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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Outra pessoa

Querer ser de novo, trazendo o bem e o mal, o desagrado e o conforto pueril, a memória do caminho atravessado. Aqueles olhares estúpidos, as palavras machucadas, um balde de gargalhadas num porão de escadas de lágrimas. Não desço, eu esqueço se sei nadar às vezes. A única coisa que eu sempre sei é que as batidas do coração parecem os passos de alguém que vai me pegar. O que eu possuo de fato? Parece ser tão verdadeiro e tão misterioso ao mesmo tempo, o que eu preciso pra enxergar? A vida me deixa cega das minhas posses. A atenção que concentro naquelas fraquezas, diminui minhas melhores descobertas, meus melhores atos de coragem.  O que eu sou? Uma mulher ou um gato? Corro magrela desesperada, desesperada, onde está minha proteção? Porque preciso correr tanto? Sinto medo e carrego comigo sempre que me sento na mesa. Abro portas e calço sapatos. Tenho medo, vocês sabem como isso funciona de verdade? Então, eu me afasto. Quantos anos são precisos para aumentar as pinceladas de uma reforma e tudo que preciso lembrar de outras formas? 
Complicar... sempre muito! Minha alegria, os roubos e sorrisos colecionados, as cartas que eu parei de escrever, eu não tenho mais cheiro. Chegou aquela idade em que antecipo meus anos. Me imagino voando sangrenta, não sou mais tão especial. Comporto-me no entanto, o tempo inteiro esquecendo-me dessa parte. Natural no mundo das aranhas, que destroem as próprias teias, vocês sabem praticamente do quê? Há uma dimensão! E me levaram pra lá, o tempo é diferente, como de erva, como de uma cidade de faroeste, de casa mal assombrada. Tantos fantasmas viciados em me seduzir. Aonde é que está o brilho dos olhos deles? E a sensação de sextas feiras intermináveis? 
Nós bebíamos tão alegres, não sinto mais nenhuma vontade. Eu queria entender que tipo de dia vem amanhecendo por aqui. O tipo da música que eu sou capaz de ouvir, e o porquê desconfiar de tantos sentidos.Tem algo um pouco errado nisso tudo que eu deixei pra mim. Algo errado na forma como eu me lembro disso sempre. 
Existe algo completamente fora da caixinha quando me veem as memórias dispersas, aleatórias, cheias de suspeitas certeiras...cheio de certezas cretinas. 
Há algo errado em como virei tudo de cabeça para baixo, depois revirei, depois ficou meio torto ou foi assim mesmo que deveria ficar. Eu, simplesmente sacudida, remexida, não me comportei como devia, não achei necessário. Já não sei o que são teorias e fatos. Mas há algo certo em eu não querer ser certa da cabeça. Há algo simplesmente verdadeiro em eu não querer ser tão certa da cabeça. Vem de dentro, uma força louca de não querer. No mais, mexeram nas pegadas que deixei pra mim, algum tempo atrás nessa mata. Apagaram, passaram por cima. Mas eu não sou infeliz completamente. Apenas fico perdida sem minhas pegadas, fica mais difícil procurar meu lugar desse jeito. Reviraram minha natureza, as flores estão com cores que eu não sei codificar. Eu queria tudo vermelho, depois eu queria tudo azul. O cheiro do mato me conta que as folhas que caem também sentem e assobiam os segredos das pegadas que eu deixei e não estão mais aqui.
Quero me enterrar desde então, me enterrar desde o início não. Onde está a minha sombra de quatro patas em meio aquelas outras crianças, e por que rezam tanto por mim? Tão cedo, tão cedo hoje eu vejo... trazem seus homens para que me devorem em nome do amor, e discretamente cortam meus pêlos, arrancam minhas presas, me colocam de pé, somem com o meu rabo... eles querem me enterrar, desde o começo.
Eu me enfureço comigo mesma, como deixei passar... eles me queimam viva, viva! Eu sinto o fogo pela minha pele, eu me coço todos os dias. Coço até envergar. Carbonizam meu coração, petrificam minhas garras... eu me coço, eu luto pela minha salvação? Preciso correr e vão entender que eu não vou caber nessas jaulas. Preciso acordar, antes que eles me engulam... eu fui embora, sem conseguir te amordaçar.
Os meus feitiços, cada vez mais fracos, não cortam nem um pouco dos meus pulsos sem amor. Teria tempo pra ser tímida, tempo pra ser discreta, misteriosa, alegre e bem resolvida. Mas não teria tempo para aquele pedaço pequenininho de mim, aquele pedaço inquieto e imenso de que eu podia mais, permitir muito mais, fazer mais por mim, dizer mais, contar a minha história com orgulho. Meus desejos saem pra fora do meu corpo, fingindo, torcendo, eu sou outra pessoa. Eu achava que a alma era algo que a gente controlava muito bem. Eu sou outra pessoa. Você não atravessou a rua, eu vi. Eu tinha algumas regras na minha cabeça. Eu sou outra pessoa. Agora tenho algumas regras de casa, do mundo, da rua e também da minha cabeça, mas com algumas crenças perfeitamente abertas para serem mudadas. Eu me movimento, é uma admiração infinita, mas... passou muito tempo? As vezes você não tem medo das coisas pra você também parecerem que continuam iguais? As coisas as vezes não mudam. Não quero me sentir assombrada, eu preciso muito de perguntas e fazer quadrados, uma hora eu danço essa dança aí. Eu sou outra pessoa, eu escuto um grito. Queria mexer nisso, eu escuto um grito, e vi que você não atravessou a rua... uma hora eu danço essa dança aí. 
Às vezes tenho vontade de saber porque certos capítulos tem tantos pactos com o diabo. 

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