Páginas

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O teu nome, as cores, o corte, altura e a acidez... a capacidade de admitir, era bonito o suficiente. Já não estava mais fantasiando sozinha. Alguém estava realmente me olhando, mesmo que tudo que eu pudesse, desde o início e por fim, era apenas querer. Não posso escrever sobre o que nunca existiu. Não posso escrever sobre o que passou pela minha cabeça diversas vezes. Não posso escrever sobre besteiras que me aceleraram por dentro. Nem para onde eu olhava, para onde eu queria olhar. Os caminhos que eu fazia para os pequenos planos do dia, para as pequenas atenções na noite. Não posso escrever sobre aquelas portas de vidro. Sobre os chinelos de quem não vivia mais entre nós. O que é que eu via e a forma com que os dias começaram a se passar. O churrasco, o barulho das pedras. Não posso lembrar de gestos para que eu me sentasse, bem no início, bem ali do lado... e se eu tivesse sentado? Eu não posso escrever sobre o que alguns, ninguém, e todo mundo, viu. Era só aquela música que tocou, era só aquela hora que eu já estava conformada, dançando e feliz e ganhei uma explicação que nem ao menos pedi. 
Ah, se eu pudesse escrever sobre o que escutei, sobre o que me lembro, sobre minha coragem, sobre o que foi real e o que não foi. Mas eu não posso. Não posso escrever sobre o que não aconteceu de verdade. Eu não posso escrever sobre nada. Escrever é tão perigoso. Não posso me transformar numa doida de repente. Preciso me comportar, ser normal. Mas, ah, se eu pudesse escrever sobre a diferença de querer e poder, mas nem disso ao menos eu posso quebrar a cabeça, compartilhar... às vezes parece que enxergo as coisas do avesso, e todo mundo parece estar vendo da mesma maneira. Não posso escrever nem ao menos que eu me lembro daquela conversa, apesar de estar bêbada; e que uma alegria genuína se apossou de mim e ninguém seria capaz de entender o porquê, mesmo não se tratando de um sim. Porque ninguém haveria de entender o que é um privilégio. Sentir assim, existir assim. 


Nenhum comentário: