
deixou?! / ele mandou?! / ele lembrou?! "
Depois de algum tempo, eu já fazia trança de três, recomendava filmes que faziam meu coração doer, fazia viagens sozinhas ou só com a Nina, abandonava o barco, aprendia melhor sobre revolução em comunidades de discussão do orkut e correria do vestibular, e fui entrando em infinitas crises, e talvez entendendo o que era melancolia.
-Pai...
-Você precisa comer essa maçã.
-Eu...
-Come minha filha.
-Eu, eu acho que eu to ficando doida.
(desmaio.)
Ainda que não fosse perfeito, era belo. Ainda que não fosse de toques, era a presença. Ainda que não fosse comunicativo, era tudo que eu podia escutar. O amor é e sempre será revolução.
-Nanda, eu prometo que vou demonstrar que me importo mais, nunca soube que me via assim.
-Eu não me importo mais, só precisava colocar isso pra fora.
"Nunca soube. Então meu ponto de vista a respeito dele foi um mal entendido maldito que me prejudicou e empacou porque eu simplesmente nunca me incomodei a ponto de falar. Calada, idêntica." (refletia injuriada. )
Papai realmente não sabia que tinha tanta importância e desalinho no seu formato, e na promessa que eu desacreditava igualmente a trança de três, ele começava a aprender rápido e a fazer naquela mesma semana envio de mais sms's, cobrança de beijos que não dei quando ele chegava de viagem, ligações, perguntas sobre a festa, perguntas de quem eu estava sorrindo, do que é que eu estava contando, quem era essas pessoas e aquilo tudo era sútil, estranhamente lento, surpreso e altamente transformador.
"Puta que pariu, isso me irrita nele.
Ele não abandona o barco!
Ele tem esse direito?
Preciso urgentemente perdoar.
Mas já não sei se vale pra mim ou pra ele."
O amor é revolucionário, tudo ia se balanceando fora do meu controle. Eu já não era capaz de lhe avisar "você está fazendo tudo certo neste momento, por favor continue.", agora eu era calada, idêntica, mas de tal forma que tudo em mim era festa, expectativas eram superadas, e do meu filme, chegando da rua ele também perguntava:
-Nanda, esse ai é o Aquiles?
-É. Esse filme é ótimo, né? E ele vai morrer daqui a pouco, ela vai ficar sozinha...podre.
(papai sorri)
-É porque a flecha pega bem no calcanhar dele...eu lembro.
(e papai vai para o quarto)
"Justamente. É porque o calcanhar de aquiles é seu ponto fraco."
(formulo irônica)
(formulo irônica)

... mesmo que torta.
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