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quarta-feira, 1 de julho de 2015

O pacto de que era proibido falar de amor.

Sem falar de amor, nós sempre reclamávamos de que não tinha nada pra fazer. Construíamos nossas casinhas, casávamos, eu com o rodo, a Nina com a vassoura e era festa pela casa inteira, dávamos nomes às bonecas, fazíamos comidinha, até que tudo perdia o sentido. Enjoávamos de estar casadas, nos divorciávamos do rodo e da vassoura no quintal mesmo, e jogávamos os nossos filhos no fundo do baú de brinquedos.
Decidíamos então que nossa brincadeira preferida só podia ser escolinha! Organizávamos as cadeiras, os diários, e dávamos nomes aos livros! Nossa escola ia ensinar a casa inteira! Papai chegava e brigava “Não quero ver mais nenhum livro meu rabiscado, ouviram?”. Até que enjoávamos de ensinar tanto aluno que não podia ter nome, tanto aluno mudo! E pulávamos para a rede numa série de apostas do ‘eu duvido’.
“Eu duvido que tu balance tão alto a ponto de triscar os pés no teto!”,“Eu duvido que tu é mais rápida do que eu!”, “Eu duvido que tu é mais forte do que eu!”, “Eu duvido que tu tem coragem!”
Parecia ser muito importante disputar desde a hora que se acordava até a hora de quem ia apagar a luz do quarto. Por algum motivo desconhecido, ter os mesmo pais, às vezes é motivo de guerra.
Quanto tempo demora pra compreender que o barato da vida mesmo, é quando descobrimos que eles são indiscutivelmente imperfeitos? E que mais legal do que isso, só mesmo quando temos uma pessoa do nosso lado que descobre as verdades, e o mundo junto com você? Que descobre os defeitos dos seus pais junto com você, que gosta da letra mais do que da música, que te desafiou a ficar debaixo da água, sem respirar, por mais tempo, que saiu da brincadeira porque menstruou primeiro, que sabia como ninguém do pacto. O pacto de que era proibido falar de amor.
Por algum motivo desconhecido, ter os mesmos pais, às vezes é mesmo motivo de guerra. “Vocês são irmãs, tem que ser unida!”. Proibido falar, sentir não. Ainda bem que as regras estão aí muitas vezes para serem quebradas. Quebradas como os teus dentes Nina, os três que eu quebrei. Ou o único que eu quebrei três vezes? Sei que duas vezes foi sem querer e uma sem querer querendo. A vida, eu e os teus dentes... somos muito frágeis.
Houve um tempo mesmo, em que brigávamos antes de ir à escola, na hora do almoço, no teatro, na natação, no meio da rua, na entrada e na saída dos lugares, pelo direito do maior lado do guarda roupa, pelo direito de quem não lavou o banheiro e a louça, pelo direito de andar logo no banheiro. Houve um tempo em que tudo simplesmente se resolvia com a cartada final do: “EU NÃO VOU MAIS BRICAR! E SOLTA MEUS BRINQUEDOS AGORA!”
Ainda assim, é impossível não se lembrar da união. A vida é frágil e insaciável. Éramos capazes de nos unir e transformar o nosso banheiro quebrado, por exemplo, em uma mansão enorme dentro das nossas cabeças, com uma banheira de espuma imaginária, ainda maior. Depois enjoávamos. Mas nos uníamos de novo, pra transformá-lo em uma fábrica de coleção de copos de iogurte! E ai enjoávamos de novo, pra nós unirmos novamente e criar um clubinho em que menino não entrava. Mas, quando percebíamos que nem conhecíamos meninos suficientes para impedi-los de entrar, o jeito éramos quem sabe virarmos pagãs... Bruxas! “Somos bruxas Nina, e nosso banheiro uma garagem de bruxa, vamos pendurar uma vassoura nessa parede e encher isso aqui de aranha e morcego! É isso que a gente é! Confia em mim...”
Um dia o banheiro foi consertado, e as vassouras na parede deram aranhas de verdade. Então o banheiro voltou a ser só banheiro mesmo. Vai entender nossa união e concorrência, vai entender essa vontade de ser alguma coisa todo dia. Quanto tempo leva pra saber que faz todo sentido a frase “Irmã tem que ser unida”? Ninguém melhor do que sua irmã para embarcar na feitiçaria, voltar junto da escola chutando uma pedrinha pra não perceber quanto tempo ainda falta pra chegar finalmente em casa. Ninguém melhor do que sua irmã para sorrir das mancadas da sua mãe. Ninguém melhor do que sua irmã pra ver seus irmãos menores cometendo os mesmos erros, manter as mesmas disputas e ter as mesmas crises e viagens de infância que tivemos.
Bom mesmo é quando descobrimos que não precisamos mais do ‘eu duvido’, bom mesmo é quando descobrimos que não somos melhores, nem piores que a outra... somos irmãs, o importante é que realmente tem que ser unida, somos um relicário imenso (daquela música que amávamos cantar juntas!) e de um amor que não precisa mais ser proibido. E já dizia Nando Reis, te amarei de janeiro a janeiro, até o mundo acabar. E quem sabe, construirmos tudo de novo...

5 comentários:

Elisa disse...

Que coisa mais linda! Chorei de nostalgia, de rever todos os momentos na minha mente..Eu amo seus textos, Nanda!Eu amo vc e a Nina!! "Irmã tem que ser unida!"rss

Marina de Alcântara Alencar, a Nina. disse...

Lindo texto! Muito obrigada! te amo, desde sempre, pra sempre! ♥♥♥

Marina de Alcântara Alencar, a Nina. disse...

Lindo texto! Muito obrigada! te amo, desde sempre, pra sempre! ♥♥♥

Anônimo disse...

Lindo,uma infância feliz que deixou doces recordações.bjos IZABEL

blog do gallo disse...

Os meus olhos são um espelho de águas....