Páginas

sábado, 12 de julho de 2014

Beijos vermelhos carregados pelas brisas.

O grande político iria dar um parecer, eu era uma atriz. As pessoas que eu conheço não sei se eram quem são, não sei se eram inclusive quem são hoje. Precisamos mostrar toda a dor desse astral, precisamos sofrer como se fosse vida real... E agonizar a platéia, certo? Um perguntava, e eu balançava a cabeça com a companhia num sim. Éramos um bando de malucos, quase parnasianos, não sei como sobrevivíamos, não sei como sobrevoávamos, sei que nossos jantares eram de pura poesia e nosso entardecer maresia. Não tínhamos família, não éramos ciganos, não tínhamos mais terra natal, lavávamos sapatilhas, tínhamos cuidado com a maquiagem, carregávamos apenas o útil e me lembro bem de muitos beijos cênicos, muita tinta azul, muitos beijos vermelhos carregados pelas brisas. Éramos um bando de soldados da arte sem general, compartilhávamos de uma harmonia a qual não sofríamos nunca por amor e éramos extremamente românticos. 
Por algum motivo eu me retirava do ensaio, era realmente um grande teatro, aliás, era dentro de um grande shopping, constituído de um ambiente de muita limpeza, o que deixava óbvio de que se tratava de um lugar para o público que tinha muito dinheiro. Isso me deixava um tanto confusa sobre que tipo de companhia éramos de verdade, ou que tipo de acordo fizemos pra estar ali, se éramos de rua ou se já havíamos conquistado um espaço confortável... se éramos de passagem ou renomados... ou se simplesmente éramos ousados e tivemos uma grande oportunidade. 
Enquanto eu estava fora espiando não sei porque e indo não sei para onde,  eu também estava em todos os lugares que eu pensava, sem estar presencialmente, participando de outras dimensões em um só espaço. Eu era uma espécie de travelling, de closer e também um terceiro olho, eu via um tio bajulando o grande político, via o grande político apressado, via as pessoas abrindo caminho para o grande político, via sorrisos deslumbrados em caminhos perdidos na ignorância e logo depois que ele passava, via a faxineira jogando água e sabão e eu quase escorregava e tentava fisgá-lo como um espírito, eu tentava alcançá-lo, mas não estava lá, eu queria fazê-lo sentir, eu queria saber se havia algum coração ali, mas não estava lá, tentava gritá-lo, eu queria fazê-lo ouvir, eu queria saber se havia alguma consciência ali, tentava alcançá-lo, mas não estava lá... contudo o que eu queria mesmo era despi-lo. És realmente de carne e osso? És realmente humano? Como é que podemos depender de você? Como ser alternativa? Como ter alternativa? Como obter alternativa num mundo desse tamaninho? Estais farto? Faminto? Voltar, voltar...voltar! 
Uma parte central da minha consciência me avisava que eu precisava voltar as pressas, pois a peça ia começar. O grande político estava há poucos metros de na sala do teatro chegar. Ele iria se sentar acenando para alguns da platéia, e eu entraria dando cambalhotas até chegar perto do palco, enforcando seu personagem numa história fictícia.

Nenhum comentário: