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Mostrando postagens de junho, 2019

Dezesseis

Condenaram a velha bruxa por admitir paixão. Não pode. Quanta audácia...loucura! Normal mesmo é admirar calado, olhar insistentemente, fingir que não vê e que não sente que nada acontece. A velha bruxa provoca tantos medos ou ainda me pergunta se só não revela quem são os verdadeiros portadores da coragem? Não está louca em nenhum dos dias. Fala do que sente apenas. Não perde nada com isso, muito pelo contrário, ainda se livra com mais facilidade da ilusão. Sem reciprocidade tudo vira apenas uma grande lição. Se houvesse, aí seria encontro, seria paixão, seria uma história de verdade. É grande a responsabilidade de não se permitir. Ela prefere sacudir, sacudir, sacudir... todas as correntes em nome do existir sentindo. Do existir mesmo que tudo seja um não. Melhor colocar pra fora do que engolir por dentro. Melhor acabar agora do que não saber como seria. Distorcem a história, os cavalheiros são tão covardes... Quanta bobagem para o tamanho do sentir! Ela nunca pediu explicação sobre ...

Carta a mão

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Há uma conexão da minha pele com teus dedos, com meus dedos e tua pele. Nossos beijos são tão macios, devassos e precisos. Teu carinho abraça minha alma, colore as horas e torna as lembranças mais preciosas. Tu advinha meus desejos mais secretos sem que seja preciso eu dizer. Me sinto teu número, me transporto pra bons lugares quando estou contigo, sem passagem, sem tempo e senhas, sem problemas... Há um encaixe em nós, uma força bonita nos gemidos, um movimento perfeito pelo espelho. Depois de ti, me sinto tão eu. Sou maior, sou melhor, sou amanhã. Gosto do teu corpo submisso ao meu tantas vezes, e como eu gosto meu deus, de me render e entregar, de não ganhar nenhuma única vez.  Há um tesão que não passa, uma conversa simples que martela na minha cabeça, uma poesia no olhar, no sorriso, na gracinha, na comida... Há uma campanha ferrenha pelo nosso amor batendo no meu peito. Minha vida, minha estrada, nosso encontro, e uma nova passagem. Depois de você, eu sei que nem...

O cheiro das flores

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Donata foi minha professora de artes e logo de cara eu já sabia que não podia ser da minha cidade. O jeito que ela falava era diferente. Era possível enxergar que seus olhos viam além do que estivesse na sua frente. Eu era uma pré adolescente na época, eu era tão perspicaz. Pelas ondas do cabelo dela em plena era da progressiva e a calça jeans colada, ela entrava na sala sempre com seus vestidos coloridos, e me deu outra pista de que até poderia morar no mesmo lugar que eu e os colegas da sala, mas jamais pertenceria a nossa cidade.  Ela entrava na sala na maior tranquilidade e nos contava a história dos grandes artistas e nos mostrava suas obras. Queria que nós pensássemos, suplicava. Por alguma razão idiota ninguém queria pensar. Outros fingiam que não pensava, como eu.  Na maioria das vezes, eu percebi que as histórias dos artistas costumavam ser bem trágicas. Eu prestava atenção em segredo, não queria que os outros soubessem que eu entendia aquele segred...

Direção

Posso atravessar o rio sozinha agora. Consigo nadar, respirar debaixo da água, ser água. Amo-te, mas afoguei sem muita explicação algumas das nossas lembranças mais encantadas. Acho que fui um pouco deslumbrada, meio ingênua ou dedicada demais com a construção das minhas memórias. Acredito que isso não seja tão ruim, é bom até. Coloquei meus pés no chão, sinto a areia neles novamente. Seguir a estrada flutuando é prazeroso, mas podemos cair a qualquer momento quando nos falta um pouco de fôlego. Me sinto um pouco mais minha. Mais dura talvez. Não quero ser inteiramente minha quando vejo tua segurança em ser tua... ainda me assusta as vezes, nos pensar separadas. Sofro por algum motivo desconhecido. Está no meu mapa, nas estrelas, no primeiro choro do meu nascimento. Quem sabe o meu amor seja meio posse, meio ruim, meio brega, avassalador, dramático, meio julieta e romeu. Não quero ser assim, me vejo errante, me vejo pecado. Te vejo iluminada, te vejo milagre. Talvez, sofrer por não qu...