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quinta-feira, 29 de março de 2018


Quando bateu, meu coração veio a disparar de tal modo que eu não conseguia segurar meu respirar.  Vou morrer? Me questionava com medo por não saber mais me controlar, mas havia controle, eu o sentia também. Como nunca antes. Sentia na minha pele, dentro da minha mente e na minha garganta. Então é assim o controle? Eu me perguntava sem antes nunca tê-lo percebido tão perto da minha alma. Tudo aquilo era eu de verdade. Mas eu mais intensa, descascada e um pouco desprotegida. Ainda não conseguia segurar meu respirar, sabia que precisava esquecê-lo para conseguir curtir as demais sensações, se é que poderiam ser boas. Os amigos me diziam, relaxa, relaxe... e então naquelas fotos do mural sem luz as fotos conversaram comigo como nos jornais do filme harry potter. Uau, como minha mente é capaz de me fazer ver isso? Antes disso, ainda no palco, o brilho das roupas dos orixás saíram dos tecidos. O batuque me tirava de dentro de algo que não era meu corpo. Se eu lembrasse do meu corpo me sentia aprisionada e deveria segurar meu respirar. Eu também precisava de água. Dava muita sede imaginar. As luzes se apagaram no meio de alguma alegria genuína. Todos de branco, mas não havia aquela paz que se espera da cor. Não fique com medo, meus amigos diziam. Relaxe, relaxa... pense sempre coisas boas. O que era pensar coisas boas? Eu me perguntava e saia andando, até que vi muitos corpos se mexendo no telhado da frente. É só minha imaginação eu me dizia. Uau! Como sou capaz de imaginar isso? Seriam zumbis? Veja, zumbis! Meus amigos sorriam e pediam pra que eu ficasse em silêncio, eu poderia assustar outras pessoas...Não quero assustar ninguém, queria que vissem também. Mas nem todo mundo quer ver o que a gente vê. Pensava sozinha. Entendi rápido que minhas visões eram perigosas para os outros. Eles não sentiam como eu. Cada um tinha um contexto próprio. De repente eu sabia identificar quem estava com o coração batendo no mesmo ritmo que o meu, e quem não estava; pelos olhos... eu conseguia decifrar. Haviam olhos grandes em meio a olhos pequenos na multidão. Também comecei a sentir cheiros mais fortes, shampoo, pasta dental, perfume, cerveja, gabriela, pirulito... eu era quase um cachorro com fucinho mais aguçado agora? Lembrei de repente que havia passado fio dental dias antes, a sensação das gengivas ainda sensíveis pela passada do fio me deu a impressão de que eu estava perdendo meus dentes na grama. Mas não era verdade...Muita farra foi feita disso. E ao procurar meus falsos dentes pela grama, lembrei de quando era criança e como queria ter cabelos grandes, cabelos enormes como uma princesa dos contos de fadas... eis que minha cabeça começou a pesar. Além de estar procurando falsos dentes, agachada fiquei andando com a cabeça torta por conta do peso dos cabelos que agora já podiam ser como os da minha fantasia de criança.  "Vai caber no ônibus?", eu perguntava em voz alta, achando que estava perguntando pra mim mesma. Meu andado era deprimente. Mas não conseguia sentir vergonha. Eu sentia apenas o peso dos meus pseudo cabelos e a falta dos meus pseudos dentes. Desintegrada de alguma forma, isso logo passou e lembro de dançar com as garotas. Como as garotas são mais belas e bonitas que os rapazes. Eu pensava e sorria dentro da minha mente meio tímida. Recebia um beijo na boca de uma amiga. Acordava da dança. Ela dizia pra eu beber mais água. Mas eu vi que não era água. Era uma bebida de frutas. Não tomei mais. Sumi. Dançava novamente. Via uma criança no colo de um pai chorando sangue. Por que ela chora sangue? Eu parava de dançar e perguntava a um amigo próximo. Ele sorria, me chamava de doida e dizia que era tinta, apenas tinta vermelha. Eu sorria e em seguida o rapaz de outra noite me beijava intensamente sem me avisar. Um eletrochoque de sensações acontecia. Uma chuva inesperada acontecia e me derretia. Não conseguia mais falar. Ele me perguntava se estava tudo bem, eu não sabia dizer apesar de estar. Depois em seu colo eu via seu cabelo azul impulsionar. Eu sorria e ele dizia que queria enxergar o que eu via. Parecia triste e me achar bonita e engraçada demais, mas era bem claro que queria meu corpo, mas não me queria. Não teria meu corpo, eu pensava calada. Logo pude sentir que seu objetivo seria me deixar. Não me deixe, eu dizia sem ele falar. Ele dizia que não deixaria, mas num piscar de olhos, sumiu com seus sapatos vermelhos que fiz questão de decorar a cor para quem sabe mais tarde encontrá-lo no meio da multidão de branco. Sozinha, caminhei pela chuva com medo de ser desmanchada, meus amigos haviam sumido também e todos os outros ao meu redor não passavam de almas penadas. O que mais eu posso ver? O que mais eu posso sentir? Não conseguia respirar. Um desespero arregaçava meus pulmões. Alguém me oferecia água numa garrafa, dessa vez era água mesmo. Eu tomava e podia escutar o barulho das ondas do mar lá dentro, como se fosse uma concha marinha, como se fosse a própria natureza observando a obra divina dentro de uma garrafa que agora era o planeta. Todo um planeta nas minhas frágeis mãos. Não conseguia respirar então respirava dentro da garrafa. Sentia como se eu fosse algum deus grego que soprava as ondas do mar e o deixava violento. Uma amiga me encontrava e me perguntava o que eu estava fazendo com a garrafa, eu dizia que tentava respirar e ela sorria um pouco preocupada. Vamos, precisamos ir. De repente eu gostava muito dela. Mas algo me dizia que ela não podia saber e que eu não podia gostar. E se ela que gostava de mim? E se estiver me levando para algum lugar em que poderemos estar sozinhas? Eu deixava ela me guiar, na falsa sensação de que ela fosse perigosa... no fundo eu sabia que não era. Chegamos juntas aos outros amigos, eles riam alegres com a minha presença, eu dizia para outra amiga que talvez a amiga que havia me guiado gostasse de mim, ela dizia que não, que eu poderia ficar tranquila. Eu dizia será? Ela sorria e pedia pra que eu esquecesse aquilo. Eu voltava para a amiga guia e dizia tenho sede. Ela me dava água e me ajudava a respirar quando eu dizia que não estava dando conta mais. Caminhávamos todos para o mesmo sentido dessa vez, até que achei o caminho muito longo e reparei que minha botas eram mágicas. Estou de patins, patins de gelo, eu dizia sorrindo. Meus amigos sorriam, enquanto eu começava a patinar e sentir meus cabelos voando. Segurem-na! Eles diziam preocupados e sorrindo. Alguns tentavam, outros observavam. Quando finalmente parei, vi uma árvore marrom que parecia falar e saber de muitas coisas. Talvez uma árvore que tivesse vida humana. Haveriam monstros por ali? Pensei alto, assustando algumas pessoas. Não há monstros, não pense nisso porque eles podem ser construídos. Alguém me alertava temeroso. Olhe sempre para onde tem luz e pense sempre coisas boas. Eu queria ver os monstros, mas puxaram meu pescoço rapidamente para a luz. Não tenho mais medo do escuro, eu me dizia e entrava pelos portões cheios de gente. As pessoas pareciam acomodadas mas perdidas. Eu via os fios coloridos e me desapegava novamente dos meus amigos para viver com as cores. Passei alguns minutos me sentindo pendurada naqueles fios. Eram de várias cores, se movimentavam  ininterruptamente  pra lá e para cá. Não iam para lugar algum, mas precisavam ir de lá pra cá. Uma morena se aproximava de mim e sorria. Sentia vontade de beijá-la, mas não podia dizer. Ela me perguntava se estava tudo bem, eu dizia que sim. Me levava para a grama, outros chegavam desesperados em risos e me deixavam preocupada. Aquilo era ruim, comecei a temer. A morena me ajudava e eles se dispersavam em sorrisos. Eu parecia chamar bastante atenção pelo que via. Todos pareciam querer estar dentro da minha mente. A morena sumia, minha amiga guia aparecia e dizia: Olha quem eu encontrei! Com a voz bem baixinha e fazendo sinal de silêncio. Eu não conseguia enxergar o corpo meio morto que dormia numa espécie de rede. Tomava uns pingos de chuva, tive pena. Veja! Ela dizia como se eu fosse me sentir muito surpresa. Era ele, sem cabelo azul com sapatos vermelhos. Devemos acordá-lo? Eu perguntava confusa. Não, ela dizia e me retirava da presença dele. Sentei na grama, finalmente parava os pingos de chuva. Deitada, sentia que a grama me abraçava, mas que não iria me engolir, apenas me abraçar mesmo. Havia uma árvore na minha vista e o céu corria como nunca antes por trás dela. Também havia cores que corriam constantemente de lá para cá no céu. As folhas das árvores não eram verdes, eram penas de pavão. Como a estampa de um par de chinelos que tive...em breve amanheceria, eu me dizia...  As vezes, ainda tinha dificuldade de respirar. Nunca mais quero ver as coisas que vi, eu me dizia sem saber mais movimentar meu corpo como eu queria. Havia um descontrole. Meu braço se levantava enquanto eu falava, outrora minha cabeça entortava. Um descontrole ruim de fato. Queria voltar, dizia para a amiga guia e para a morena. Você vai, elas diziam com pena. Espero que sim, eu dizia. Temo que não, eu pensava. E com poucas esperanças, esperava pelo meu amanhecer.

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